PC - 0602597-69.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/10/2020 às 14:00

VOTO

Após análise técnica, a Secretaria de Auditoria Interna  deste TRE não logrou confirmar os indícios de que o candidato aplicou na sua campanha recursos no valor de R$ 10.300,00 (dez mil e trezentos reais), que não foram declarados na prestação de contas, localizados a partir do ajuizamento da ação de impugnação de mandato eletivo AIME n. 0600006-03.2019.6.21.0000, da relatoria do Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgada pelo TRE-RS em 15.10.2019 (DEJERS de 18.10.2019).

Na AIME, foi efetivamente demonstrado que a quantia fora repassada a Júlio Cesar Figueredo Doze pelo candidato Nereu Crispim, nos meses de setembro e outubro de 2018, por meio de depósitos efetuados a partir da conta-corrente de pessoa jurídica da empresa Carbondoor Ambiental Ltda.-EP, cujos sócios são Nereu Crispim e sua esposa, Carolina Lompa, para contas bancárias de terceiros, que seriam amigos do prestador: Anderson Shulz Torres e Alex Estevan Maggi Loidi.

A Procuradoria Regional Eleitoral juntou aos autos a defesa apresentada pelo impugnado Nereu Crispim na AIME n. 0600006-03, na qual ele justifica ter emprestado o dinheiro a partir de “seus recursos privados e fora de qualquer situação política”, porque Júlio Cesar Figueredo Doze estava “passando necessidade pessoais, sem condições de sustentar sua família e cheio de dívidas particulares, sendo que o mesmo estava desesperado pedindo a amigos e conhecidos, até mesmo dinheiro para comprar cigarros” (ID 5460383).

Ou seja, a existência do empréstimo não foi negada, carecendo nestes autos, assim como nos autos da ação impugnatória, da prova de que o candidato Júlio Cesar Figueredo Doze utilizou o valor na sua campanha eleitoral.

A Procuradoria Regional Eleitoral aponta que a quantia de R$ 10.300,00 pertencia a outro candidato, filiado ao PSL e correligionário de Júlio, com quem o prestador confeccionou propaganda eleitoral na forma de “dobradinha”, e foi recebida por meio de interpostas pessoas exatamente durante o período eleitoral.

Diz, ainda, que na AIME n. 0600006-03 foram ouvidos em juízo tanto o candidato a deputado estadual Ademar Rodrigues de Moraes quanto o prestador, os quais confirmaram ter realizado propaganda eleitoral em “dobradinha” com o candidato a deputado federal Nereu Crispim.

Durante a tramitação, o prestador não se manifestou, embora tenha sido oportunizado, por três vezes, prazo para esclarecer os fatos.

Por sua vez, foram juntadas na AIME duas declarações firmadas por Júlio Cesar Figueredo Doze em tabelionato de notas. Na primeira, realizada em 20.12.2018, o prestador reconhece o uso de valores não contabilizados na campanha. Nas outras duas, datadas de 28.12.2018 e 10.01.2019, Júlio se retrata e desmente a primeira versão, reconhecendo ter recebido a quantia, mas sustentando que o fato se tratou de empréstimo privado e particular (ID 5460433).

Ao se retratar, narrou que a primeira declaração é falsa e foi firmada sob coação, e que a retratação estaria comprovada por intermédio da nota promissória de 30.8.2018, cujo tomador é Nereu Crispim, documento que serviria de promessa de pagamento da dívida por parte do candidato (ID 5460433). Disse, também, que solicitou o recebimento do dinheiro por depósito em contas bancárias de amigos com os quais tinha dívidas, pois suas contas bancárias encontravam-se bloqueadas.

No acórdão da AIME n. 0600006-03, o nobre relator, Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, embora tenha verificado a existência de “indícios de condutas ilícitas de utilização de recursos financeiros à margem da contabilidade de campanha, ou mesmo de atividades a serem apuradas na seara criminal (art. 344 do CP e art. 350 do CE)”, também concluiu, tal como o exame técnico, ser incerta a conclusão de que os valores foram aplicados na campanha eleitoral.

Reproduzo o seguinte trecho do aresto (sem grifos no original):

Então, esse o quadro probatório, que deixa evidenciado que impugnante e impugnado eram correligionários do Partido Social Liberal (PSL) e disputaram o cargo de Deputado Federal nas eleições de 2018. Ambos fizeram “dobradinha” com o candidato a Deputado Estadual Júlio Cesar Figueiredo Doze e o impugnado realizou depósitos em nome de terceiros, mas que eram para ser repassados a Doze, no total de R$ 10.300,00.

Remanesce a dúvida se esses valores foram depositados pelo impugnado como prestação de serviços, doação de campanha ou a título de empréstimo a Doze, sendo verossímil a última possibilidade, diante do acervo documental juntado pela defesa e da coincidência do valor da nota promissória firmada e dos depósitos realizados (R$ 10.300,00).

 

Também aqui não se ignora que o candidato Sargento Doze recebeu R$ 10.300,00 do candidato Nereu Crispim por intermédio de uma pessoa jurídica, a empresa Carbondoor Ambiental Ltda-EP, da qual o parlamentar é sócio, mediante depósitos realizados em contas bancárias de terceiros (pessoas físicas).

Além disso, verificou-se que, em 10.01.2019, o prestador depositou em espécie a quantia de R$ 6.800,00 na conta bancária pessoal de Nereu Crispim, apesar de não ter quitado todas as despesas de campanha.

A Procuradoria Regional Eleitoral entende que Sargento Doze realizou esse depósito, embora estivesse em “dívida” com os fornecedores da sua campanha eleitoral, porque não podia pagar essas despesas com recursos não contabilizados, sob pena de confissão do ilícito, e defende que a nota promissória é documento unilateral produzido por pessoa com interesse em fazer prova contrária à tese do caixa 2, a partir do momento em que mudou sua versão dos fatos.

Todavia, segundo o parecer conclusivo, a tese ministerial não ampara, de modo seguro, o entendimento de que o numerário emprestado por Nereu Crispim ao prestador foi efetivamente utilizado em favor da campanha eleitoral:

No ID 2239233 foram juntados os comprovantes bancários de transferências de valores efetuados pela Carbondoor Ambiente Ltda – EP (Ag. 0296, conta-corrente 22160-9, Itaú) conforme tabela abaixo:

As contas bancárias acima foram escolhidas pelo Sargento Doze, sob o argumento de se tratavam de contas de amigos aos quais possuía dívidas, ou ainda que lhe repassariam os valores, pois suas contas bancárias estariam bloqueadas (ID 2239133 p. 4/12).

Depreende-se que o alegado empréstimo de Nereu Crispim, no valor de R$ 10.300,00, ao Sargento Doze deu-se de forma “privada”. Em 10/01/2019, o Sargento Doze efetuou depósito em espécie, de R$ 6.800,00, na conta pessoal de Nereu (ID 2239283), embora estivesse em “dívida” com os fornecedores da sua campanha eleitoral.

A consulta ao extrato eletrônico de Nereu Crispim, disponibilizado pelo TSE no site http://divulgacandcontas.tse.jus.br, permitiu averiguar que os destinatários das contas acima não são contrapartes (beneficiários de pagamentos), portanto, não são fornecedores, também não são doadores de campanha. Em razão de o prestador ter as contas bancárias zeradas, inviável qualquer checagem.

Cumpre informar que o candidato obteve 3.926 mil votos, realizando despesas financeiras que totalizam R$ 9.000,00. Todavia, com as provas carreadas aos autos, não é possível averiguar a existência de outros depósitos pela Carbondoor Ambiente Ltda – EP no período eleitoral, e, ainda, se os destinatários teriam vinculação com o prestador de contas.

A míngua de elementos a comprovar que tais recursos foram usados para a campanha do candidato, e tendo o prestador juntado acordo de assunção de dívida, não é plausível a esta unidade técnica concluir, de modo seguro, ter havido pagamentos por fora da prestação de contas.

 

Na sua prestação de contas, Júlio Cesar Figueredo Doze apresentou extratos bancários zerados (ID 4165433), declarou somente o recebimento de doações estimáveis em dinheiro, sem movimentação de recursos em espécie, e informou a existência de dívida de campanha, no valor de R$ 9.000,00, justificando as despesas e cumprindo todos os procedimentos de assunção do débito por parte do diretório estadual (ID 4165633, 1º Link), inclusive quanto ao acordo firmado com os credores (ID 4165600, 2º Link).

Portanto, apesar dos indícios apresentados pela Procuradoria Regional Eleitoral, pela prova dos autos não é possível afirmar que houve utilização de recursos não contabilizados para custeio da campanha eleitoral de Júlio Cesar Figueredo Doze.

Ressalto que a aprovação, com ou sem ressalvas, ou a desaprovação da prestação de contas do candidato não vincula o resultado da representação de que trata o art. 30-A da Lei n. 9.504/97 nem impede a apuração do abuso do poder econômico em processo apropriado, conforme expressamente prevê o § 4º do art. 99 da Resolução TSE n. 23.553/17.

Por essa razão, devido aos indícios do cometimento de ilícito de natureza eleitoral, autorizo o órgão ministerial a extrair e remeter cópia dos autos para instruir as devidas apurações.

Com essas considerações, VOTO pela aprovação das contas e autorizo a Procuradoria Regional Eleitoral a extrair cópia dos autos para apuração de eventuais ilícitos.