REl - 0600057-76.2020.6.21.0162 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/09/2020 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, de forma que comporta conhecimento.

Inicialmente, anoto que, apesar de o recorrente mencionar na inicial e em seu recurso que, para a regularização de pendência, apresentou prestação de contas das eleições municipais do ano de 2016 (PCE n. 0600001-77.2019.6.21.0162) – que afirma ter sido homologada, ficou consignada na sentença a “inscrição eleitoral na situação 'Cancelado', desde a data de 17.05.2017, em razão de AUSÊNCIA ÀS URNAS NOS TRÊS ÚLTIMOS PLEITOS”, sem qualquer apontamento de restrição ocasionada por omissão ou desaprovação de contas de campanha.

Registro, ainda, que, na informação de ID 6641683, assim constou:

o eleitor LEANDRO DOS SANTOS, filho de RAUL DOS SANTOS e SOLANGE MARIA DOS SANTOS, nascido aos 07/07/1993, é titular da inscrição n. 109471560434, da 162ª Zona Eleitoral/RS, em situação “Cancelado”, desde a data de 17/05/2017, em razão de AUSÊNCIA ÀS URNAS NOS TRÊS ÚLTIMOS PLEITOS (pleitos de 05/10/2014, 15/10/2014 e 27/10/2014).

Informo, ainda que há um registro de “irregularidade na prestação de contas” na 02/10/2016, visto que o eleitor foi candidato a vereador nas eleições municipais de 2016 e não havia apresentado a prestação de contas eleitorais, todavia, esse registro foi inativado na data de 21/01/2020 pela APRESENTAÇÃO DE CONTAS.

Por fim, informo que a Certidão Circunstanciada emitida (ID 2559166) atesta que a pessoa procurou a Justiça Eleitoral para regularizar a situação fora do prazo, visto que o cadastro eleitoral fechou em 06/05/2020, mas não habilita o cidadão com inscrição eleitoral CANCELADA a votar. A regularização da inscrição cancelada pela ausência a três eleições consecutivas ocorrerá por meio de operação RAE-Requerimento de Alistamento Eleitoral – revisão ou transferência –, conforme a hipótese, efetuada a quitação prévia dos débitos ou sua dispensa, quando da abertura do cadastro eleitoral, conforme estabelece a Resolução nº 21.538, de 14 de outubro de 2003.

Embora tanto na informação quanto na sentença tenha sido assinalado que a ausência é relativa aos pleitos de 05.10.2014, 15.10.2014 e 27.10.2014, verifico a existência de mero erro material neste ponto, o qual se corrige, por tratar-se de informação de caráter público – data de realização das eleições –, para que conste que os pleitos se referem aos dias 05.10.2014, 26.10.2014 e 02.10.2016.

Assim, a controvérsia cinge-se estritamente à situação do eleitor diante da obrigação de exercício do voto e de eventual obstáculo existente para regularização desta pendência.

Pois bem.

O recorrente declarou-se pré-candidato, de forma que cumpre recordar que o interessado em disputar as eleições deve estar atento às condições de elegibilidade previstas no § 3º do art. 14 da Constituição Federal, em especial ao pleno exercício dos direitos políticos.

A doutrina assim define tal condição:

Os direitos políticos ou cívicos denotam a capacidade de votar e ser votado, significando a prerrogativa de participar direta ou indiretamente do governo, da organização e do funcionamento do Estado. São adquiridos com o alistamento eleitoral.

A perda e a suspensão desses direitos, nos termos do artigo 15 da Constituição, influenciam na elegibilidade, que igualmente ficará perdida ou suspensa conforme o caso.

Para que o cidadão esteja no pleno (i.e., total, integral) gozo dos direitos políticos, é mister que cumpra todas as obrigações político-eleitorais exigidas pelo ordenamento jurídico. Essa situação é certificada pela Justiça Eleitoral, que expede uma certidão de quitação eleitoral. Se a certidão for negativa, significa que o cidadão não estará no pleno gozo dos direitos políticos – o que lhe impede de exercer sua cidadania passiva e, portanto, registrar sua candidatura.

Os limites de tal certidão são estabelecidos no artigo 11, § 7º (introduzido pela Lei nº 12.034/2009), da LE, que reza:

“certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.”

(GOMES, José Jairo. Direito eleitoral – 14. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018 edição eletrônica.)

Na hipótese, o recorrente deixou de cumprir suas obrigações político-eleitorais – exercício do voto, questão sobre a qual não repousa qualquer debate, de forma que é de se analisar a legitimidade da justificativa de existência de obstáculos para a regularização da inscrição.

Constou na sentença que:

O requerente LEANDRO DOS SANTOS, titular da inscrição n. 109471560434, da 162ª Zona Eleitoral/RS, está com a sua inscrição eleitoral na situação “Cancelado”, desde a data de 17/05/2017, em razão de AUSÊNCIA ÀS URNAS NOS TRÊS ÚLTIMOS PLEITOS (pleitos de 05/10/2014, 15/10/2014 e 27/10/2014).

O artigo 91 da Lei nº 9.504/97, suspende o alistamento, revisão e transferência de domicílio eleitoral dentro dos 150 dias anteriores ao pleito até a conclusão dos trabalhos de apuração, desta sorte, o requerente deveria ter efetuado a regularização da sua inscrição até a data do fechamento do cadastro eleitoral, qual seja, dia 6 de maio de 2020. Após essa data, as operações de alistamento (primeiro título), transferência e regularização da situação eleitoral só poderão ser realizadas após o segundo turno das eleições de 2020.

Até lá, para o eleitor com o título cancelado, que necessite de uma certidão da Justiça Eleitoral será emitida uma Certidão Circunstanciada Eleitoral. Com o documento, o cidadão poderá resolver pendências como emissão de passaporte ou matrícula em instituição de ensino pública, dentre outras.

A certidão circunstanciada também é utilizada para certificar a impossibilidade de o interessado regularizar sua situação perante a Justiça Eleitoral durante os 150 dias que antecedem a eleição, fornecendo a quitação até a reabertura do cadastro Eleitoral, desde que preenchidos os requisitos legais.

A obtenção da certidão circunstanciada eleitoral, no caso do eleitor com o título cancelado, como no caso do presente processo, não o habilita a votar ou ser votado, sendo necessário a regularização, após as eleições para a regularização total de sua situação.

Enquanto o cadastro de eleitores permanece fechado, os cidadãos com pendências junto à Justiça Eleitoral podem exercer os direitos (como tirar ou renovar passaporte, obter empréstimos em instituições bancárias, tomar posse em cargo público, receber benefícios sociais, se matricular em escolas e faculdades, tirar CPF e outras situações) apresentando a certidão circunstanciada, que é fornecida pelos cartórios eleitorais.

Devido à quarentena decretada pela pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a permitir que eleitores possam tirar o título de eleitor, regularizar a situação eleitoral e até mesmo mudar a zona de votação via Internet, pela plataforma “Título Net” .

Esta medida foi tomada para evitar que as pessoas precisassem sair de suas casas para regularizar o título de eleitor, evitando aglomerações e longas filas nos cartórios, como corriqueiramente acontecia em época de fechamento de cadastro eleitoral.

Estas atividades foram amplamente divulgadas, tanto pela Justiça Eleitoral quanto pela mídia local e nacional, conforme consta na foto juntada pelo próprio requerente que estava fixada junto à porta do cartório eleitoral desta cidade.

Por fim, consigno que não cabe ao juiz eleitoral flexibilizar os prazos disciplinados pela Lei nº 9.504/97, que suspende o alistamento, revisão e transferência de domicílio eleitoral dentro dos 150 dias anteriores ao pleito até a conclusão dos trabalhos de apuração, prazo este não observado no caso dos autos, impondo-se o indeferimento do pedido, pois a determinação ao contrário preveria a reabertura do cadastro nacional de eleitores.

Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de regularização da inscrição eleitoral 109471560434 de LEANDRO DOS SANTOS, para o fim torná-lo elegível para as eleições municipais do corrente ano.

Veja-se: a inscrição eleitoral está cancelada desde 17 de maio de 2017.

Como se sabe, as restrições sanitárias decorrentes da pandemia da COVID-19 iniciaram em março de 2020.

O recorrente poderia regularizar sua inscrição desde 2017, de forma presencial irrestrita. O requerente não votou também nas eleições 2018, ocasião em que, se tivesse tentado exercer o sufrágio, se depararia com a ausência de seu nome na relação de eleitores.

Quanto à limitação ao atendimento presencial na Justiça Eleitoral em decorrência da pandemia, tal não se confunde com impossibilidade, havendo previsão expressa no art. 3º da Resolução TRE-RS n. 341/20 acerca do atendimento ao público nos cartórios eleitorais, conforme segue:

Art. 3º O atendimento ao público nos Cartórios Eleitorais se dará prioritariamente por telefone e e-mail institucional, divulgados em cartaz afixado na fachada do respectivo Cartório e na página do Tribunal na internet.

Parágrafo único. Havendo situação que possa ensejar perecimento de direito perante a Justiça Eleitoral ou outros órgãos, caberá ao Juiz Eleitoral a análise da excepcionalidade do pedido, podendo determinar, se for o caso, o atendimento presencial do eleitor no Cartório, com hora marcada.

Portanto, o requerente tinha plenas condições de verificar a situação de sua inscrição, seja por meio eletrônico, seja mediante atendimento, via telefone ou com hora marcada, no cartório eleitoral.

Aliás, como bem pontuou o ilustre Procurador Regional Eleitoral em seu parecer,

mesmo que o referido sistema fornecido pela Justiça Eleitoral eventualmente apresentasse inconstâncias no seu funcionamento, situação que, além de não confirmada nem certificada nos autos, também se afigura improvável se considerado o longo período (superior a 1 mês) entre as restrições de atendimento e o término do prazo; ainda assim o requerente poderia, dentro do prazo, expor tal situação ao juízo eleitoral, a fim de que fosse determinado seu atendimento presencial no Cartório com hora marcada.

Anoto que a mensagem de e-mail enviada para o Cartório Eleitoral, na véspera do fechamento do cadastro, com a indagação "como procedo para regularizar esse caso", sequer foi enviada pelo interessado, e sim por Natiele Fassbinder Konzen (natielefassbinder@gmail.com) (ID 6441483), de sorte que não se verifica iniciativa do próprio requerente em regularizar sua situação ou comprovação, nos autos, de que terceiro estivesse atuando em seu nome.

Da referida mensagem, da qual não se vislumbra todo contexto, seria possível depreender que a remetente estaria questionando a prestação de contas, e não a regularização da inscrição eleitoral.

Assim, não está comprovado que o recorrente tenha tempestivamente procurado atendimento ou que tenha sido impedido de garantir sua quitação eleitoral por ausência de prestação dos serviços da Justiça Eleitoral.

Portanto, deve ser mantida, na íntegra, a sentença.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.

É como voto, Senhor Presidente.