MSCiv - 0600329-71.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2020 às 14:00

VOTO

Sr. Presidente, demais colegas: inicio o presente voto trazendo questão prefacial, pois o presente mandado de segurança foi impetrado por comissões provisórias municipais, então em funcionamento, de Erechim e Passo Fundo.

Ocorre que há questões paralelas, notadamente veiculadas nos autos de outros mandados de segurança:

(1) o MSCiv n. 0600350-47.2020.6.21.0000, igualmente de minha relatoria, em que Márcio Roginski, na condição de Presidente da Comissão Provisória do PSL de Erechim, invocou a concessão de segurança contra ato de dissolução daquele ente local, realizado pela Comissão Provisória do PSL do Rio Grande do Sul em 31.8.2020;

(2) o MSCiv n. 0600344-40.2020.6.21.0000, de relatoria do Des. El. Rafael da Cás Maffini, no qual a Comissão Provisória Municipal do Partido Social Liberal – PSL de Passo Fundo requer a prorrogação do prazo de validade do respectivo funcionamento;

O d. Procurador Regional Eleitoral entende que, nestes autos, deve ser declarado também nulo aquele ato de dissolução do PSL de Erechim – e igualmente assim se manifesta nos autos do MSCiv n. 0600350-47.2020.6.21.0000.

Contudo, e com a devida vênia, não vislumbro relação jurídica entre as questões. Dessarte, muito embora se possa cogitar – como feito pelo Ministério Público Eleitoral – que o ato de dissolução da Comissão Provisória de Erechim tenha sido praticado com o fito de desobedecer a liminar aqui concedida, na verdade não há prova de tal alegação (teria ocorrido uma espécie de "desvio de finalidade") – e, portanto, não há caracterização de direito líquido e certo, a par de que qualquer manifestação, aqui, sobre o objeto daquele processo, desbordaria dos termos da segurança pleiteada pelos próprios impetrantes.

Dito de outro modo, é bem verdade que houve algum efeito relacionado, no mundo dos fatos, entre as situações; contudo, as circunstâncias fáticas não possuem identidade jurídica, de modo que hão de ser tratadas conforme as respectivas normas de regência, as quais, embora todas dispostas no Estatuto do PSL, são diversas.

Dessa forma, não haverá manifestação, nestes autos, relativamente aos fatos e argumentos jurídicos abrangidos pelo MSCiv 0600350-47.2020.6.21.0000, pois não guardam conexão com o ato aqui inquinado como ilegal, nomeadamente, a edição da Resolução n. 001/20 do PSL do Rio Grande do Sul.

Uma segunda questão preambular diz, exatamente, com o questionamento de que, em se tratando de comissões provisórias dissolvidas ou com o prazo de funcionamento já encerrado, persistiria, nesta ação mandamental, a necessidade de análise de fundo da causa, e não apenas a constatação de perda do objeto da demanda.

Entendo, quer pelo imperativo de valorização da segurança jurídica, quer pela ótica de análise dos fatos ao tempo em que ocorridos, que há a necessidade de análise do mérito, até porque os impetrantes requerem a anulação da Resolução PSL n. 001/20, com o restabelecimento dos efeitos jurídicos a ela anteriores.

Explico.

A impetração, aqui, ocorreu em época de plena existência, validade e eficácia das Comissões Provisórias Municipais de Erechim e de Passo Fundo. Dessa forma, todo e qualquer ato praticado naquela quadra merece a manifestação do Poder Judiciário sob o prisma do fundo da causa, pacificando-se, assim, as pretensões relativas à Resolução n. 001/20 do PSL do Rio Grande do Sul.

Ademais, o pontual ato contra o qual aquelas comissões provisórias locais insurgiram-se, a Resolução n. 001/20 do PSL, teve a eficácia suspensa por decisão liminar nos presentes autos, de forma que se impõe revisita a tal mérito: o (precário) direito líquido e certo foi obtido devido especificamente à impetração, e não por ato espontâneo da autoridade coatora.

Com tais considerações, trago o exame de mérito do presente writ.

Passo, então, a colacionar a decisão monocraticamente exarada, cuja fundamentação expressamente adoto como razão de decidir, quer para que seja evitada tautologia, quer para que seja submetida ao exame deste r. Plenário:

[...]

1. De início, gizo haver competência da Justiça Eleitoral para o julgamento do presente mandado de segurança. Conforme o Tribunal Superior Eleitoral, eventual colisão de interesses entre ente regional e ente municipal de agremiação partidária há de ser analisada pela Justiça Eleitoral, quando a base fática possa ter “reflexos na competição eleitoral, notadamente o registro de coligação e seu respectivo candidato a prefeito” (v.g.: MS n. 0601453-16, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 29.9.2016; AgR-REspe n. 31.913, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 12.11.2008; Ed-AgR-Respe n. 23.913, Rel. Min. Gilmar Mendes, 26.10.2004).

2. Ou seja, matéria nitidamente interna corporis, que receberia tratamento perante a Justiça Comum, tem a análise atraída para esta Especializada mediante a ocorrência de requisito específico. No caso sob exame, claro está que os fatos narrados pelas impetrantes podem gerar efeitos nas eleições dos municípios de Erechim e de Passo Fundo, ainda que em tese.

3. No que diz respeito à viabilidade de impetração de mandado de segurança contra ato de dirigente partidário, a Lei n. 12.016/2009, em seu art. 1º, § 1º, equiparou a autoridades, forma expressa, “[...] os representantes ou órgãos de partidos políticos [...]”, de modo que aqui também o presente remédio constitucional se afigura cabível, quando hipoteticamente considerado.

4. Note-se que, mesmo que os partidos políticos sejam pessoas jurídicas de direito privado (art. 44, inc. V, do Código Civil, c/c art. 1º da Lei n. 9.096/95), há comando legal expresso para que se considere como autoridade coatora (de momento, por hipótese) o Presidente do PSL do Rio Grande do Sul – nessa linha, decisão do TRE/RJ para as presentes eleições – MS n. 0600143-05, Rel. Des. El. Guilherme Couto de Castro, j. em 04.6.2020.

5. Ademais, fixada a competência da Justiça Eleitoral, e admitida a possibilidade de que o representante de órgão partidário seja considerado autoridade coatora, o Tribunal Superior Eleitoral também tem entendido que incumbe aos Tribunais Eleitorais, e não ao juízos de primeiro grau, a competência para o julgamento de ato oriundo de órgãos estaduais das agremiações – MS n. 0601038-62, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. em 16.9.2018.

6. Com suporte nas premissas apresentadas, passo a analisar o pedido de concessão de segurança em caráter liminar.

7. Para o caso sob exame, o molde legal de funcionamento partidário é encontrado no art. 7º da Lei n. 9.504/97, e o seu caput tem redação no sentido de que “as normas para a escolha e substituição dos candidatos e para a formação de coligações serão estabelecidas no estatuto do partido, observadas as disposições desta Lei”. (Grifei.)

8. Contudo, o comando de reserva estatutária permite exceção, a qual vem estampada no § 1º do art. 7º da Lei n. 9.504/97: “Em caso de omissão do estatuto, caberá ao órgão de direção nacional do partido estabelecer as normas a que se refere este artigo, publicando-as no Diário Oficial da União até cento e oitenta dias antes das eleições”.

9. E o que as impetrantes demonstram, repito, ao menos de forma superficial: que as limitações indicadas, inclusive com a previsão de destituição das comissões municipais, emanaram unicamente do ente estadual, via Presidente do PSL do Rio Grande do Sul, em 03.8.2020.

10. Ou seja: diretrizes não previstas no estatuto nacional do PSL, não emanadas do Diretório Nacional do partido, e produzidas a menos de 180 (cento e oitenta) dias das eleições de 2020.

11. Em suma, a Resolução n. 001/2020 do PSL gaúcho parece se tratar de normativo desobediente às normas de regência. Note-se que, para as eleições de 2020, o caput art. 3º da Resolução TSE n. 23.609/2019 reprisa os comandos constitucionais e legais, e assegura autonomia aos partidos políticos para a adoção de critérios de coligações, sem vinculação entre os âmbitos nacional, estadual, distrital ou municipal. Além disso o paragrafo único do mesmo dispositivo deixa claro: uma vez omisso o estatuto, caberia ao órgão de direção nacional o estabelecimento de orientações, desde que publicado no Diário Oficial da União em até 180 (cento e oitenta) dias da eleição.

12. Ou seja, nas presentes circunstâncias, demonstradas suficientemente as nuances de ilegalidade do ato praticado pela autoridade coatora, o Presidente do PSL do Rio Grande do Sul.

13. Sob outro aspecto, o de urgência da medida, a necessidade de concessão exsurge da data aprazada, na Resolução n. 001/2020 do PSL, para a entrega das informações: o dia 20.8.2020, ou seja, daqui a dois dias, o que é emblemático para caracterizar o periculum in mora.

14. A título de desfecho, ressalto: embora seja nítido que desentendimentos entre os diretórios ocorram motivados por desalinhamentos relativos a apoios políticos locais, há quadro probatório pujante no sentido de que o ato atacado pode estar ferindo direito líquido e certo das impetrantes, até mesmo porque, da leitura do Estatuto do PSL, igualmente não se vislumbra a legitimidade do órgão estadual para a ingerência que está a pretender.

 

Não vejo razões para modificar o entendimento, ao contrário: note-se que a ausência de prestação de informações pela autoridade tida como coatora, situação devidamente certificada nos autos (ID 6799583), dificulta em muito a análise das circunstâncias sob perspectiva diversa daquela já exarada em âmbito liminar.

Flagrante está, outrossim – e nesse ponto há convergência com a posição adotada pela Procuradoria Regional Eleitoral -, que a Comissão Provisória Estadual do PSL exorbitou de suas prerrogativas ao editar a Resolução n. 001/20 e exigir, das comissões provisórias municipais, comportamentos não previstos estatutariamente, uma vez que, conforme asseverado pelo d. Procurador Regional Eleitoral, “não há previsão estatutária acerca da necessidade de que os órgãos partidários municipais submetam os seus candidatos e as coligações formadas no âmbito das eleições municipais à prévia autorização do órgão partidário estadual”.

 

Diante do exposto, VOTO no sentido de confirmar a liminar e conceder em definitivo a segurança, para declarar nula a Resolução n. 001/20 da COMISSÃO PROVISÓRIA ESTADUAL DO PSL DO RIO GRANDE DO SUL.