REl - 0600091-13.2020.6.21.0110 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo, ao contrário do alegado pelos recorridos.

O prazo para interposição de recurso contra sentença proferida em representação sobre propaganda eleitoral irregular é de 1 (um) dia, nos termos do art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97, em leitura conjunta com o art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19.

Na espécie, a sentença foi comunicada em 03.9.2020 (ID 6925433, 6925483 e 6925533), e o recurso foi apresentado em 05.9.2020 (ID 6742233). Indico, até mesmo pelas alegações dos recorridos, que, por se tratar de processo sob o trâmite do Processo Judicial Eletrônico, há que se considerar o prazo de 10 (dez) dias para consumação da intimação, a contar do ato de comunicação no sistema (art. 55, inc. I, da Resolução TRE-RS n. 338/19).

Preenchidos os demais pressupostos recursais, conheço do recurso.

Preliminar. Ilegitimidade do MDB DE TRAMANDAÍ.

O MDB de Tramandaí alega sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda. Argumenta, em resumo, que: 

Em que pese a tentativa do recorrente em justificar as publicações de Abdalla em razão de “provável” aproximação das eleições e apoio ao MDB -item 15, linha 02/04-, o mesmo não se sustenta, visto que como mencionado na própria exordial, reiterado em razões de recurso, as criticas de Abdalla datam de 2017, como já referido.

Não houve qualquer mencão ao MDB nas falas do recorrido Abdalla, não houve pedido de voto para o MDB, não houve qualquer interferência do MDB para publicação dos vídeos no Facebook.

Em nenhum momento o recorrido Abdalla pediu voto ao MDB, ou afirmou seu apoio a este Partido.

 

Com razão.

Muito embora, em tese, agremiações ou coligações possam, de fato, estar presentes no polo passivo de representações pela prática de propaganda irregular, quer como praticantes, quer como beneficiárias, tais circunstâncias não ocorrem no caso sob exame.

Nessa linha, gizo que as alegações de que SALEH ASAD beneficiam este ou aquele partido não vieram acompanhadas da demonstração de vínculo, qualquer que seja, do recorrido com o MDB – não há menção benéfica ao partido, não há manifestação partidária. Se as críticas tecidas pelo primeiro recorrido podem vir a favorecer o MDB de Tramandaí, trata-se de mera conjectura. Ademais, as pretensas provas (fotos de SALEH ASAD com integrantes do MDB de Tramandaí), convenhamos, não podem ser determinantes para a presença da grei partidária no presente feito.

Dessa forma, o MDB de TRAMANDAÍ deve ser excluído do polo passivo da presente demanda, até mesmo porque a sanção, na hipótese de procedência da ação, deve atingir exclusivamente o responsável pela veiculação da peça irregular (Rp n. 662-67, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 11.11.2014).

No mérito, as razões de recurso do PROGRESSISTAS de TRAMANDAÍ reúnem, em um só apanhado, alegações relativas (1) à prática de propaganda antecipada (ou extemporânea); (2) à ocorrência de ofensa à imagem ou à honra de candidato e, ainda, (3) à propagação de desinformação.

Ademais, caros colegas, impõe-se ressaltar que, desde a petição inicial, se nota a indicação de circunstâncias pessoais pretensamente desabonadoras, especialmente contra o recorrido SALEH ASAD (DR. ABADALLA), relativas à sua biografia profissional ou ao modo de se relacionar com gestões municipais antecessoras.

Ocorre que, convém deixar claro, para os lindes do exercício da Justiça Eleitoral, tais elementos não importam: serão analisados o tempo, o modo e o conteúdo das postagens tidas pelo partido recorrente como ilícitas. 

E tão só. 

A ressalva é feita porque as (caudalosas) razões, especialmente aquelas vertidas nas razões de recurso, expõem nítida rixa de cunho político entre as partes – repito, cuja subjetividade não interessa à Justiça Eleitoral, sendo importante apenas que os competidores eleitorais comportem-se conforme as normas de regência. Para que se tenha apenas uma noção, as críticas e discussões ocorrem desde o ano de 2017, fato incontroverso.

Com tais recortes é que a irresignação será analisada. Senão, vejamos.

Trata-se, em resumo, de uma série de vídeos originalmente feitos por SALEH ASAD e por ele compartilhados no aplicativo de mensagens Whatsapp que, posteriormente, foram postados por terceiros na rede social Facebook. Como adiante será possível aferir, SALEH ASAD manifesta-se relativamente à atual gestão do município de Tramandaí e ao atual ocupante do cargo de prefeito, candidato à reeleição pelo partido recorrente.

Aproveito a acurada e exauriente análise do d. Procurador Regional Eleitoral, no que toca aos conteúdos controversos:

Com efeito, no primeiro video anexado a inicial (ID 6923183), o representado ABDALLA critica as medidas adotadas pela Administracao Municipal para prevenir e combater o Covid-19, em especial a contratacao da empresa JN ESTRUTURAS EIRELI, responsavel pela locacao de estantes e de uma estrutura em aluminio, a qual foi montada em frente a UPA 24h de Tramandai e que se encontra totalmente abandonada. 

Em relacao a critica contida no primeiro video, o partido representante, ora recorrente, anexou a inicial 3 (tres) videos/respostas (ID's 6923233, 6923283, 6923383), em que afirma que a estrutura fora montada considerando a previsao de necessidade futura de leitos para o combate a pandemia, sendo que nao houve necessidade de sua utilizacao. 

Assim, a nao utilizacao da estrutura e confirmada pela Administracao Municipal, que, contudo, justifica nao com a falta de planejamento ou incompetencia na gestao dos recursos, mas sim em virtude do ritmo de evolucao da pandemia. 

[...]

Ja nos videos contidos nos ID's 6923583 e 6923633, o representado ABDALLA veicula mensagens acerca de uma denuncia feita pela Administracao Municipal na Policia Civil, Ministerio Publico e CREMERS, para proibi-lo de exercer trabalho voluntario de medicina junto a comunidade de Tramandai. No video, ABDALLA assevera que e medico e por isso pode prestar atendimentos a populacao de forma gratuita, especialmente a mais carente, repudiando veementemente a denuncia.

Por sua vez, as criticas feitas pelo representado ABDALLA acerca do estado em que se encontra os Postos de Saude/Unidades de Saude localizados em Tramandai nos bairros Sao Franciso 1 (video 3.1 – ID 6923733), Litoral (video 3.2 – ID 6923733), Barra (video 3.3 – ID 6923783), Sao Francisco 2, que, segundo o representado, foi por ele inaugurado quando era Secretario Municipal de Saude, mas que se encontra fechado (3.4 – ID 6923833), e Parque dos Presidentes (3.5 – ID 6923883), nao foram respondidas pelo partido recorrente.

No video contido no ID 6923933, o representado ABDALLA informa as pessoas que residem no bairro Sao Francisco 2 e proximidades e que possuem receitas medicas de tratamento continuo/controladas, podem deixa-las na “Lancheria do Colorado”, ao lado do Posto, pois serao por eles trocadas, para nao precisarem ficar nas filas e correr o risco de contaminacao.

No video contido no ID 6923983 (5), o representado ABDALLA discursa sobre a coligacao entre o MDB e outro partido politico, sem, contudo, fazer qualquer mencao ao nome do atual prefeito e candidato a reeleicao pelo partido representante.

No video contido no ID 6924033 (5.1), o representado ABDALLA critica o fato de a obra da construcao da UPA 24h ter iniciado na Administracao Municipal anterior e ter ficado parada durante os tres anos e meio seguintes, salientando que, faltando seis meses para as eleicoes, o atual prefeito resoluveu inagurar a aludida obra.

Igualmente, nao restou demonstrado pelo recorrente que o video em questao traz mensagem inveridica. 

No video contido no ID 6924083 (5.2), o representado ABDALLA afirma que, em 2012, o entao Prefeito RAPAKI prometeu a construcao de mais uma Unidade de Saude da Familia.

No ID 6924133, foram anexadas 4 (quatro) fotos, em que aparecem o representado ABDALLA e novos filiados ao MDB, com a seguinte mensagem:

MAIS UMA FILIADA CHEGOU A NOSSA FAMILIA!

Finalmente, no video acostado com o ID 6923383, o representado ABDALLA afirma que a Administracao Municipal teria cortado os exames nas clinicas de Tramandai (ecografia, mamografia, exames laboratoriais, fisioterapia).

Em relacao a esta ultima postagem, o representante na inicial e no recurso afirma que se trata de fato inveridico, para tanto faz referencia a resposta dada pelo Secretario Municipal de Saude, acostada com a inicial. 

 

À análise.

1. Primeiramente, gizo que o tema da manifestação de pré-candidatos merece o exame das circunstâncias de cada caso concreto. Nessa linha, o Ministro Luiz Fux propõe, em obra doutrinária (Novos Paradigmas de Direito Eleitoral, São Paulo, Fórum Editora, 2016, p. 29), que as decisões se deem sem generalizações, em forma estreita (narrow) e, também, sem acordos profundos nas fundamentações (shallow).

E tal proposta tem razão de ser. A redação original do art. 36 da Lei n. 9.504/97 definia como propaganda antecipada qualquer publicação, divulgação ou promoção de candidatura anterior a 05 (cinco) de julho do ano da eleição, de forma que a análise se dava apenas sob o prisma temporal: veiculada antes da data permitida, a propaganda era antecipada (ou extemporânea).

Posteriormente, houve flexibilização. A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97).

Ainda em relação ao art. 36-A da Lei n. 9.504/97, o Min. Luís Roberto Barroso, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060048973, assentou a nítida valorização do direito à liberdade de expressão.

Em suma, a compreensão tem sido caracterizar como incompatível a realização de condutas que extrapolem os limites de forma e meio consentidos durante o período permitido da campanha eleitoral, sob pena de ofensa ao equilíbrio que deve haver entre os competidores (REspe n. 0600227-31/PE – j. 09.4.2019 – Rel. Min. Edson Fachin).

Ou seja, ao menos no que diz respeito ao tempo da manifestação, não há irregularidade.

Sigo, doravante, com a análise acerca das alegações de ocorrência de ofensa à honra ou à imagem de candidato, partido ou coligação.

2. Para as eleições do ano de 2020, alinhada à previsão do art. 57-D, § 3º, da Lei n. 9.504/97, a Resolução TSE n. 23.610/19 prevê, em seu art. 22, inc. X, que “[...] não será tolerada propaganda, respondendo o infrator pelo emprego de processo de propaganda vedada e, se for o caso, pelo abuso de poder (Código Eleitoral, arts. 222, 237 e 243, I a IX; Lei n. 5.700/1971; e Lei Complementar n. 64/1990, art. 22): [...] X - que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, bem como atingir órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública”.

E a jurisprudência construiu posicionamento claro: críticas, ainda que duras, mas relativas a atos ou omissões administrativas, são típicas da competição eleitoral, não constituindo ofensa direta à honra do representante o debate acerca de fatos de interesse público e a discussão sobre as ações políticas dos concorrentes ao pleito.

Nessa toada, as repercussões do debate eleitoral, sob diversas perspectivas, são essenciais à construção da vontade informada do eleitor, não cabendo o cerceamento da liberdade de expressão, sob pena de vulneração do próprio ambiente democrático:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. INTERNET. NÃO CONFIGURAÇÃO. MULTA AFASTADA. DESPROVIMENTO. 1. Conforme declinado no decisum ora agravado, não há elementos descritos na moldura fática do voto condutor do acórdão regional que possam caracterizar extrapolação do direito à liberdade de expressão e pensamento. 2. Consoante já decidiu esta Corte, "não tendo sido identificada nenhuma ofensa à honra de terceiros, falsidade, utilização de recursos financeiros, públicos ou privados, interferência de órgãos estatais ou de pessoas jurídicas e, sobretudo, não estando caracterizado ato ostensivo de propaganda eleitoral, a livre manifestação do pensamento não pode ser limitada" (REspe nº 29-49/RJ, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 25.8.2014). 3. No conteúdo da mensagem impugnada, transcrita na íntegra no acórdão recorrido, não há ofensa propriamente dita, mas sim críticas políticas, ainda que incisivas e desabonadoras, as quais são insuficientes para a configuração da propaganda eleitoral antecipada negativa. 4. As críticas a adversários políticos, mesmo que veementes, fazem parte do jogo democrático, de modo que a intervenção da Justiça Eleitoral somente deve ocorrer quando há ofensa à honra ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos. 5. Não há no agravo regimental argumento que se sobreponha aos fundamentos lançados na decisão impugnada. 6. Agravo regimental desprovido.

(TSE - RESPE: 00000405120166180053 COCAL - PI, Relator: Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Data de Julgamento: 14.11.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 07.12.2017.) (Grifei.)

 

Na espécie, friso que sequer de longe resta evidenciada a aptidão desonrosa, difamatória ou injuriante das mensagens. O partido recorrente não logrou esclarecer de que modo as falas dariam ensejo à ofensa ou à desonra, e deveria estar mais calejado relativamente aos termos dos embates políticos, ônus que lhe incumbia.

Ora, tanto os vídeos do recorrido SALEH ASAD fomentaram o debate no município, que a situação levou o Secretário de Saúde daquele município a fazer uso das redes sociais para se manifestar relativamente a questões orçamentárias (ID 6923483):

“[...] porque nesse mês de agosto, como houve um decréscimo de receita, nós estamos priorizando aqueles exames de maior urgência, de maior necessidade, e aqueles pacientes que não podem sofrer solução de continuidade, que não podem deixar de ser atendidos, nós nunca negamos, nunca dissemos que iríamos parar de autorizar exames, vamos seguir sim, autorizando os exames, mas neste momento vamos autorizar aqueles que são mais necessários, porque nós não podemos extrapolar uma cota de planejamento que nós temos para o ano todo [...]”.

 

Do quadro fático, é possível depreender que as manifestações em análise pretenderam confrontar o atual panorama de gestão pública municipal, sendo que as razões de recurso não consubstanciam mais que alegações.

3. Ainda, o recorrente sustenta ter ocorrido a disseminação de notícia falsa, ou de desinformação. 

Conforme já asseverado, o ônus de demonstrar a falsidade caberia ao representante, ora recorrente, pois o TSE entende, há muito, que “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias” (RP n. 367.516/DF, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, publicado em sessão, 26.10.2010), e que “o fato sabidamente inverídico [...] é aquele que não demanda investigação, ou seja, deve ser perceptível de plano” (RP n. 143175/DF, Rel. Min. Admar Gonzaga Neto, PSESS de 02.10.2014), o que, como mencionado, não se verifica no caso em exame.

Dito de outro modo, o que a jurisprudência espelha é que a liberdade de expressão, art. 5º, inc. IV, da CF, é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e que seus limites devem ser entendidos de forma estrita.  

A título de desfecho, friso que, certamente, nas campanhas eleitorais, o confronto de ideias admite pontos de vista divergentes e espaço para diversas interpretações acerca dos fatos de interesse social. Tal espaço permite o comparativo de opiniões, críticas e a construção de ideias, sendo viabilizada ao eleitor a livre formação de sua convicção.

Portanto, cabe àquele que se sentir atingido, ou que discordar das afirmações, usar de seu espaço na campanha eleitoral para rebatê-las.

Assim, deve ser mantida a decisão de mérito da sentença, pelos seus próprios fundamentos.

 

Ante o exposto, VOTO pelo reconhecimento da ilegitimidade passiva do MDB de TRAMANDAÍ e, no mérito, pelo DESPROVIMENTO do recurso do PROGRESSISTAS de TRAMANDAÍ.