REl - 0600024-80.2020.6.21.0164 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/09/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo. 

O prazo para interposição de recurso contra sentença proferida em representação sobre propaganda eleitoral irregular é de 1 (um) dia, nos termos do art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97, em leitura conjunta com o art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19.

Na espécie, a sentença foi comunicada à recorrente em 26.8.2020 (ID 6742083 e ID 6742133), e o recurso foi apresentado no dia seguinte, 27.8.2020 (ID 6742233).

Preenchidos os demais pressupostos recursais, conheço do recurso.

No mérito, a controvérsia está restrita à análise da existência de propaganda antecipada. Colaciono a decisão do juízo a quo, ao entender pela prática de irregularidade:

[...]

Trata-se de texto escrito e a decisão passa por sua leitura e interpretação. 

Divergem as partes sobre a ocorrência, ou não, de pedido explícito de votos.

Textualmente, a postagem assevera: ¨Vamos construir JUNTOS uma Pelotas melhor? Conto com o teu apoio! Mabel Pré-candidata à Vereadora¨. 

Indesmentivelmente, a representada, com a postagem e o compartilhamento em rede social de vulto, lançou sua pré-candidatura à vereadora, sem especificar partido político, e fez um nítido pedido de voto, mais do que mero apoio.

O ¨Conto com o teu apoio!¨ só pode ser visto como ¨preciso do teu voto ou, só poderei construir uma cidade melhor, com o teu sufrágio. 

Diversamente seria se a representada, usando a rede social, expusesse um projeto de melhoria da cidade e, ao final, dissesse, tão-somente, que cogitava de buscar candidatura em partido político local. 

Nítida, portanto, a violação ao disposto nos arts. 36 e 57-A, da Lei nº 9.504/97; nos arts. 2º e 27, da Resolução nº 23.610/19, do Egrégio TSE; e no art. 1ª, § 1ª, IV, da Emenda Constitucional nº 107/2020. 

Isto posto, JULGO PROCEDENTE a representação e CONDENO a representada à multa, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil Reais), consoante regra do art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/97.

Primeiramente, gizo que o tema da manifestação de pré-candidatos merece abordagem individualizada, com a análise das circunstâncias de cada caso concreto. 

Dito de outra maneira, os conteúdos e o modo de veiculação trazem o contexto daquilo que se constatará regular ou irregular. Nessa linha, o Ministro Luiz Fux, relator de voto paradigmático no assunto, propõe, em obra doutrinária (Novos Paradigmas de Direito Eleitoral, São Paulo, Fórum Editora, 2016, p. 29), que as decisões se deem sem generalizações, de forma estreita (narrow) e, também, sem acordos profundos nas fundamentações (shallow).

E tal proposta tem toda razão de ser. Note-se a evolução legislativa.

A redação original do art. 36 da Lei n. 9.504/97 definia como propaganda antecipada qualquer publicação, divulgação ou promoção de candidatura anterior a 05 (cinco) de julho do ano da eleição, de forma que a análise se dava apenas sob o prisma temporal: veiculada antes da data inicial permitida, a propaganda era antecipada (ou extemporânea). 

Posteriormente, flexibilizou-se a exposição dos pré-candidatos em período anterior à data de início da campanha eleitoral. A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97). 

E a premissa da maior liberdade durante a pré-campanha foi bem identificada pelo Procurador Regional Eleitoral, ao exarar seu parecer: ela decorre da redução do período de campanha eleitoral, que anteriormente era permitida a partir de 5 de julho do ano da eleição e passou a ser após 15 de agosto (postergada para 27 de setembro no ano em curso, em razão da COVID-19 - EC n. 107/20).

Ou seja, trata-se exatamente de instrumento nivelador das chances dos competidores. Transcrevo trecho do parecer ministerial:

Com a redução do período de campanha, e natural que haja maior liberdade para a realização de pré-campanha, de forma que o eleitor possa melhor conhecer os futuros candidatos. Caso contrario, a redução do período de campanha, com menor exposição perante o eleitorado, somente beneficiaria os políticos que já exercem mandatos eletivos e que, por isso mesmo, já possuem maior visibilidade.

Ainda, em relação ao art. 36-A da Lei n. 9.504/97, o Min. Luís Roberto Barroso, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060048973, assentou a nítida valorização do direito à liberdade de expressão, em que a figura do pré-candidato pode iniciar uma campanha eleitoral antes de 15 de agosto, e o entendimento do TSE tem sido de caracterizar propaganda eleitoral antecipada apenas o explícito pedido de voto (AgrRg-REspe n. 4346/SE – j. 26.6.2018 – Rel. Min. Jorge Mussi).

É certo que o pedido explícito de voto pode, ainda, ser identificado pelo uso das denominadas “palavras mágicas” (magic words) como, por exemplo, "apoiem" e "elejam". Parece esse ter sido o fundamento central da sentença ora recorrida.

Contudo, tais “palavras-chave” não podem levar, sozinhas, ao juízo condenatório, pois em relação aos atos de pré-campanha, a compreensão tem sido de caracterizar como incompatível a realização de condutas que extrapolem os limites de forma e meio admitidos durante o período permitido da campanha eleitoral, sob pena de ofensa ao equilíbrio que deve haver entre os competidores (REspe n. 0600227-31/PE – j. 09.4.2019 – Rel. Min. Edson Fachin).

E o caso dos autos não é de extrapolação. Convido os colegas a visualizarem o print da manifestação da pré-candidata, disponível no ID 674113: foi realizado em seu perfil pessoal do Facebook, não possui expressão econômica de gasto eleitoral (aliás, sequer indica ter sido objeto de impulsionamento) e, em tudo, está adequado àquela manifestação regularmente realizável pelo “candidato médio”, assim tratado pela jurisprudência paradigmática, o voto do Min. Luiz Fux no AgRg-AI n. 924/SP - j. 26.6.2018 – Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto: 

[…]

(a) o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos; (b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em ‘indiferentes eleitorais’, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada; e (c) o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja irregularidade per se; todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, impõe os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio.

Tal esquadro analítico foi utilizado também por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n. 060009124, relator Min. Luís Roberto Barroso:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral. 

2. Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa.

3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve–se observar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

4. No caso, conforme já destacado na decisão agravada, (i) a expressão "conclamando à todos [sic] uma união total por Calçoene" não traduz pedido explícito de votos, bem como (ii) o acórdão regional não traz informações sobre o número de pessoas que tiveram acesso à publicação ou sobre eventual reiteração da conduta, de modo que não há como concluir pela mácula ao princípio da igualdade de oportunidades. Ademais, o impulsionamento de publicação na rede social Facebook não é vedado no período de campanha, mas, sim, permitido na forma do art. 57–C da Lei nº 9.504/1997.

5. Na ausência de conteúdo eleitoral, ou, ainda, de pedido explícito de votos, de uso de formas proscritas durante o período oficial de propaganda e de qualquer mácula ao princípio da igualdade de oportunidades, deve–se afastar a configuração de propaganda eleitoral antecipada ilícita, nos termos do art. 36–A da Lei nº 9.504/1997.6. Agravo interno a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento n. 060009124, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data: 05.02.2020.) (grifo nosso)

Em resumo, a tendência do TSE é restringir os atos de pré-campanha pelo conteúdo (vedação do pedido explícito de voto e das “palavras mágicas” equivalentes) e forma (vetando atos de pré-campanha por formas proibidas de propaganda na campanha eleitoral), apontando uma postura de exame do caso concreto, dos custos da publicidade (especialmente quando a forma de pré-campanha extrapolar o limite do candidato médio).

E torna-se mister levar em consideração a evolução legislativa e jurisprudencial, inclusive em virtude dos arts. 926 e 927 do CPC, que apregoam a uniformização de jurisprudência.

Nessa linha, friso que este Tribunal (que, em eleições municipais, tem, primordialmente, a função de nivelamento das decisões de 1º grau) julgou recentemente caso um tanto semelhante: manifestação de pré-candidato na rede social Facebook. Muito embora não se tratasse de postagem direta, o pré-candidato interagiu com o eleitorado e exerceu seu direito de liberdade de expressão. Trata-se do REl n. 0600013-29, de relatoria do Des. Federal Thompson Flores, julgado na sessão de 08.9.2020. Transcrevo a ementa do acórdão:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. ART. 36-A, § 2ª, DA LEI DAS ELEIÇÕES. DIVULGAÇÃO DE PRÉ-CANDIDATURA E PEDIDO DE APOIO POLÍTICO. REDE SOCIAL. FACEBOOK. CONDUTA LÍCITA E PERMITIDA. REFORMA DA SENTENÇA. PROVIMENTO.

1. Prefacial. O prazo para interposição de recurso contra sentença proferida em representação sobre propaganda eleitoral irregular é de 1 (um) dia, nos termos do art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97, c/c o art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19. Ainda que interposta fora do prazo, a irresignação deve ser conhecida, de modo a evitar prejuízo à parte, cujo patrono foi induzido em erro pelo prazo assinalado pelo juízo eleitoral.

2. Insurgência contra decisão de piso que jugou procedente a representação por propaganda extemporânea, ao entendimento de que restou caracterizada a captação de votos de forma antecipada, ferindo a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

3. A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97). O motivo dessa maior liberdade por ocasião da pré-campanha decorreu da redução do período de campanha propriamente dita, anteriormente permitida a partir de 5 de julho do ano da eleição e que passou a ser após o dia 15 de agosto. Excepcionalmente, neste pleito de 2020, postergada para 27 de setembro em razão da pandemia relacionada à Covid-19 (EC 107/2020).

4. O § 2º do art. 36-A da Lei das Eleições autoriza o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura e das ações políticas que se pretende desenvolver, quando da divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais. Nesse sentido, e nos termos da jurisprudência do TSE, a exposição de ideias em redes sociais e todo e qualquer meio que viabilize a difusão de informações, além de ir ao encontro da norma jurídica, contribui para a informação do eleitor, permitindo a igualdade de oportunidades e atendendo ao direito de liberdade de expressão.

5. Provimento do recurso, para reformar a sentença e julgar improcedente a representação.

Tanto lá, como cá. Aqui, os dizeres da pré-candidata restringiram-se, em suma, a pedir apoio para construir, junto com seus contatos no Facebook, uma Pelotas melhor.

No caso posto, portanto, os bem colocados argumentos de recurso têm razão ao clamar pela reforma da sentença para (1) a viabilização da igualdade de oportunidades e (2) o atendimento ao exercício do direito de liberdade de expressão, nos termos da jurisprudência do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ANTECIPADA. ART. 36-A DA LEI 9.504/97. FACEBOOK. FOTOS COM O NÚMERO E SIGLA DO PARTIDO. DIVULGAÇÃO. PRÉ-CANDIDATURA. POSSIBILIDADE. PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTO. AUSÊNCIA. DESPROVIMENTO. 

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior firmada para as Eleições 2016, a configuração de propaganda eleitoral extemporânea - art. 36-A da Lei 9.504/97 - pressupõe pedido explícito de votos.

2. No caso dos autos, mera divulgação de fotos em rede social de pessoas junto ao pré-candidato, "portando cartazes com o número e a sigla do partido por meio do qual viria a se candidatar" (fls. 157-158), configura apenas divulgação de pré-candidatura, o que é admitido pela norma de regência e encontra amparo no vigente entendimento do Tribunal Superior Eleitoral acerca do tema.

3. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 13969, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 212, Data: 23.10.2018, p. 7.) (grifo nosso)

Ora, resta claro o uso de ferramenta lícita e permitida pela legislação eleitoral durante o período de campanha, cuja publicidade é de baixo (ou nenhum) custo, não sendo meio apto a extrapolar o limite de gastos do “candidato médio” ou caracterizar abuso do poder econômico. 

Assim, sendo a conduta da recorrente lícita, a improcedência da representação é corolário lógico-jurídico e conduz à consequente revogação da liminar concedida ao Ministério Público Eleitoral, na qual se vedou à Cátia Mabel a veiculação do conteúdo da postagem.

Ante o exposto, VOTO pelo PROVIMENTO do recurso, para reformar a sentença e julgar improcedente a representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral.