REl - 0600031-64.2020.6.21.0102 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/10/2020 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão por que dele conheço.

Mérito

Trata-se de recurso interposto pelo Diretório Municipal do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de Santo Cristo contra sentença do Juízo da 102ª Zona Eleitoral que julgou improcedente representação por propaganda eleitoral antecipada, ao fundamento de não restar provado o prévio conhecimento dos representados.

A suposta propaganda extemporânea consiste na veiculação, pelo aplicativo WhatsApp, de áudio contendo paródia da música “Do Fundo da Grota”, do cantor regionalista Baitaca – pedindo votos para os recorridos Osmar Castilhos e Adair Philippsen, pré-candidatos aos cargos de vereador e prefeito, respectivamente (ID 6846983).

Visando garantir a isonomia entre os candidatos, a legislação só permite a veiculação de propaganda a partir do dia 16 de agosto, conforme dispõe o art. 36 da Lei n. 9.504/97, data que, com o adiamento das eleições, passou para o dia 27 de setembro (art. 11, inc. I, da Resolução TSE n. 23.624/20).

A definição de propaganda eleitoral antecipada foi significativamente alterada pela Lei n. 13.165/15, que acrescentou o art. 36-A à Lei das Eleições, cuja redação elasteceu, e muito, a possibilidade de manifestação dos pré-candidatos, passando a considerar que somente o pedido expresso de voto configura propaganda eleitoral antes do período permitido.

Transcrevo o dispositivo em questão e sua reprodução no art. 3º da Resolução TSE n. 23.610/19, que regulamenta a propaganda eleitoral para as eleições deste ano:

Lei n. 9.504/97:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: (Redação dada pela Lei n. 13.165, de 2015)

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico; (Redação dada pela Lei n. 12.891, de 2013)

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; (Redação dada pela Lei n. 12.891, de 2013)

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos; (Redação dada pela Lei n. 13.165, de 2015)

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais; (Redação dada pela Lei n. 13.165, de 2015)

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias. (Incluído pela Lei n. 13.165, de 2015)

[...]

§ 2º Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver. (Incluído pela Lei n. 13.165, de 2015)

(Grifo nosso)

Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 3º Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, caput, I a VII e §§):

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates na rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, da discussão de políticas públicas, dos planos de governo ou das alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades serem divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;

IV - a divulgação de atos de parlamentares e de debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive em redes sociais, blogs, sítios eletrônicos pessoais e aplicativos (apps);

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido político, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias;

VII - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4º do art. 23 da Lei nº 9.504/1997.

[…]

§ 2º Nas hipóteses dos incisos I a VII do “caput”, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver, observado o disposto no § 4º deste artigo (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, § 2º).

(Grifo nosso)

Ou seja, o legislador colocou à disposição dos pré-candidatos vastas possibilidades de promoção de qualidades pessoais, exposição de plataformas e projetos políticos, cabendo-lhes apenas a obediência quanto ao não pedido de votos.

No caso concreto, pela análise do caderno processual, restam indubitáveis o pedido de voto e a divulgação do áudio, produzido num evento da família do primeiro recorrido, OSMAR, postado no grupo da mesma família e depois espalhado a outros usuários, restando apurar o prévio conhecimento dos recorridos, bem como o alcance dessa divulgação, para fins de configuração de propaganda eleitoral antecipada.

Em relação ao primeiro recorrido, OSMAR, tenho que o recurso merece provimento, pois caracterizada a sua responsabilidade, senão vejamos.

No dia 28 de junho, antes mesmo do ajuizamento da ação, ele próprio comunicou ao segundo recorrido, ADAIR, que o seu sobrinho havia criado a paródia e postado no grupo da família, que é integrado por mais de cem pessoas, como se observa no print apresentado no corpo da defesa de OSMAR (ID 6847833 - fl. 03):
 

“Boa noite Adair. Tudo bem?

Viu, de uma brincadeira saiu uma música minha ai, meu sobrinho fez na hora e colocou no grupo da nossa família. No grupo são mais de 100 pessoas, a musica de uma brincadeira acabou se espalhando. Não fui eu que fiz a musica, e nem mandei ninguém fazer e muito menos compartilhar..podia me dar uma caminho ai a respeito disso? O adriano disse que eu podia levar uma multa por causa disso mas a única coisa que eu fiz foi postar no face que era pre candidato” (Sic).

 

Sendo pré-candidato ao cargo de vereador, era seu dever conhecer e obedecer às regras eleitorais.

De qualquer sorte, ainda que eventualmente desconhecesse o regramento legal – o que nem poderia ser alegado – foi alertado por terceira pessoa, de nome Adriano, de que poderia “levar uma multa”.

Assim, a atitude esperada de OSMAR seria, tão logo postado o áudio com a propaganda no grupo do qual ele era parte, ou, no mais tardar, quando alertado por Adriano, informar os respectivos integrantes quanto à ilegalidade da propaganda e pedir a todos que não a compartilhassem.

Todavia, não o fez.

A “nota de esclarecimento”, postada na manhã de 29 de junho no grupo do PMDB de Santo Cristo (ID 6847833 - fl. 03), não o exime da responsabilidade, uma vez que, em tal comunicado, OSMAR se restringe a dizer que não fez a música e não autorizou a postagem.

Com efeito, a responsabilidade de OSMAR não se configura pela composição da paródia, tampouco pela postagem no grupo, mas pelo fato de, tendo meios de impedir a sua veiculação fora do grupo da família, ter-se omitido.

Assim, deve ser reformada a sentença, em relação ao recorrido OSMAR, pois caracterizada a realização de propaganda eleitoral antes do prazo permitido.

O mesmo não se pode concluir em relação a ADAIR, pré-candidato a prefeito.

Sustenta o recorrente a sua responsabilidade ao argumento de que, “em conversa entre os recorridos pelo aplicativo whatsapp, (…) nada fizeram para que a propaganda irregular continuasse a circular entre os eleitores do município” (ID 6848433).

Todavia, conforme se extrai da referida conversa, ADAIR foi comunicado, pelo recorrido OSMAR, acerca da circulação do áudio, de acordo com a transcrição acima, apenas depois de ocorrida.

O diálogo é do dia 28 de junho, data anterior, portanto, ao ajuizamento da ação – ocorrido em 10 de julho –, o que afasta eventual alegação de que teria sido produzido para fins processuais.

Além disso, ADAIR respondeu que “o Adriano tinha me falado sobre isso. O PT certamente vai nos denunciar. E aí vamos levar chumbo” (fl. 03 da defesa – ID 6847833).

Do cotejo desses elementos, mostram-se plausíveis os argumentos da defesa de ADAIR de que ele não tinha prévia ciência da propaganda.

Quanto ao disposto no parágrafo único do art. 40-B da Lei das Eleições, invocado pelo recorrente como suporte à tese de responsabilização do recorrido ADAIR, inaplicável à espécie, uma vez que a intimação apta a caracterizar a responsabilidade ali prevista, caso não providenciada, no prazo de quarenta e oito horas, a retirada ou regularização da propaganda, é a intimação judicial.

No caso, a propaganda foi postada no grupo da família de Osmar e acabou se espalhando, conforme demonstrado no print da conversa por ele juntada aos autos, certamente porque encaminhada pelos participantes aos respectivos contatos.

Logicamente, se ADAIR fizesse parte de tal grupo, poderia ter alertado para que não compartilhassem a propaganda, mas essa atitude era esperada de OSMAR, não de Adair, estranho ao grupo.

No mesmo sentido, o entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral, do qual extraio o seguinte excerto:

Finalmente, quanto ao representado ADAIR PHILIPPSEN, da mesma conversa anteriormente mencionada, fica comprovado que não teve prévio conhecimento da elaboração e divulgação do áudio, pois foi informado a respeito da divulgação pelo representado OSMAR, quando informa da criação e divulgação da música e pede ajuda de como agir. Assim, o mesmo não pode ser responsabilizado pela propaganda eleitoral antecipada, com base no art. 36, § 3.º, da Lei n.º 9.504/97 que exige o conhecimento prévio do beneficiário para que possa ser responsabilizado.

 

Quanto à alegação do recorrido OSMAR, de que não teria havido exposição do conteúdo em mídia de alcance público, como Facebook e Instagram, também não se sustenta, pois ele mesmo reconheceu, como já referido, que o áudio, depois de postado no grupo familiar de mais de cem integrantes, “acabou se espalhando”.

Nesse contexto, considerando o pequeno porte do município de Santo Cristo, com 12.767 eleitores, em que, nas eleições de 2016, 401 votos foram suficientes para eleger um vereador (resultado em http://rsestat.tre-rs.gov.br/resultado/2016/1turno/RS88617.html), uma propaganda eleitoral antecipada que se espalhou a partir de compartilhamentos oriundos de grupo de mais de cem integrantes não pode ser desprezada.

Evidente, portanto, a realização de propaganda eleitoral extemporânea, uma vez que efetuada em período vedado pela legislação eleitoral e intencionalmente divulgada com a finalidade de influir na vontade do eleitorado em benefício dos pré-candidatos OSMAR e ADAIR, motivo pelo qual o apelo deve ser provido em relação ao primeiro recorrido, dada a sua responsabilização pelo ilícito.

Por fim, reconhecida a propaganda antecipada, impõe-se a fixação de multa entre R$ 5.000,00 e R$ 25.000,00, nos termos do art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.

[...]

§ 3º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior.

Na hipótese, não verifico circunstâncias capazes de autorizar a aplicação de penalidade acima do mínimo legal, merecendo acolhida a manifestação do digno Procurador Regional Eleitoral, no seguinte sentido:

No tocante ao quantum da sanção pecuniária, entendemos que deve ser aplicada no seu mínimo, vez que o meio utilizado para divulgação da propaganda antecipada (postagem de áudio no whatsapp) poderia ter sido utilizado por qualquer pré-candidato.

 

Assim, tenho como suficiente a aplicação da penalidade no valor de R$ 5.000,00.

Por fim, descabido o pleito do recorrente no sentido de que “sejam refutados os registros das pretensas candidaturas”, por absoluta falta de congruência com o ilícito praticado, que não se traduz em causa de inelegibilidade nem interfere nas condições de elegibilidade e de registrabilidade, as quais, aliás, devem ser apreciadas e decididas nos autos do registro de candidatura, pelo juízo competente.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento parcial do recurso, para o fim de julgar procedente a representação em relação a OSMAR CASTILHOS, condenando-o ao pagamento da multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com fulcro no art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97.