REl - 0600017-41.2020.6.21.0018 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/10/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo. Preenchidos os demais pressupostos recursais, passo ao exame de mérito.

No mérito, a controvérsia está restrita à análise da existência de propaganda antecipada. Consta que o recorrente, atual vereador na cidade de Dom Pedrito/RS, publicou “santinhos” em seu perfil na rede social Facebook, com o fim de divulgar sua pré-candidatura ao cargo de vereador naquele município. A fundamentação constante na sentença (ID 6917633) é no seguinte sentido:

[...] o representado admite manutenção da postagem em sua conta do Facebook; a foto contém o nome e número utilizado pelo candidato no último pleito de 2016 (vide http://capa.tre-rs.jus.br/eleicoes/2016/1turno/RS86290.html), o que lhe confere nítido caráter eleitoral, em especial face ao direito subjetivo de manter a numeração na eleição subsequente (art. 15, § 1º, da LF 9504/97). O fato de ter postado em 2016, quando era candidato, é irrelevante, poios o art. 101 da Res. TSE 23457/15 determinava a remoção das propagandas até 30 dias após o pleito. Portanto, está-se diante de culpa contra a legalidade, visto que viola o art. 36 da LF 9504/97 c/c art. 1º, IV, EC 107/20, o que autoriza a aplicação da multa prevista no art. 36, § 3º, da LF 9504/97, bem como a manutenção da tutela inibitória (art. 18 da Res. TSE 23.608/19) deferida liminarmente [ID 3457340].

 

Para que se possa compreender em profundidade o tema abordado, é necessário tecer algumas considerações preliminares sobre a evolução do entendimento acerca da caracterização da propaganda eleitoral antecipada.

A redação original da Lei n. 9.504/97, em seu art. 36, definia propaganda antecipada como qualquer publicação, divulgação ou promoção de candidatura anterior a 05 (cinco) de julho do ano da eleição. Alterações legislativas trouxeram um abrandamento das multas pelo descumprimento da regra (Lei n. 12.034/09) e uma flexibilização da exposição dos pré-candidatos em período anterior à data de início da campanha eleitoral (Lei n. 13.165/15).

A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidade pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97). A razão dessa maior liberdade durante a pré-campanha decorreu da redução do período de campanha, anteriormente permitida a partir de 5 de julho do ano da eleição e que passou a ser após 15 de agosto. Neste momento, excepcionalmente postergada para 27 de setembro em razão da Covid-19 (EC n. 107/20).

A respeito do tema, transcrevo o que constou no voto do Min. Edson Fachin, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060022731 (DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 123, Data: 01.7.2019):

Nas eleições anteriores a 2010, havia total proibição de propaganda eleitoral antes do dia 5 de julho (posteriormente modificado para o dia 15 de agosto), de modo que nenhuma referência à pretensão a um cargo eletivo poderia ser manifestada, à exceção da propaganda intrapartidária, com vistas à escolha em convenção.

A jurisprudência do TSE alcançava, também, a divulgação de fatos que levassem o eleitor a não votar em determinada pessoa, provável candidato, caracterizando-se o ato como propaganda eleitoral antecipada, negativa. Da mesma forma, era coibida a mensagem propagandística subliminar ou implícita que veiculasse eventual pré-candidatura, como a referência de que determinada pessoa fosse a mais bem preparada para o exercício de mandato eletivo.

A partir das eleições de 2010, porém, criou-se a figura do pré-candidato, sendo lícita a sua participação em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, desde que não houvesse pedido de votos, exigindo-se das emissoras de rádio e de televisão apenas o dever de conferir tratamento isonômico.

Nas eleições de 2014, a Lei n. 12.891/2013 ampliou a possibilidade do debate político-eleitoral, permitindo a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar de planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições. Além disso, tornou lícita a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, retirou a proibição de menção a possível candidatura, vedando apenas o pedido de votos.

Nas eleições de 2016, a pré-campanha foi consideravelmente ampliada, pois a Lei n. 13.165/2015 permitiu a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, além de diversos atos que podem ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet, com a única restrição de não haver pedido explícito de voto. Ou seja, à exceção dessa proibição, não há, atualmente, uma diferença substancial para os atos de propaganda antes e depois do chamado “período eleitoral” que se inicia com as convenções dos partidos políticos.

 

No pertinente à redação do texto do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, o Min. Luís Roberto Barroso, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060048973, assentou que, ao longo do tempo, houve uma inequívoca valorização do direito à liberdade de expressão, onde a figura do pré-candidato pode iniciar uma campanha eleitoral antes de 15 de agosto, desde que não realize pedido explícito de voto.

Diante da dicção legal, o entendimento do TSE tem sido de caracterizar propaganda eleitoral antecipada apenas a hipótese de pedido explícito de voto (AgrRg-REspe n. 4346/SE – j. 26.6.2018 – Rel. Min. Jorge Mussi).

E o pedido explícito de voto pode ser identificado pelo uso de determinadas “palavras mágicas” (magic words), como, por exemplo, "apoiem" e "elejam", que nos levem a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória (AgRg-REspe n. 2931/RJ – j. 30.10.2018 - Rel. Min. Luís Roberto Barroso).

Em relação aos atos de pré-campanha, a compreensão tem sido de caracterizar como incompatível a realização de condutas que extrapolem os limites de forma e meio permitidos durante o período regular da campanha eleitoral, sob pena de ofensa ao equilíbrio que deve haver entre os competidores (REspe n. 0600227-31/PE – j. 09.4.2019 – Rel. Min. Edson Fachin).

Ainda, são utilizados os critérios estabelecidos no voto do Ministro Luiz Fux (AgRg-AI n. 924/SP - j. 26.6.2018 – Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto):

[…]

(a) o pedido explícito de votos, entendido em termosestritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos; (b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em ‘indiferentes eleitorais’, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada; e (c) o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja irregularidade per se; todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, impõe os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio.

 

Esses parâmetros foram explicitados, igualmente, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n. 060009124, relator Min. Luís Roberto Barroso:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral.

2. Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa.

3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve–se observar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

4. No caso, conforme já destacado na decisão agravada, (i) a expressão "conclamando à todos [sic] uma união total por Calçoene" não traduz pedido explícito de votos, bem como (ii) o acórdão regional não traz informações sobre o número de pessoas que tiveram acesso à publicação ou sobre eventual reiteração da conduta, de modo que não há como concluir pela mácula ao princípio da igualdade de oportunidades. Ademais, o impulsionamento de publicação na rede social Facebook não é vedado no período de campanha, mas, sim, permitido na forma do art. 57–C da Lei nº 9.504/1997.

5. Na ausência de conteúdo eleitoral, ou, ainda, de pedido explícito de votos, de uso de formas proscritas durante o período oficial de propaganda e de qualquer mácula ao princípio da igualdade de oportunidades, deve–se afastar a configuração de propaganda eleitoral antecipada ilícita, nos termos do art. 36–A da Lei nº 9.504/1997.6. Agravo interno a que se nega provimento. (Agravo de Instrumento nº 060009124, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data: 05.02.2020) (grifo nosso).

 

Em resumo, a tendência do TSE é restringir os atos de pré-campanha por limites de conteúdo (vedação do pedido explícito de voto e das “palavras mágicas” equivalentes) e forma (vetando atos de pré-campanha por formas proibidas de propaganda na campanha eleitoral), apontando uma postura de exame do caso concreto, dos custos da publicidade (especialmente quando o ato de pré-campanha extrapolar o limite do candidato médio).

E, para a análise do caso concreto e dos demais que envolverão o pleito de 2020, mister levar em consideração a evolução legislativa e jurisprudencial, inclusive em virtude dos arts. 926 e 927 do CPC, que apregoam a uniformização da jurisprudência.

Postas essas notas introdutórias, passo a analisar a hipótese fática.

Conforme se constata nos autos, em especial nos prints juntados com a peça exordial, não houve pedido explícito de voto em momento algum. Não restou demonstrado, em nenhuma das provas colacionadas, que o representado tenha buscado vantagem eleitoral, tratando-se de postagens do ano de 2016, que perduram em sua rede social, sem pedido explícito de voto.

Sobre o tema, há julgado da relatoria do Des. Eleitoral Gustavo Alberto Gastal Diefenthäler, de 21 de setembro de 2020:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. REDE SOCIAL. FACEBOOK. ART. 36-A DA LEI N. 9.504/97. NÃO CONFIGURADA. IMPROCEDENTE. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que julgou procedente representação por propaganda eleitoral antecipada, em razão de veiculação, na rede social Facebook, de foto, dizeres e indicação de pré-candidatura ao cargo de vereadora. Concessão de medida liminar determinando a retirada, da rede mundial de computadores, do conteúdo veiculado.

2. A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97). A premissa da maior liberdade aos pré-candidatos decorre da redução do período de campanha eleitoral, anteriormente permitida a partir de 5 de julho do ano da eleição e, posteriormente, após 15 de agosto (postergada para 27 de setembro no ano em curso, em razão da COVID-19 - EC n. 107/20). Trata-se, exatamente, de instrumento nivelador das chances dos competidores.

3. Segundo o entendimento do TSE, caracteriza propaganda eleitoral antecipada apenas o pedido explícito de voto, que pode também ser identificado pelo uso das denominadas “palavras mágicas” (magic words). A tendência é restringir os atos de pré-campanha pelo conteúdo (vedação do pedido explícito de voto e das “palavras mágicas” equivalentes) e forma (vetando atos praticados por formas proibidas de propaganda na campanha eleitoral), apontando uma postura de exame do caso concreto e dos custos da publicidade (especialmente quando a forma de pré-campanha extrapolar o limite do candidato médio).

4. Entretanto, o caso dos autos não é de extrapolação, uma vez que a manifestação da pré-candidata foi realizada em seu perfil pessoal do Facebook, não possui expressão econômica de gasto eleitoral, sequer indica ter sido objeto de impulsionamento e, em tudo, está adequada àquela manifestação regularmente realizável pelo “candidato médio”. Considerada lícita a conduta, deve ser revogada a liminar que vedou a veiculação do conteúdo da postagem.

5. Provimento do recurso, para julgar improcedente a representação. (RECURSO ELEITORAL n. 0600024-80.2020.6.21.0164)

 

O fato de a postagem ter ocorrido em setembro de 2016 e o possível descumprimento do art. 101 da Resolução TSE n. 23.457/15 (remoção da propaganda em 30 dias) constituem matéria diversa ao objeto desta representação, que mereceria apuração específica. Para este caso concreto, todavia, é irrelevante.

Outra questão que merece relevo é a licitude do meio utilizado (postagem em perfil próprio de Facebook), ou seja, uso de ferramenta lícita e permitida pela legislação eleitoral durante o período de campanha, cuja publicidade é de baixo custo, não sendo meio apto a extrapolar o limite de gastos do “candidato médio” ou caracterizar abuso do poder econômico.

Ainda mais evidente a licitude da conduta do representado quando observado o fato de que não houve, em momento algum, pedido explícito de voto. Assim, sendo a conduta do recorrido lícita e permitida, a improcedência da representação é corolário lógico-jurídico.

Ante o exposto, VOTO pelo PROVIMENTO do recurso, para o fim de reformar a sentença e julgar improcedente a representação.