REl - 0600022-36.2020.6.21.0027 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo.

O prazo para interposição de recurso contra sentença proferida em representação sobre propaganda eleitoral irregular é de 1 (um) dia, nos termos do art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97, em leitura conjunta com o art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19.

Na espécie, a sentença foi comunicada à recorrente em 21.9.2020 (ID 7007083), e, antes de decorrido o prazo de 10 (dez) dias para consumação da intimação, o recurso foi apresentado - 24.9.2020 (ID 7007133).

Preenchidos os demais pressupostos, conheço do recurso.

A inicial da representação relata a existência de propaganda eleitoral antecipada em publicações na rede social Facebook.

Atendendo à determinação da juíza eleitoral, foram fornecidos os endereços específicos das postagens: https://www.facebook.com/100002197151851/posts/3174288785987662/ e https://www.facebook.com/Laviniasm/posts/3251894091560464, de forma que foi observado o disposto no art. 17, inc. III e § 2º, da Resolução TSE n. 23.608/19.

No mérito, a controvérsia está restrita à análise da ocorrência de propaganda antecipada. Colaciono excerto da decisão do juízo a quo, para fins de aclarar o conteúdo da manifestação que aqui se analisa:

[...]

Narrou o Ministério Público Eleitoral que, em 4 de agosto, a representada publicou, em seu perfil da rede social Facebook, sua apresentação como pré-candidata a vereadora, nos seguintes termos:

Quando certos desafios aparecem em nossa porta devemos aceitá-los e tirar deles o máximo que conseguimos para sermos pessoas melhores a cada dia.

Ao receber o convite para ser pré-candidata a vereadora pelo Partido Socialista Brasileiro, vi ali uma oportunidade única de crescimento e transformação dentro da nossa sociedade. Algumas decisões não são fáceis de serem tomadas e essa foi uma delas, porém, ela chegou no momento certo em que o cenário da política brasileira precisa de uma reforma.

Minha identidade diz muito sobre minha criação, criada por duas mulheres de personalidade forte fui ensinada a ser independente e lutar pelos meus objetivos, assim, ser fiel aos meus valores e crenças.

Desde sempre procurei me envolver e estar a frente de movimentos sociais de referência de nossa cidade, a família Cursilhista e a família Rotária moldaram muito do que sou até os dias de hoje. Como sempre tive a comunicação como um dom decidi cedo que o que eu queria era o Jornalismo, hoje, tenho a felicidade de ser graduanda pela Universidade Federal de Santa Maria – Campus Frederico Westphalen.

Filiada ao PSB desde o ano de 2016 sempre fui muito bem posicionada politicamente, entendo que novas propostas pelo caminho da transparência e seriedade devem ser o foco para dar continuidade deste governo honesto, de credibilidade e resultados. Como mulher, jovem e negra a palavra chave é representatividade. Quero representar e me sentir representada dentro desta democracia.

Com esta motivação, conto com todos aqueles que acreditam na força do jovem e da mulher, aqueles que enxergam na transformação um grande futuro!

<https://www.facebook.com/100002197151851/posts/3174288785987662/>

Além disso, segundo o Ministério Público Eleitoral, em publicação de 31 de agosto, a pré-candidata postou fotos de uma rua que estaria sendo nivelada por obra do município, sendo uma delas uma “selfie” com uma patrola ao fundo, acompanhadas do seguinte texto:

Através de minha solicitação e preocupação com obras e desenvolvimento para cidade de Júlio de Castilhos, no dia de hoje o Beco Santo Antônio localizado no Centro Baixo começou a ser nivelado para iniciar o processo de calçamento do mesmo. Com diálogo conseguimos junto ao executivo essa demandado Beco Santo Antônio!Agradeço ao Prefeito João Vestena II, a Vice Maria de Fátima Ferreira e ao Secretário de Obras Marciano Portela pela disponibilidade e presteza com minha solicitação!

A publicação foi, posteriormente, editada, para o seguinte texto:

Hoje uma demanda antiga dos moradores foi atendida, o Beco Santo Antônio localizado no Centro Baixo começou a ser nivelado para iniciar o processo de calçamento do mesmo.

Com diálogo conseguimos junto ao executivo essa demanda do Beco Santo Antônio!

Agradeço ao Prefeito João Vestena II, a Vice Maria De Fátima Ferreira e ao Secretário de Obras Marciano Portela pela disponibilidade ao atender uma demanda antiga da comunidade.

<https://www.facebook.com/Laviniasm/posts/3251894091560464>

Primeiramente, gizo que o tema da manifestação de pré-candidatos merece abordagem individualizada, com a análise das circunstâncias de cada caso concreto.

Dito de outra maneira, os conteúdos e o modo de veiculação trazem o contexto daquilo que se constatará regular ou irregular. Nessa linha, o Ministro Luiz Fux, relator de voto paradigmático no assunto, propõe, em obra doutrinária (Novos Paradigmas de Direito Eleitoral, São Paulo, Fórum Editora, 2016, p. 29), que as decisões se deem sem generalizações, de forma estreita (narrow) e, também, sem acordos profundos nas fundamentações (shallow).

E tal proposta tem toda razão de ser. A redação original do art. 36 da Lei n. 9.504/97 definia como propaganda antecipada qualquer publicação, divulgação ou promoção de candidatura anterior a 05 (cinco) de julho do ano da eleição, de forma que a análise se dava apenas sob o prisma temporal: veiculada antes da data inicial permitida, a propaganda era antecipada (ou extemporânea).

Posteriormente, houve flexibilização sobre a exposição dos pré-candidatos em período anterior à data de início da campanha eleitoral. A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97).

E a premissa da maior liberdade no período de pré-campanha foi bem identificada pelo Procurador Regional Eleitoral, ao exarar seu parecer: ela decorre da redução do período de campanha, que anteriormente era permitida a partir de 5 de julho do ano da eleição e que passou a ser autorizada após 15 de agosto (postergada para 27 de setembro no ano em curso, em razão da Covid-19 - EC n. 107/20).

Ou seja, trata-se exatamente de instrumento nivelador das chances dos competidores. Transcrevo trecho do parecer ministerial (ID 7010533):

Com a reducao do periodo de campanha, e natural que haja maior liberdade para a realizacao de pre-campanha, de forma que o eleitor possa melhor conhecer os futuros candidatos. Caso contrario, a reducao do periodo de campanha, com menor exposicao perante o eleitorado, somente beneficiaria os politicos que ja exercem mandatos eletivos e que, por isso mesmo, ja possuem maior visibilidade.

Ainda em relação ao art. 36-A da Lei n. 9.504/97, o Min. Luís Roberto Barroso, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060048973, assentou a nítida valorização do direito à liberdade de expressão, em que a figura do pré-candidato pode iniciar uma campanha eleitoral antes de 15 de agosto, e o entendimento do TSE tem sido de caracterizar propaganda eleitoral antecipada apenas o pedido explícito de voto (AgrRg-REspe n. 4346/SE – j. 26.6.2018 – Rel. Min. Jorge Mussi).

É certo que o pedido explícito de voto pode, ainda, ser identificado pelo uso das denominadas “palavras mágicas” (magic words) como, por exemplo, "apoiem" e "elejam", sendo que, na hipótese, o que mais se aproximaria disso seria a expressão “conto com todos”.

Contudo, tais “palavras-chave” não podem levar, sozinhas, ao juízo condenatório, pois em relação aos atos de pré-campanha, a compreensão tem sido de caracterizar como incompatível a realização de condutas que extrapolem os limites de forma e meio admitidos durante o período permitido da campanha eleitoral, sob pena de ofensa ao equilíbrio que deve haver entre os competidores (REspe n. 0600227-31/PE – j. 09.4.2019 – Rel. Min. Edson Fachin).

E o caso dos autos não é de extrapolação. Esclareço aos colegas que a manifestação da pré-candidata, que foi realizada em seu perfil pessoal do Facebook, não possui expressão econômica de gasto eleitoral (aliás, sequer indica ter sido objeto de impulsionamento) e em tudo está adequada àquela manifestação regularmente realizável pelo “candidato médio”, assim tratado pela jurisprudência paradigmática, o voto do Ministro Luiz Fux no AgRg-AI n. 924/SP - j. 26.6.2018 – Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto:

[…]

(a) o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos; (b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em ‘indiferentes eleitorais’, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada; e (c) o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja irregularidade per se; todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, impõe os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio.

Tal esquadro analítico foi utilizado também por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n. 060009124, Relator Min. Luís Roberto Barroso:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral.

2. Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa.

3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve–se observar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

4. No caso, conforme já destacado na decisão agravada, (i) a expressão "conclamando à todos [sic] uma união total por Calçoene" não traduz pedido explícito de votos, bem como (ii) o acórdão regional não traz informações sobre o número de pessoas que tiveram acesso à publicação ou sobre eventual reiteração da conduta, de modo que não há como concluir pela mácula ao princípio da igualdade de oportunidades. Ademais, o impulsionamento de publicação na rede social Facebook não é vedado no período de campanha, mas, sim, permitido na forma do art. 57–C da Lei nº 9.504/1997.

5. Na ausência de conteúdo eleitoral, ou, ainda, de pedido explícito de votos, de uso de formas proscritas durante o período oficial de propaganda e de qualquer mácula ao princípio da igualdade de oportunidades, deve–se afastar a configuração de propaganda eleitoral antecipada ilícita, nos termos do art. 36–A da Lei nº 9.504/1997.6. Agravo interno a que se nega provimento. (Agravo de Instrumento n. 060009124, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data: 05.02.2020.) (Grifo nosso).

Em resumo, a tendência do TSE é restringir os atos de pré-campanha pelo conteúdo (vedação do pedido explícito de voto e das “palavras mágicas” equivalentes) e forma (vetando atos de pré-campanha por formas proibidas de propaganda na campanha eleitoral), apontando uma postura de exame do caso concreto, dos custos da publicidade (especialmente quando a forma de pré-campanha extrapolar o limite do candidato médio).

E torna-se mister levar em consideração a evolução legislativa e jurisprudencial, inclusive em virtude dos arts. 926 e 927 do CPC, que apregoam a uniformização de jurisprudência.

Nessa linha, friso que este Tribunal (que, em eleições municipais, tem, primordialmente, a função de nivelamento das decisões de 1º grau) julgou recentemente caso um tanto semelhante: manifestação de pré-candidato na rede social Facebook. Muito embora não se tratasse de postagem direta, o pré-candidato interagiu com o eleitorado e exerceu seu direito de liberdade de expressão. Trata-se do REl n. 0600013-29, de relatoria do Des. Fed. Thompsom Flores, julgado na sessão de 08.9.2020. Transcrevo a ementa do acórdão:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. ART. 36-A, § 2ª, DA LEI DAS ELEIÇÕES. DIVULGAÇÃO DE PRÉ-CANDIDATURA E PEDIDO DE APOIO POLÍTICO. REDE SOCIAL. FACEBOOK. CONDUTA LÍCITA E PERMITIDA. REFORMA DA SENTENÇA. PROVIMENTO.

1. Prefacial. O prazo para interposição de recurso contra sentença proferida em representação sobre propaganda eleitoral irregular é de 1 (um) dia, nos termos do art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97, c/c o art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19. Ainda que interposta fora do prazo, a irresignação deve ser conhecida, de modo a evitar prejuízo à parte, cujo patrono foi induzido em erro pelo prazo assinalado pelo juízo eleitoral.

2. Insurgência contra decisão de piso que jugou procedente a representação por propaganda extemporânea, ao entendimento de que restou caracterizada a captação de votos de forma antecipada, ferindo a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

3. A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97). O motivo dessa maior liberdade por ocasião da pré-campanha decorreu da redução do período de campanha propriamente dita, anteriormente permitida a partir de 5 de julho do ano da eleição e que passou a ser após o dia 15 de agosto. Excepcionalmente, neste pleito de 2020, postergada para 27 de setembro em razão da pandemia relacionada à Covid-19 (EC 107/2020).

4. O § 2º do art. 36-A da Lei das Eleições autoriza o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura e das ações políticas que se pretende desenvolver, quando da divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais. Nesse sentido, e nos termos da jurisprudência do TSE, a exposição de ideias em redes sociais e todo e qualquer meio que viabilize a difusão de informações, além de ir ao encontro da norma jurídica, contribui para a informação do eleitor, permitindo a igualdade de oportunidades e atendendo ao direito de liberdade de expressão.

5. Provimento do recurso, para reformar a sentença e julgar improcedente a representação.

Tanto lá, como cá. Aqui, os dizeres da pré-candidata restringiram-se, em suma, a descrever sua trajetória política e relatar sua atuação pública.

No caso posto, portanto, a bem-lançada sentença deve ser mantida em sua integralidade, uma vez que as manifestações impugnadas não feriram (1) a igualdade de oportunidades e (2) o exercício do direito de liberdade de expressão, nos termos da jurisprudência do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ANTECIPADA. ART. 36-A DA LEI 9.504/97. FACEBOOK. FOTOS COM O NÚMERO E SIGLA DO PARTIDO. DIVULGAÇÃO. PRÉ-CANDIDATURA. POSSIBILIDADE. PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTO. AUSÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior firmada para as Eleições 2016, a configuração de propaganda eleitoral extemporânea - art. 36-A da Lei 9.504/97 - pressupõe pedido explícito de votos.

2. No caso dos autos, mera divulgação de fotos em rede social de pessoas junto ao pré-candidato, "portando cartazes com o número e a sigla do partido por meio do qual viria a se candidatar" (fls. 157-158), configura apenas divulgação de pré-candidatura, o que é admitido pela norma de regência e encontra amparo no vigente entendimento do Tribunal Superior Eleitoral acerca do tema.

3. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 13969, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 212, Data: 23.10.2018, p. 7). (grifo nosso)

Ora, claro está o uso de ferramenta lícita e permitida pela legislação eleitoral durante o período de campanha, cuja publicidade é de baixo (ou nenhum) custo, não sendo meio apto a extrapolar o limite de gastos do “candidato médio” ou caracterizar abuso do poder econômico.

Por fim, a alegada realização de propaganda dissimulada também não encontra amparo, sobretudo porque a aferição da regularidade da manifestação deve ser realizada a partir de dados e elementos objetivamente considerados, e não conforme intenção oculta de quem a promoveu. Precedentes: TSE, AgR–REspe 7–46/DF, Rel. Min. ADMAR GONZAGA, DJe 15.8.2017; TSE, RP n. 060114373, Acórdão, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE 21.8.2018.

Assim, sendo a conduta da recorrida lícita, a improcedência da representação é corolário lógico-jurídico, de forma que nenhum reparo deve ser feito à decisão a quo.

 

Ante o exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso.