REl - 0600020-93.2020.6.21.0018 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/09/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo.

No mérito, a controvérsia está restrita à análise da existência de propaganda antecipada nos fatos versados na petição inicial. Consta que o recorrido promoveu um curso online e gratuito, com foco em concursos públicos, por intermédio da criação de grupo na rede social Facebook, em 01.7.2020. A alegação do recorrente é no sentido de que, ante a proximidade das eleições, haveria intenção de o representado angariar votos, e que as aulas gratuitas consubstanciam brindes cuja distribuição está proibida, conforme os termos do art. 39, § 6º, da Lei n. 9.504/97.

Para que se possa compreender em profundidade o tema abordado, é necessário tecer algumas considerações preliminares sobre a evolução do entendimento acerca da caracterização da propaganda eleitoral antecipada.

A redação original da Lei n. 9.504/97, em seu art. 36, definia propaganda antecipada como qualquer publicação, divulgação ou promoção de candidatura anterior a 05 (cinco) de julho do ano da eleição. Alterações legislativas trouxeram um abrandamento das multas pelo descumprimento da regra (Lei n. 12.034/09) e uma flexibilização sobre a exposição dos pré-candidatos em período anterior à data de início da campanha eleitoral (Lei n. 13.165/15).

A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidade pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97). A razão dessa maior liberdade decorreu da redução do período de campanha, anteriormente permitida a partir de 5 de julho do ano da eleição e que passou a ser após 15 de agosto. Atualmente, excepcionalmente postergada para 27 de setembro, em razão da Covid-19 (EC n. 107/20).

A respeito do tema, transcrevo o que constou no voto do Min. Edson Fachin, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060022731 (DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 123, Data: 01.7.2019):

Nas eleições anteriores a 2010, havia total proibição de propaganda eleitoral antes do dia 5 de julho (posteriormente modificado para o dia 15 de agosto), de modo que nenhuma referência à pretensão a um cargo eletivo poderia ser manifestada, à exceção da propaganda intrapartidária, com vistas à escolha em convenção.

A jurisprudência do TSE alcançava, também, a divulgação de fatos que levassem o eleitor a não votar em determinada pessoa, provável candidato, caracterizando-se o ato como propaganda eleitoral antecipada, negativa. Da mesma forma, era coibida a mensagem propagandística subliminar ou implícita que veiculasse eventual pré-candidatura, como a referência de que determinada pessoa fosse a mais bem preparada para o exercício de mandato eletivo.

A partir das eleições de 2010, porém, criou-se a figura do pré-candidato, sendo lícita a sua participação em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, desde que não houvesse pedido de votos, exigindo-se das emissoras de rádio e de televisão apenas o dever de conferir tratamento isonômico.

Nas eleições de 2014, a Lei n. 12.891/2013 ampliou a possibilidade do debate político-eleitoral, permitindo a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar de planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições. Além disso, tornou lícita a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, retirou a proibição de menção a possível candidatura, vedando apenas o pedido de votos.

Nas eleições de 2016, a pré-campanha foi consideravelmente ampliada, pois a Lei n. 13.165/2015 permitiu a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, além de diversos atos que podem ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet, com a única restrição de não haver pedido explícito de voto. Ou seja, à exceção dessa proibição, não há, atualmente, uma diferença substancial para os atos de propaganda antes e depois do chamado “período eleitoral” que se inicia com as convenções dos partidos políticos.

 

Quanto à redação do texto do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, o Min. Luís Roberto Barroso, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060048973, assentou que, ao longo do tempo, houve uma inequívoca valorização do direito à liberdade de expressão, onde a figura do pré-candidato pode iniciar uma campanha eleitoral antes de 15 de agosto, desde que não realize pedido explícito de voto.

Diante da dicção legal, o entendimento do TSE tem sido de caracterizar como propaganda eleitoral antecipada apenas a hipótese de pedido explícito de voto (AgrRg-REspe n. 4346/SE – j. 26.6.2018 – Rel. Min. Jorge Mussi).

E o pedido explícito de voto, igualmente, pode ser identificado pelo uso de determinadas “palavras mágicas” (magic words) como, por exemplo, "elejam", que nos levem a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória (AgRg-REspe n. 2931/RJ – j. 30.10.2018 - Rel. Min. Luís Roberto Barroso).

Em relação aos atos de pré-campanha, a compreensão tem sido de caracterizar como incompatível a realização de condutas que extrapolem os limites de forma e meio autorizados durante o período permitido da campanha eleitoral, sob pena de ofensa ao equilíbrio que deve haver entre os competidores (REspe n. 0600227-31/PE – j. 09.4.2019 – Rel. Min. Edson Fachin).

Ainda, são utilizados os critérios estabelecidos no voto do Ministro Luiz Fux (AgRg-AI n. 924/SP - j. 26.6.2018 – Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto):

[…]

(a) o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos; (b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em ‘indiferentes eleitorais’, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada; e (c) o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja irregularidade per se; todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, impõe os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio.


 

Esses parâmetros foram explicitados por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n. 060009124, relator Min. Luís Roberto Barroso:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral.

2. Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa.

3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve–se observar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

4. No caso, conforme já destacado na decisão agravada, (i) a expressão "conclamando à todos [sic] uma união total por Calçoene" não traduz pedido explícito de votos, bem como (ii) o acórdão regional não traz informações sobre o número de pessoas que tiveram acesso à publicação ou sobre eventual reiteração da conduta, de modo que não há como concluir pela mácula ao princípio da igualdade de oportunidades. Ademais, o impulsionamento de publicação na rede social Facebook não é vedado no período de campanha, mas, sim, permitido na forma do art. 57–C da Lei nº 9.504/1997.

5. Na ausência de conteúdo eleitoral, ou, ainda, de pedido explícito de votos, de uso de formas proscritas durante o período oficial de propaganda e de qualquer mácula ao princípio da igualdade de oportunidades, deve–se afastar a configuração de propaganda eleitoral antecipada ilícita, nos termos do art. 36–A da Lei nº 9.504/1997.6. Agravo interno a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento n. 060009124, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data: 05.02.2020.) (Grifo nosso)

 

Em resumo, a tendência do TSE é restringir os atos de pré-campanha por limites de conteúdo (vedação do pedido explícito de voto e das “palavras mágicas” equivalentes) e forma (vetando atos de pré-campanha por formas proibidas de propaganda na campanha eleitoral), apontando uma postura de exame do caso concreto, dos custos da publicidade (especialmente quando a forma de pré-campanha extrapolar o limite do candidato médio).

E, para a análise do caso concreto e dos demais que envolverão o pleito de 2020, mister levar em consideração a evolução legislativa e jurisprudencial, inclusive em virtude dos arts. 926 e 927 do CPC, que apregoam a uniformização de jurisprudência.

Postas essas notas introdutórias, passo a analisar a hipótese fática.

O primeiro parâmetro para aferição seria a presença de conteúdo eleitoral por ocasião dessas aulas gratuitas.

Nenhuma das provas colacionadas demonstra ter havido pedido explícito de votos pelo recorrido, muito menos qualquer das condutas permitidas pelo art. 36-A da Lei das Eleições (exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo, etc.).

Nessa linha de intelecção, não havendo conteúdo eleitoral, verifica-se o que a jurisprudência tem denominado de “indiferente eleitoral”, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada. Cuida-se de mero exercício profissional.

Assim, não há reparos a serem feitos na sentença, que assim se manifestou (ID 6783033):

[…]

o representado reconhece que é o titular do grupo "Legislação para Concurso", ao passo que o MPE informa que "a remoção do grupo já foi atingida pelo ato voluntário do representado", do que decorre perda de objeto do pedido mandamental. Outrossim, dos prints juntados não se extrai pedido de voto, promoção de pré-candidatura, exibição de fotos com numeração eleitoral, etc, o que mitiga a suposição de se tratar de propaganda antecipada, segundo a definição legal do art. 36-A da LE 9504/97. Com efeito, o exercício de atividade docente particular, em grupo fechado, não é objeto de interdição pela legislação eleitoral, podendo ser livremente exercida. Ora, permissa venia, se o advogado não está impedido de militar, o médico de clinicar e o pastor de pregar, intuitivo que o mestre também poderá lecionar! Também não há prova escorreita da espúria intenção de cooptar eleitorado, pois o representado há anos exerceria tal atividade de modo gratuito, com o elevado móvel de difundir educação aos mais necessitados, sendo que as restrições sanitárias a princípio justificam a migração para plataforma virtual apenas no ano de 2020, pandemia que até adiou a própria eleição. Veja-se que a atividade intelectual é livre, respaldada e incentivada pela Constituição Federal (art. 5º, IX e XIII), devendo o demandante provar o abuso do exercício desse direito para justificar a intervenção desta Justiça Especializada, o que não ocorreu no caso dos autos, sob pena de violar o princípio constitucional da legalidade, segundo o qual ninguém será obrigado a (...) deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5, II, da CF).

 

O exercício da docência, atividade intelectual em essência, não está condicionado a determinado padrão ou situação jurídica que estabeleça restrições. Qualquer pessoa que se sinta habilitada e que entenda ser capaz de compartilhar conteúdo tem autonomia para o desenvolvimento dessa atividade, de forma remunerada ou não. Ademais, é de notório conhecimento que diversos profissionais (advogados, médicos, contadores, arquitetos, etc.) se dedicam à docência como forma de respaldar e qualificar sua atuação profissional, muitas vezes de modo gratuito.

Outra questão que merece relevo é a licitude do meio utilizado (grupo fechado em rede social – Facebook), ou seja, uso de ferramenta lícita e permitida pela legislação eleitoral durante o período de campanha, cuja publicidade é de baixo custo, não sendo meio apto a extrapolar o limite de gastos do “candidato médio” ou a caracterizar abuso do poder econômico.

Ainda mais evidente a licitude da conduta do representado quando observado o fato de que não houve, em momento algum, pedido explícito de voto. Assim, sendo a conduta do recorrido lícita e permitida, a improcedência da representação deve ser mantida.

Ante o exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso, para manter a sentença de primeiro grau.