E.Dcl. - 4095 - Sessão: 16/10/2020 às 14:00

RELATÓRIO

­Trata-se de embargos de declaração opostos por PROGRESSISTAS, CELSO BERNARDI e GLADEMIR AROLDI em face do acórdão da lavra do ilustre Des. Eleitoral Gerson Fischmann, que aprovou com ressalvas a sua prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2016 e determinou o recolhimento do valor de R$ 14.046,71 ao Tesouro Nacional, correspondente à utilização irregular de verba do Fundo Partidário (R$ 2.275,94), de recursos de fontes vedadas (R$ 1.308,00) e de origem não identificada (R$ 10.462,77).

Em suas razões, sustentam a existência de pontos cegos, relativamente à visão do conjunto probatório, que revela possível omissão, devendo a decisão ser integrada quanto às características das provas pertinentes aos boletos bancários apresentados nas contas, especificamente no tocante à forma de emissão, aos dados, valores e à análise de correspondência quanto aos extratos bancários. Afirmam que a discriminação dos documentos é essencial, visto que, em 2019, foi expressamente viabilizada a realização de doações mediante boleto bancário, estando o acórdão omisso quanto ao art. 39, § 3º, inc. III, da Lei n. 9.096/95, introduzido pela Lei n. 13.877/19. Alegam que, durante o exercício financeiro de 2016, a utilização de boletos não era vedada, devendo ser aplicada a norma posteriormente editada. Entendem que o aresto inova a jurisprudência ao não reconhecer a legalidade de doações via boleto e defendem que tais valores não se caracterizam como recursos de origem não identificada. Invocam o art. 7º e o art. 8º, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19; art. 1.022, inc. II, e art. 1.025 do CPC; e art. 275 do Código Eleitoral. Apontam que o acórdão silenciou quanto ao pedido de que a forma de cumprimento da condenação ao recolhimento de valores ao Tesouro Nacional seja realizada de acordo com o § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, c/c o art. 49, § 3º, da Resolução TSE n. 23.464/15, os quais correspondem atualmente ao art. 48 da Resolução TSE n. 23.604/19. Requerem o enfrentamento das omissões e o prequestionamento da matéria ventilada (fls. 324-334).

O feito foi distribuído à minha relatoria em razão do término do biênio do ilustre relator.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, observa-se que os embargos de declaração foram manejados com o manifesto propósito de reexame dos documentos que instruem as contas, porquanto há pedido expresso de que o acórdão seja integrado com as “qualidades da prova produzida nos autos” pertinentes aos boletos bancários.

Entretanto, as hipóteses de cabimento de declaratórios estão taxativamente elencadas no art. 1.022 do CPC, relacionadas à existência de obscuridade, contradição, omissão ou correção de erro material, sendo uníssono o entendimento jurisprudencial no sentido de que o recurso não se presta ao pedido de reexame de provas, ainda que seja fundamentado na existência de omissão:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PEDIDO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. REVISÃO DO ELEITORADO. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME DAS PROVAS E DA REDISCUSSÃO DO MÉRITO. AUSENTES VÍCIOS DO ART. 275, "CAPUT", DO CÓDIGO ELEITORAL. REJEIÇÃO. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Pretensão de nova discussão da matéria já apreciada no acórdão, bem como reanálise das provas que serviram para fundamentar o seu resultado. Decisão, no entanto, adequadamente fundamentada, tendo o acórdão embargado enfrentado a controvérsia de maneira integral e com embasamento suficiente. Não caracterizados os requisitos para acolhimento dos aclaratórios na decisão deste Tribunal que indeferiu o pedido de revisão ou correição do eleitorado em município-termo, por ausência de provas quanto a ocorrência de fraude no alistamento. Falta de comprovação da inobservância dos vínculos admitidos pela jurisprudência em sede de domicílio eleitoral. A mera ausência de residência no município ou o simples fato de o eleitor não ser conhecido de moradores locais não pode, objetivamente, sustentar a ocorrência da mencionada fraude. Rejeição.

(TRE-RS - COR n. 6609 PORTO ALEGRE - RS, Relator: JORGE LUÍS DALL`AGNOL, Data de Julgamento: 14.12.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 225, Data: 15.12.2017, p. 12.)

O acórdão embargado acolheu as conclusões do órgão técnico no sentido de que não foi devidamente demonstrada a origem dos recursos, porque o boleto bancário “é título de cobrança que pode ser pago em qualquer estabelecimento bancário e por qualquer pessoa”, não sendo “possível atestar se o doador identificado no boleto foi quem efetivamente realizou o pagamento”.

Desse modo, é descabido o pedido recursal de que a Corte se manifeste expressamente sobre quais dados constam nesses documentos.

Além disso, o requerimento de que sejam aplicadas ao feito as inovações legislativas promovidas pelo art. 39, § 3º, inc. III, da Lei n. 9.096/95, introduzido pela Lei n. 13.877/19, trata-se de tese nova, não invocada pelos prestadores durante a tramitação do feito.

De qualquer sorte, também nesse ponto o pleito não merece guarida, dado ser pacífico o entendimento de que a legislação aplicável às prestações de contas é a vigente ao tempo do exercício financeiro, em consideração aos princípios da anualidade eleitoral, da isonomia e do tempus regit actum:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2015. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. OCUPANTES DE CARGOS DE CHEFIA E LIDERANÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. 1. Irretroatividade da Lei n. 13.488/2017. Aplicação da legislação vigente ao tempo do exercício financeiro, em consideração aos princípios da anualidade eleitoral, da isonomia e do tempus regit actum, disciplinam o conflito de leis no tempo. 2. É vedado aos partidos políticos receberem contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, quando ostentem a condição de autoridades. 3. Possibilidade de aprovação das contas com ressalvas em consideração ao percentual da irregularidade sobre o total de outros recursos arrecadados. Aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - PC n. 5768 PORTO ALEGRE - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 10.5.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 81, Data: 14.5.2018, p. 3.)

Por fim, efetivamente, não constou do aresto a manifestação quanto ao prévio requerimento de aplicação do disposto no § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo art. 49, § 3º, da Resolução TSE n. 23.464/15, verbis:

Art. 49. A desaprovação das contas do partido implicará a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento) (Lei nº 9.096/95, art. 37).

(...)

§ 3º O pagamento da sanção imposta deve ser feito por meio de desconto nos futuros repasses de quotas do Fundo Partidário, observando-se que:

Considerando que, no caso dos autos, as contas foram aprovadas com ressalvas, sequer tendo sido cominada a pena de multa, entendo que a disposição, por se referir ao julgamento de contas desaprovadas, não comporta aplicação.

Ressalto que, de acordo com o TSE, a aprovação com ressalvas não obsta a determinação de arrecadar os recursos ao erário, porque, por se tratar de “disposição obrigacional de vedação ao enriquecimento ilícito, a determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional é questão de enfrentamento obrigatório a todas as contas eivadas pela arrecadação de recursos de fonte vedada e de origem não identificada”. A propósito:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012. PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT). APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

[...]

11. A aprovação das contas com ressalvas não impede a apuração de eventuais fatos ilícitos que sejam investigados em outros procedimentos administrativos, cíveis ou penais, nem elide a necessidade de ressarcimento do montante de recursos públicos do Fundo Partidário aplicado de forma irregular ao erário. Contas aprovadas, com ressalvas, impondo determinações.

(TSE, PC n. 243-81, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 1.6.2018.)

Com esses fundamentos, a omissão deve ser sanada e os embargos acolhidos parcialmente, devendo ser acrescentado ao aresto que resta indeferido o pedido de aplicação do disposto no § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo art. 49, § 3º, da Resolução TSE n. 23.464/15, uma vez que as normas tratam da desaprovação da contabilidade e as presentes contas foram aprovadas com ressalvas.

À derradeira, registro que, de acordo com o art. 1.025 do CPC, “Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento parcial dos embargos de declaração para o fim de sanar a omissão, acrescentando ao acórdão que resta indeferido o pedido de aplicação do disposto no § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo art. 49, § 3º, da Resolução TSE n. 23.464/15, uma vez que as normas tratam da desaprovação da contabilidade e as presentes contas foram aprovadas com ressalvas.