PC - 0600286-08.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/09/2020 às 14:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas, referente ao exercício financeiro de 2017, apresentada pelo Diretório Estadual do Partido REDE SUSTENTABILIDADE (REDE).

A Secretaria de Auditoria Interna - SAI deste Tribunal, após os procedimentos de verificação da movimentação contábil partidária e da análise dos argumentos e documentos apresentados, concluiu pela existência de irregularidades, as quais passo a examinar.

1) Aplicação irregular de recursos financeiros do Fundo Partidário

A SAI, analisando as contas em tela, constatou que recursos do Fundo Partidário, no montante de R$ 11.026,13, foram aplicados de forma irregular.

De acordo com o parecer conclusivo (ID 4535033), foi verificada falha envolvendo o valor de R$ 1.026,13, destinado ao pagamento de serviços prestados ou bens adquiridos, sem a devida comprovação por documentos fiscais.

Além disso, o órgão técnico de exame apontou pagamentos, no total de R$ 10.000,00, ao Sr. Antônio Augusto Mayer dos Santos, referentes à prestação de serviços de advocacia, os quais deveriam ter sido comprovados por meio da apresentação do contrato correspondente, além de outros meios que atestassem a efetiva prestação do serviço ajustado. 

O partido apresentou defesa (ID 4330533), sem, contudo, trazer aos autos documentos saneadores da irregularidade, não sendo possível superar a ausência do documento fiscal respectivo e do contrato de prestação de serviços advocatícios, providências que competiam exclusivamente ao prestador. Remanesce, assim, a violação aos arts. 18, § 7º, inc. I; 29, inc. VI, c/c o art. 35, § 2º, todos da Resolução TSE n. 23.464/15.

A falta da documentação fiscal relativa aos gastos efetuados com valores procedentes do Fundo Partidário enseja a determinação de transferência do montante ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 59, § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Pondero que as irregularidades narradas, na importância de R$ 11.026,13, não podem ser consideradas como falhas de natureza meramente formal, uma vez que envolvem recursos oriundos do Fundo Partidário, que ostentam natureza pública.

2) Recursos de origem não identificada - RONI

A unidade técnica informou que foram creditadas receitas apenas com indicação do CNPJ do próprio órgão partidário, sem a identificação do real doador originário, em infração às disposições contidas nos arts. 5º, inc. IV, e 7º da Resolução TSE n. 23.464/15, que dispõem como segue, verbis:

Art. 5º Constituem receitas dos partidos políticos:

[...]

IV – doações de pessoas físicas e de outras agremiações partidárias, destinadas ao financiamento de campanhas eleitorais e das despesas ordinárias do partido, com a identificação do doador originário;

 

 

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

 

Registro que, embora intimada para tanto, a agremiação deixou de se manifestar quanto a esse ponto, não logrando demonstrar a origem da quantia de R$ 550,00 depositados na sua conta bancária. 

A falta de indicação da origem dos valores impede a atuação fiscalizatória da Justiça Eleitoral quanto à licitude das aludidas receitas e, como consequência, malfere a transparência que deve revestir o exame contábil.

Como bem salientado pelo corpo técnico (ID 4535033), “a identificação do próprio partido como doador/contribuinte no extrato bancário não é informação válida, visto que inviabiliza a identificação da real origem do recurso (doador originário)”.

Assim, inviabilizada a identificação da procedência dos recursos em questão, a quantia deve ser considerada como de origem não identificada e determinado o seu recolhimento ao Tesouro Nacional, segundo o art. 14, caput, da Resolução TSE n. 23.464/15, in verbis:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

Concluída a análise da contabilidade, as irregularidades verificadas alcançam a soma de R$ 11.576,13 (R$ 11.026,13 – item 1 + R$ 550,00 – item 2), que representa 12,06% dos recursos arrecadados (R$ 95.935,89), comprometendo, assim, a confiabilidade das contas e  impondo o juízo de desaprovação.

3) Sancionamento

Nos termos do art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15 (art. 37 da Lei dos Partidos Políticos), a desaprovação das contas do partido implicará, além da sanção de devolução da importância apontada como irregular, quando for o caso, multa de até 20% sobre o valor irregular.

O § 2º do citado dispositivo legal, por sua vez, reza que a multa deve ser aplicada de forma proporcional e razoável, levando-se em conta: I – a proporção entre o valor da irregularidade detectada e o valor dos recursos provenientes do Fundo Partidário que o órgão partidário estiver recebendo no momento da decisão; e II – o valor absoluto da irregularidade detectada.

Assim, deve ser feito um cotejo entre o valor da irregularidade e o total de recursos informados pelo prestador.

Na hipótese dos autos, em termos percentuais, o valor da irregularidade (R$ 11.576,13) corresponde a 12,06% da movimentação financeira total (R$ 95.935,89), razão pela qual considero o patamar de 5% suficiente para sancionar as irregularidades, em legítimo sopesamento.

No tocante ao sancionamento de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário até que o esclarecimento sobre a origem dos recursos seja aceito pela Justiça Eleitoral, a teor do disposto no art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, a Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se nos seguintes termos (ID 4759833):

Considerando que os processos de prestação de contas em que constatada a aludida irregularidade normalmente se encerram sem que seja esclarecida a origem dos recursos, a regra que determina a manutenção da suspensão dos repasses do fundo partidário até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral deve ser temperada, a fim de que se evitem punições que se eternizam no tempo.

Diante disso, cabível, em caso de não esclarecimento da origem dos recursos até o término do processo de prestação de contas, a manutenção da aludida suspensão até que os recursos de origem não identificada sejam recolhidos ao Tesouro Nacional, visto que é a hipótese do não recolhimento que enseja, nos termos do art. 47, II, da Resolução TSE nº 23.464/15, a suspensão da distribuição do repasse dos recursos provenientes do fundo partidário.

Somente tal interpretação assegura o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, mantendo, ainda, o conteúdo sancionatório da norma. 

Portanto, impõe-se a suspensão do recebimento das cotas do Fundo Partidário até que o montante atinente aos recursos recebidos de origem não identificada seja recolhido ao Tesouro Nacional. 

(Grifo nosso.)

Isto é, se por um lado não se deve aplicar a literalidade do dispositivo, com o intuito de impedir sancionamento de caráter permanente, por outro, conforme tem defendido a Procuradoria Regional Eleitoral, é impossível determinar a suspensão durante a tramitação do processo, resultando assim no esvaziamento completo do disposto no art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95 e no art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Em posicionamento diverso, este Regional tem afastado o sancionamento em todos os processos julgados até o momento, sejam originários ou em grau recursal, relativos às contas dos exercícios financeiros dos anos de 2018 e anteriores.

A questão foi recentemente debatida por esta Corte na sessão de 09.3.2020, no RE 8-98, julgado de relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, que tratava da prestação de contas do Diretório Municipal do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Nova Boa Vista relativa ao exercício financeiro de 2017. 

Na ocasião, propôs-se a modificação do posicionamento para que o art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95 seja interpretado no sentido da determinação de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário até o recolhimento dos recursos de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

Segundo o relator, essa nova interpretação seria aplicada de forma prospectiva, em atenção aos princípios da isonomia e da segurança jurídica, a fim de evitar a desigualdade de tratamento jurídico para as agremiações partidárias.

Pedindo vênia ao ilustre Des. Gerson Fischmann, transcrevo trecho do bem-lançado voto, de modo a elucidar a discussão nos presentes autos, verbis:

(…) entendo importante ponderar que, nos julgados envolvendo a matéria, este Tribunal, objetivando evitar um sancionamento por prazo indefinido e tendo presente que após o trânsito em julgado é incabível a apreciação de novos documentos tendentes a sanar irregularidades nas contas, realmente adotou posição restritiva no sentido de que a suspensão é possível somente até o julgamento do feito, devido à previsão expressa de encerramento da análise probatória e de recolhimento dos recursos de origem não identificada aos cofres públicos.

Todavia, segundo recentes manifestações do Parquet, tal interpretação tornou inócua a previsão de suspensão de quotas estabelecida pelo legislador para as legendas que movimentam recursos sem informar a fonte de financiamento, uma vez ser inviável fixar a suspensão antes da decisão final que julga as contas.

Segundo tem defendido a Procuradoria Regional Eleitoral, como é impossível aplicar a suspensão durante a tramitação do processo, entender que esta somente pode ser fixada até o julgamento esvazia completamente o disposto no art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/1995 e no art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/2015.

Após refletir sobre o tema, verifiquei ser também inviável a determinação de suspensão do Fundo Partidário até o esclarecimento da origem dos recursos, pois tal prova não poderá mais ser realizada após o julgamento, por força da preclusão prevista na regulamentação das contas anuais do exercício de 2017 (§§ 8º e 9º do art. 35 da Resolução TSE n. 23.464/2015):

(…)

Embora os ditames da legalidade tornem incabível a aplicação analógica de norma sancionatória proposta pelo Parquet ao sugerir a adoção da penalidade prevista para a hipótese de recebimento de recurso de fontes vedadas (um ano de suspensão do Fundo Partidário) também para o caso de recebimento de recursos de origem não identificada, e “após o recolhimento dos valores ao erário”, tenho que os princípios norteadores das prestações de contas, especificamente os postulados da publicidade, da lisura, da efetividade e da transparência das fontes de custeio, impõem que seja revisto o raciocínio adotado por este Tribunal.

Efetivamente, não se pode aceitar pena ad perpetuam e, tampouco, interpretar a norma de modo a torná-la ineficaz. O art. 47 da Resolução TSE n. 23.464/2015 está topologicamente inserido na Seção II, que trata das “Sanções”; daí, penso, a melhor exegese deve buscar, no texto legal, as consequências e os efeitos que a tornem não só vigente mas eficaz, sem atentar contra qualquer norma ou princípio maior da Carta Magna como a vedação expressa no art. 5º, inc. XLVII, letra “b”, da C.F. A hipótese está regrada pelo inc. II do art. 47 da Resolução TSE n. 23.464/15 que trata: “no caso de não recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada de que trata o art. 13 desta resolução, deve ser suspensa a distribuição ou o repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral”

A prestação de contas tem o escopo de verificar, via jurisdicional, a regularidade do uso dos recursos arrecadados na campanha. A não identificação da origem dos recursos coloca sob suspeita a licitude daqueles valores. A função do apenamento previsto tende ao esclarecimento. Mas como esse pode não ocorrer, ter-se-ia, no caso, ou manter indefinidamente a pena, ou, como o tribunal tem feito, simplesmente isentar o infrator da penalidade.

Daí, proponho que a solução seja direcionada para uma interpretação sistemática em sentido um pouco diverso. A pena é a suspensão de distribuição ou repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário. Isso porque se trata de recursos públicos. Esse repasse, quando do processo em sua última instância ordinária que é o julgamento pelo tribunal, se não pode ficar ad infinitum suspenso, de outro lado pode claramente ficar condicionada a sua liberação quando haja, por parte do interessado, o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

(…)

Cria-se, dessa forma, uma viabilidade, disponibilizando-se para a parte, a solução do problema, ou seja, aplica-se a pena prevista (suspensão da distribuição ou repasse).

Todavia, como o dispositivo nitidamente propõe sanção visando ao esclarecimento da origem do recurso, poder-se-ia, não por aplicação analógica mas interpretação sistêmica da legislação eleitoral e da Resolução TSE 23.464/2015, estabelecer, sem ferir o espírito da norma ou adentrar em esfera legislativa, aplicar a sanção prevista no referido inc. II do art. 47 estabelecendo que a suspensão será aplicada, após o julgamento, até o efetivo recolhimento dos respectivos valores ao Tesouro Nacional.

Evidencia-se, portanto, a necessidade de alteração do posicionamento até então adotado para que o art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/1995 seja interpretado no sentido da determinação da suspensão de novas quotas do Fundo Partidário até o recolhimento dos recursos de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

Contudo, considerando que este Tribunal tem afastado o sancionamento em todos os processos julgados até o momento, sejam originários ou em grau recursal, relativos às contas dos exercícios financeiros dos anos de 2018 e anteriores, essa nova interpretação, que ora proponho, deve se dar de forma prospectiva em atenção aos princípios da isonomia e da segurança jurídica a fim de evitar uma desigualdade de tratamento jurídico para as agremiações partidárias.

Essa é, inclusive, a inteligência do art. 23 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Lei n. 4.657/1942), ao dispor que “A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”.

(…)

Com essas considerações, proponho que, a partir do julgamento das prestações de contas anuais do exercício financeiro de 2019 e posteriores, o Tribunal interprete o art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/1995 no sentido da determinação de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário até o recolhimento dos recursos de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

À oportunidade, o eminente Des. André Luiz Planella Villarinho acompanhou o voto do relator, ressalvando, porém, que a proposta de alteração do entendimento seja retomada por ocasião do  julgamento das contas relativas ao exercício de 2019. A proposta foi acolhida, por unanimidade, por esta Corte, restando o julgado assim ementado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AFASTAMENTO, DE OFÍCIO, DA PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESPROVIMENTO. 

1. Afastada preliminar de nulidade da sentença devido à suposta deficiência do exame técnico e falta de análise dos documentos juntados pela grei. Documentação devidamente considerada por esta Corte, sem alterações quanto à garantia da ampla defesa, ao procedimento técnico de exame e à fundamentação da sentença recorrida.

2. Recebimento de recursos sem a identificação do CPF dos doadores, em dissonância com o art. 13 da Resolução TSE n. 23.464/15. Insuficiência dos documentos declinando nomes e números de contas bancárias dos contribuintes para suprir a falta de indicação de suas inscrições no CPF. 

3. Falha que representa 85,08 % do montante auferido pelo partido no exercício financeiro em análise. Manutenção do recolhimento ao erário e da aplicação de multa. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário imposta de modo a persistirem seus efeitos até que os esclarecimentos sobre a origem dos recursos sejam aceitos pela Justiça Eleitoral. Proposta a discussão do tema para as prestações de contas do exercício financeiro de 2019, a fim de conferir efetividade e compatibilidade entre as sanções de suspensão de recebimento de quotas do Fundo Partidário e de recolhimento dos recursos ao Tesouro Nacional, estabelecidas no inc. I do art. 36 e no § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/1995, respectivamente. 

4. Desprovimento.

(RE 898 - Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann – Data de julgamento: 09.3.20.) (Grifo nosso)

Pelos fundamentos expostos, deixo de aplicar a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário, na linha do que tem decidido este Tribunal. 

Por fim, o juízo de reprovação, com a determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, acrescido da multa de 5%, é medida que se impõe, com base no art. 46, inc. III, al. “a”, c/c o art. 49, ambos da Resolução TSE n. 23.464/15.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas do DIRETÓRIO ESTADUAL do PARTIDO REDE SUSTENTABILIDADE (REDE), referentes ao exercício financeiro de 2017, e determino o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 11.576,13 (onze mil, quinhentos e setenta e seis reais e treze centavos), acrescida da multa de 5%, nos termos da fundamentação.