RC - 193 - Sessão: 15/09/2020 às 14:00

Com as mais respeitosas vênias ao douto relator, estou divergindo para acolher a preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, a fim de determinar o retorno dos autos à origem a fim de que se proceda à intimação do réu quanto à sentença condenatória, nos termos do art. 392, incs. II e VI, do CPP.

Inicialmente, registro a existência de importante posicionamento pela imprescindibilidade da intimação pessoal do réu solto sobre o conteúdo da sentença condenatória em processo penal, independente da intimação do advogado, constituído ou nomeado, em atenção aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, incs. LIV e LV, da Constituição Federal), que devem prevalecer sobre as disposições formais previstas no art. 392, inc. II, do CPP.

Nessa senda, está a doutrina de Eugênio Paccelli de Oliveira (Curso de Processo Penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 817), consoante a qual “o princípio constitucional da ampla defesa exige a intimação pessoal do acusado em qualquer hipótese, com o que estaria revogado o previsto no inciso II, que permite a intimação por intermédio do defensor”.

Trago tal posicionamento somente para enfatizar o relevo dos princípios constitucionais envolvidos na temática, pois, comungando da linha predominante nas Cortes superiores e sobejamente referenciada no voto do ilustre Des. Eleitoral Gustavo Diefenthäler, entendo que, em se tratando de réu solto, é dispensável a sua intimação pessoal quando assistido por procurador constituído e regularmente intimado, nos exatos termos do art. 392, inc. II, do CPP.

Contudo, este entendimento não se aplica ao defensor dativo.

Com efeito, dispõe o art. 392, inc. II, do CPP que se fará a intimação da sentença “ao réu, pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, quando se livrar solto, ou, sendo afiançável a infração, tiver prestado fiança”.

O mencionado artigo, em seu inciso VI, preceitua, ainda, que a intimação da sentença ocorrerá “mediante edital, se o réu, não tendo constituído defensor, não for encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça”.

Do texto da aludida norma, resta evidente a intenção do legislador de estabelecer a distinção entre os casos em que o réu solto constitui advogado de sua escolha e confiança (inc. II) daqueles em que lhe é nomeado defensor dativo (inc. VI).

Portanto, há a obrigatoriedade de intimação pessoal do réu acerca da sentença condenatória quando a defesa é patrocinada por defensor nomeado, não sendo cabível a equiparação desse último com o advogado constituído, uma vez que a dicção do CPP é explícita quanto a tal diferenciação.

A questão é elucidada pela doutrina de Norberto Avena (Processo Penal. 10. ed. São Paulo: Método, 2018, p. 1163):

Já quanto ao réu solto, se assistido por advogado constituído, bastará a intimação deste último. Se, por outro lado, estiver sendo patrocinado por defensor público ou dativo, aí sim será preciso, tal como ocorre em relação ao preso, a sua intimação pessoal ou, se não localizado, por edital com prazo de 90 dias se for o caso de condenação a pena igual ou superior a um ano de prisão, e de 60 dias se for o caso de condenação a outra pena (art. 392, § 1.º, do CPP).

Na mesma linha, Guilherme Nucci (Código de Processo Penal Comentado. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 1352-3) anota que:

(...) sistematicamente, observa-se que também o réu solto, tendo defensor dativo, deve ser intimado pessoalmente da sentença condenatória, em qualquer hipótese. O inciso VI deste artigo menciona ser expedido edital de intimação ao réu que, não tendo sido localizado, não possuir defesa constituída. Logo, é preciso ter sido procurado para a intimação ou não teria sentido o disposto no referido inciso VI. Além disso, as hipóteses em que se pode intimar a defesa constituída, sem intimar o acusado, dizem respeito a crimes dos quais se livra solto ou afiançáveis (inciso II). Outra situação peculiar é o caso do réu foragido, também com defensor constituído. Enfim, o réu com defensor dativo será sempre intimado pessoalmente. Com defensor constituído, deve sê-lo, se estiver preso, ou tratando-se de crime inafiançável.

Na jurisprudência, sobressai o seguinte precedente do STF:

INTIMAÇÃO - ACÓRDÃO CONDENATÓRIO - DUPLICIDADE - DEFENSOR DATIVO E RÉU - AUSÊNCIA DE CUSTÓDIA. Ainda que se trate de réu em liberdade, atuando defensor dativo, incumbe a dupla intimação pessoal - do defensor e do réu. Concretude maior do disposto nos artigos 261, 263 e 392 do Código de Processo Penal, no que consagram o direito de defesa.

(STF - RHC: 86318 MG, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 06.12.2005, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 07.04.2006 PP-00038 EMENT VOL-02228-02 PP-00310 LEXSTF v. 28, n. 329, 2006, p. 439-443.) (Grifei.)

Refletindo idêntico posicionamento, o seguinte julgado do STJ:

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ORDINÁRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. DESACATO. CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA SENTENÇA, PESSOALMENTE OU POR EDITAL. DEFENSOR DATIVO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. NÃO CONHECIMENTO. ORDEM DE OFÍCIO.

1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário.

2. Nos termos do art. 392, inciso VI, do Código de Processo Penal, se o réu não for localizado e não tiver defensor constituído, deverá ser intimado da sentença via edital. Embora se admita a intimação apenas do defensor constituído, no caso de réu solto, tal compreensão não se aplica ao defensor público ou dativo.

3. In casu, o paciente não estava preso. Ele foi intimado para comparecer à audiência de instrução e julgamento, mas não o fez. Foi então, decretada sua revelia, nomeado defensor dativo e proferida sentença condenatória. Ocorre que, prolatado o decreto condenatório, o paciente não foi procurado para ser intimado pessoalmente da sentença, apesar de constar dos autos seu endereço, tampouco foi intimado por edital. Embora tenha tomado conhecimento de que seria realizada a audiência, é certo que também era exigível que fosse cientificado do seu resultado, vale dizer, um decreto condenatório. Não é possível admitir que a ciência do advogado plantonista, nomeado por ocasião da audiência de instrução e julgamento, e que sequer recorreu, supra a intimação do réu.

4. Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício para anular o processo a partir da sentença condenatória, a fim de que o paciente seja intimado da condenação, pessoalmente ou, caso não seja possível, via edital, garantido o direito de recorrer em liberdade.

(STJ., HC 281764 / SP., Rel.ª Min.ª Maria Thereza de Assis Moura, Sexta turma, jul. em 06.11.2014, DJe 19.11.2014.) (Grifei.)

No caso sob exame, é certo que, embora regularmente citado, o réu não constituiu defensor, não sendo relevante para o deslinde do caso se a inércia decorreu de simples desídia ou de hipossuficiência da parte, eis que a defesa técnica efetiva é direito irrenunciável e indisponível na seara penal, a teor do art. 261 do CPP e da Súmula n. 523 do STF.

Desse modo, uma vez que o acusado não foi encontrado para intimação da sentença condenatória, cumpriria a realização de edital, observadas as formalidades estabelecidas no art. 392, § 1º, do CPP, não o suprindo a simples abertura de vista dos autos ao advogado nomeado pelo juízo.

Tendo em conta que tais formalidades não foram observadas na origem, decorrendo flagrante prejuízo ao acusado, assiste razão à Procuradoria Regional Eleitoral, devendo os autos retornarem ao primeiro grau de jurisdição para que o réu seja pessoalmente intimado da sentença condenatória ou, não sendo possível, seja intimado por edital, nos termos do art. 392, incs. II e VI, do CPP.

Ademais, o órgão ministerial refere que não está acostada aos autos a mídia da audiência de instrução, na qual foram colhidos os testemunhos da Promotora de Justiça Rosi Faleiro e do Guarda-Municipal Josué Alves Pacheco.

Ora, para o deslinde das questões devolvidas ao conhecimento do Tribunal, necessário franquear aos julgadores, ao membro do Procuradoria Regional Eleitoral e aos advogados que atuam nesta Corte o acesso completo aos elementos materiais existentes para elucidação dos fatos, sendo, para tanto, imprescindível que a prova em debate esteja integralmente disponível nesta instância recursal.

Destarte, tenho que deve ser acolhida a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral também quanto ao ponto para que seja encartada aos autos a mídia contendo a audiência com a oitiva das aludidas testemunhas.

 

Ante o exposto, renovando vênias a entendimento diverso, VOTO por acolher as preliminares arguidas pela Procuradoria Regional Eleitoral para determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que se proceda à intimação do réu quanto à sentença condenatória, nos exatos termos do art. 392, incs. II e VI, do CPP, bem como para determinar a juntada aos autos da mídia com a audiência de instrução, nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhor Presidente.

 

Demais julgadores de acordo com o voto-vista.