REl - 0600033-70.2020.6.21.0090 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/09/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os pressupostos, merece conhecimento.

Mérito

Colegas: peço licença para, no presente voto, numerar os itens de exposição e fundamentação, haja vista a pluralidade de elementos fáticos, notadamente de outros processos, administrativos e judiciais, que envolveram a situação do ora recorrente.

Indispensável, assim, seja traçada uma espécie de "linha do tempo".

1. O recorrente Márcio Espíndola foi candidato a deputado estadual nas eleições de 2014, com domicílio eleitoral no município de Imbé.

2. As contas da campanha eleitoral de 2014 foram julgadas não prestadas, de modo que, em outubro de 2015, MÁRCIO teve indeferido seu pedido de transferência de domicílio eleitoral de Imbé para Eldorado do Sul, pois ausente quitação com a Justiça Eleitoral.

3. Dada a situação, e pretendendo concorrer nas eleições de 2016 (na época a legislação exigia, como condição de elegibilidade, o domicílio mínimo de um ano na circunscrição do pleito), o recorrente apresentou ação PET para regularizar as contas da campanha de 2014 e, concomitantemente, mandado de segurança cujo pedido era a transferência imediata do domicílio eleitoral para Eldorado do Sul, ainda que pendente a quitação eleitoral originada da omissão na prestação de contas.

4. E, nesta Corte, os desfechos foram:

5. No MS n. 161-94.2015.6.21.0000, Relator o Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, a segurança foi concedida, tanto liminar quanto definitivamente, para “determinar a transferência de domicílio eleitoral” de Imbé para Eldorado do Sul, como segue:

Mandado de segurança. Pedido liminar. Requerimento de transferência de domicilio eleitoral. A transferência de domicilio eleitoral, pleiteada um ano antes da eleição, não pode ser obstada a pretexto da falta de quitação eleitoral em razão de contas julgadas não prestadas. Por se tratar de uma das condições de elegibilidade, o indeferimento pode configurar ameaça ao exercício dos direitos políticos do impetrante. Permanência, no cadastro eleitoral, da anotação referente a não prestação de contas, a ser analisada por ocasião de eventual registro de candidatura. Concessão da segurança.

 

6. Na PET n. 184-40.2015.6.21.0000, Relatora a Desa. Eleitoral Gisele Anne Vieira de Azambuja, houve a decretação de nulidade da decisão de contas não prestadas (PC 165443), em decorrência de defeito na intimação do advogado. Ainda, foi determinada a comunicação da “regularização das contas ao Juízo Eleitoral competente, para fins de lançamento do ASE correspondente no cadastro do eleitor”.

7. O processo originário de prestação de contas foi desarquivado, PC n. 165443, com a consequente análise. Fique claro que, tanto na ação de prestação de contas quanto na PET n. 184-40, não se tratou do domicílio eleitoral do recorrente, como bem apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral.

8. O tema da transferência do domicílio foi tratado, sim, no MS n. 161-94, com desfecho desfavorável a MÁRCIO, pois, após a decisão desta Corte Regional, a Procuradoria Regional Eleitoral recorreu ao TSE e obteve provimento, de forma que a segurança foi denegada, nos seguintes termos:

Recurso Especial eleitoral. Mandado de Segurança. Respe manejado em 20.01.2016. Contas julgada nao prestadas. Pleito de 2014. Transferência de domicilio eleitoral. Impedimento. Ausência de quitação eleitoral. Precedente. Arts. 58, I, da Res.-TSE no 23.406/14 e 18, IV, da Res. - TSE no 21.538/03. Recurso provido para denegar a segurança pleiteada no mandamus, e, consequentemente, indeferir a transferência de domicílio eleitoral do recorrido.

(RESPE no MS 161-94.2015.6.21.0000, Relatora Min. ROSA WEBER. Julgado em 09.5.2017, Grifos no original)

 

9. O Mandado de Segurança n. 161-94 transitou em julgado em 26.5.2017, com a preponderância, peço escusas pela obviedade, da decisão do e. Tribunal Superior Eleitoral, mantendo-se o domicílio eleitoral de MÁRCIO na cidade de Imbé.

10. Portanto, a sentença recorrida acertou ao indeferir o mais recente pedido de transferência do domicílio eleitoral de MÁRCIO, pois realizado em 15.6.2020, momento em que o cadastro eleitoral se encontrava fechado. Ao contrário do afirmado pelo requerente, jamais houve, no ano de 2016, “devolução irregular”, erro na administração do cadastro eleitoral, ou anulação sumária relativa à transferência de domicílio.

11. O que ocorreu, está claro, foi que, por ocasião das eleições de 2016, o acórdão do TRE-RS surtiu os respectivos efeitos – vale dizer, precários, pois ainda não exarada a decisão do TSE. O decisum regional tratava-se de uma decisão recorrível e, como tal, foi modificada pela instância superior.

12. Igualmente, não procede o argumento de que, após a decisão regional, teria havido a perda do objeto do mandado de segurança, sob pena de contradição: ora, no writ foi requerida a transferência permanente do domicílio eleitoral. Dessa forma, é óbvio que permaneceu hígida a pretensão recursal do Ministério Público Eleitoral de reversão da decisão perante o TSE.

13. Aliás, e trago o raciocínio apenas obter dictum, para o recorrente possuir razão quanto ao argumento da perda do objeto, o pedido do mandado de segurança deveria ser relativo apenas às eleições de 2016 e, portanto, os efeitos também teriam cessado, a decisão mandamental seria igualmente provisória e o domicílio eleitoral permaneceria em Imbé, por pura lógica dos efeitos da hipotética decisão.

14. Em resumo: o Parquet logrou provimento ao recurso especial do mandado de segurança, e o domicílio eleitoral de MÁRCIO ESPÍNDOLA jamais foi transferido de Imbé para Eldorado do Sul, permanecendo no município litorâneo em 2016, 2017, 2018, 2019 e, agora, certamente, ao longo de 2020.

15. Agrego que não me seduzem outros argumentos invocados – um deles em petição avulsa, da qual conheço por tratar de fato a que o recorrente não tivera, ainda, a oportunidade de se manifestar – a EC n. 107/20. Senão, vejamos.  

16. Trata-se o recorrente de cidadão médio, não familiarizado com a legislação. Ora, cediço que os candidatos (MÁRCIO pretendeu ser deputado estadual em 2014) devem, como todos os cidadãos, estar cientes de seus direitos e obrigações. Bastaria dirigir-se ao cartório eleitoral, em qualquer dia de um período de mais de três anos, como bem indicado na sentença, ou, igualmente, buscar a informação no site do TSE, onde é facilmente obtida.

17. Nessa toada, salta aos olhos a circunstância de que, no segundo turno das eleições do ano de 2018, MÁRCIO votou na cidade de Imbé, ou seja, comprovado que o recorrente detinha, em 28.10.2018, a informação de que seu domicílio eleitoral não era Eldorado do Sul.

18. Ou seja, ainda que “cidadão médio”; ainda que não avisado, pelo advogado, do revés sofrido perante o TSE em maio de 2017 (situação alheia à Justiça Eleitoral, obviamente), está comprovado que o recorrente tinha ciência da situação desde, pelo menos, o final de 2018.

19. Houve impedimentos para realizar a transferência antes do fechamento do cadastro, em 04.5.2020, relativos ao advento da COVID-19. Para além do fato de que o serviço cartorário eleitoral permaneceu operante, com milhares de atendimentos, o recorrente teve, no mínimo, todo o ano de 2019 para requerer administrativamente a transferência, e não o fez, preferindo agora atribuir à Justiça Eleitoral os efeitos da própria inércia.

20. Note-se, nessa linha, o salto temporal de 15 (quinze) meses que as razões de recurso realizam - das eleições de outubro de 2018 para março de 2020 (COVID-19), período de total inércia do recorrente.

21. A promulgação da Emenda Constitucional n. 107, em 02.7.2020, não socorre o recorrente porque, nos termos expressos do art. 1º, § 2º, daquela modificação da Constituição da República, os “[...] prazos fixados na Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, e na Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, que não tenham transcorrido na data da publicação desta Emenda Constitucional e tenham como referência a data do pleito serão computados considerando-se a nova data das eleições de 2020”.

22. Pela clareza da redação, como o fechamento do cadastro eleitoral ocorreu em 04.5.2020, ele não se submete à nova data das eleições de 2020, pois já transcorrido quando do advento da EC n. 107/20.

23. Em resumo: o recorrente, ao que tudo indica, lembra de verificar seu domicílio eleitoral de forma sincronizada com a intenção de concorrer a cargo eletivo. Não se trataria, por si só, de conduta irregular – a inviabilidade reside, aqui, no fato de o pedido ser extemporâneo. Como indicado pelo juízo a quo, após a realização das eleições de 2020 haverá a reabertura do cadastro eleitoral, e o recorrente poderá, assim o desejando, transferir seu domicílio.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença pelos seus próprios fundamentos.