RC - 19180 - Sessão: 16/12/2020 às 10:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpôs recurso criminal (fls. 366-374) em face da sentença proferida pelo Juízo da 5ª Zona Eleitoral de Alegrete (fls. 344-354), que julgou parcialmente procedente a ação penal para condenar a ré ADRIELE DOS SANTOS RIBEIRO à pena de 04 (quatro) meses de reclusão, substituída por pena restritiva de direito de prestação de serviços à comunidade, fixada à razão de 1 (uma) hora por dia de condenação, e ao pagamento de 06 (seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, como incursa nos delitos de falsidade ideológica e uso de documento falso, ambos com finalidade eleitoral, tipificados, respectivamente, nos arts. 350 e 353 do Código Eleitoral, em concurso formal (art. 70 do CP), pela prática do 4º e 5º fatos descritos na peça acusatória, ocorridos nas eleições de 2014, absolvendo-a das imputações atinentes ao 1º e 2º fatos delituosos, assim como a ré GABRIELA RODRIGUES IZOLAN, relativamente ao 3º fato narrado na denúncia, com fundamento no art. 386, inc. II, do Código de Processo Penal.

Nas razões recursais, o Ministério Público Eleitoral pleiteou a reforma parcial da sentença, buscando a condenação de ADRIELE em relação ao 1º e 2º fatos descritos na denúncia, igualmente subsumidos aos arts. 350 e 353 do Código Eleitoral, bem como a condenação de GABRIELA pelo 3º fato delituoso, enquadrado no art. 350 do Código Eleitoral, sob o entendimento de existir prova suficiente das elementares dos tipos penais imputados às rés, com a aplicação do sancionamento correspondente.

GABRIELA contrarrazoou o recurso ministerial nas fls. 393-396, defendendo fosse mantida a sua absolvição pelo cometimento do 3º fato delituoso.

O defensor dativo nomeado para a defesa de ADRIELE, em virtude de ter sido decretada a sua revelia em audiência (fl. 323), e a própria ré, foram regulamente intimados da sentença (fls. 364 e verso e 387-388), não tendo sido, contudo, apresentadas contrarrazões ao recurso ministerial, motivo por que foi nomeado novo profissional, que apresentou contrarrazões nas fls. 408-413.

Remetidos os autos a este Tribunal, a Procuradoria Regional Eleitoral suscitou nulidade processual, porque ADRIELE havia manifestado interesse em recorrer da sentença ao ser dela pessoalmente intimada, conforme certificado pelo oficial de justiça designado para o cumprimento do mandado intimatório, sem que o defensor dativo nomeado para a sua defesa apresentasse as razões recursais, em ofensa ao disposto no art. 578 do CPP, de aplicação subsidiária ao processo-crime eleitoral, por força do art. 364 do Código Eleitoral, opinando pelo retorno dos autos à origem para a prática do ato (fls. 417-419v.).

Na sessão de julgamento realizada no dia 21.3.2019, em acórdão relatado pelo Desembargador Eleitoral André Luiz Planella Villarinho, a quem o processo foi originariamente distribuído, este Tribunal, ao analisar a prefacial suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, assinalou a impossibilidade de aplicação subsidiária ou supletiva do art. 578 do CPP aos feitos de natureza penal que tramitam na Justiça Eleitoral, uma vez existente regramento específico quanto à interposição de recursos no Código Eleitoral (fls. 430-432v.).

Porém, considerando a substituição do primeiro defensor dativo nomeado para defender ADRIELE, por omitir-se quanto à apresentação das contrarrazões ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, assim como o interesse de recorrer da sentença manifestado pela ré, o órgão colegiado desta Casa converteu o julgamento em diligência, ordenando a remessa dos autos ao juízo de primeiro grau para que intimasse pessoalmente o segundo defensor dativo nomeado, a fim de que apresentasse as razões recursais, no prazo de 10 (dez) dias, com o intuito de assegurar o amplo exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa a ADRIELE.

Na instância de origem, ADRIELE apresentou as razões recursais, postulando a sua absolvição, com fulcro nos arts. 386, inc. VII e/ou inc. VI, do CPP. Subsidiariamente, e nessa ordem, requereu a) a desconstituição da sentença devido ao cerceamento do seu direito de defesa, causado pela inépcia da inicial acusatória, em violação ao art. 41 do CPP pelo órgão ministerial da origem; b) a concessão do benefício da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da Lei n. 9.099/95, por este Tribunal, ou, alternativamente, pelo magistrado de primeiro grau; c) a sua absolvição pela incidência das causas excludentes de ilicitude do estado de necessidade e de inexigibilidade de conduta diversa; e d) na hipótese de manutenção do juízo condenatório, a fixação da pena privativa de liberdade no grau mínimo de 1 (um) mês para cada um dos crimes pelos quais foi condenada, com substituição por pena restritiva de direito (fls. 438-449).

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ofereceu contrarrazões (fls. 453-458), rebatendo a argumentação recursal deduzida por ADRIELE, reiterando o pedido de reforma parcial do comando sentencial, nos moldes deduzidos no recurso que havia interposto nas fls. 366-374.

Após a remessa dos autos a este Regional, abriu-se vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que exarou parecer pelo desprovimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e pelo provimento do recurso de ADRIELE ao efeito de absolvê-la das imputações relacionadas ao 4º e 5º fatos delituosos, ao argumento de que “a sentença proferiu juízo condenatório com base apenas na incongruência entre um atestado (fl. 30) e a informação prestada pela médica – que reitera-se: produziu o atestado e sequer foi denunciada.” (fls. 462-469).

Com a assunção da Presidência pelo Desembargador Eleitoral André Luiz Planella Villarinho, os autos vieram em redistribuição à minha relatoria (fl. 470).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade Recursal

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL foi intimado da sentença em 07.12.2017, quinta-feira (fl. 365) e interpôs o recurso no dia 16.01.2017 (fl. 366), observando o prazo legal de 10 (dez) dias, estabelecido no art. 362 do Código Eleitoral.

Anoto, sob esse aspecto, que a contagem do prazo recursal se iniciou em 11.12.2017, segunda-feira, haja vista o feriado de 08.12.2017, sexta-feira, encerrando-se em 20.12.2017 – data do início do recesso forense –, com o que foi postergado para 22.01.2017, segunda-feira, conforme disciplinado nas Portarias n. 390/16 e 290/17, ambas emitidas pela Presidência deste Tribunal.

A ré ADRIELE DOS SANTOS RIBEIRO manifestou interesse em recorrer da sentença ao ser dela pessoalmente intimada no dia 16.02.2018 (fls. 390-391), sendo que este Tribunal, em atenção aos princípios da ampla defesa e do contraditório, ordenou a baixa dos autos à origem para a apresentação das razões recursais em 10 (dez) dias (fls. 430-432v.).

O prazo foi devidamente observado pelo defensor dativo, que, intimado para a prática do ato em 11.4.2019, quinta-feira, protocolizou as razões recursais em 22.4.2019, segunda-feira (fls. 437v.-438), primeiro dia útil seguinte ao termo final do prazo, que recaiu no dia 21.4.2019, domingo.

Portanto, ambos os recursos são tempestivos e preenchem os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais deles conheço.

Mérito

No pertinente ao mérito, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL com atuação perante a 5ª Zona de Alegrete ofereceu denúncia contra ADRIELE DOS SANTOS RIBEIRO pela prática dos delitos de falsidade ideológica eleitoral e uso de documento falso (arts. 350 e 353 do Código Eleitoral) e contra GABRIELA RODRIGUES IZOLAN pelo cometimento do primeiro delito, em virtude dos seguintes fatos relacionados ao pleito de 2014, descritos na denúncia (fls. 02-03), recebida em 13.10.2016 (fl. 06), nos seguintes termos:

1º FATO DELITUOSO:

Na data aproximada de 13 de março de 2015 a 18 de março de 2015, em horário não precisado nos autos na cidade de Alegrete/RS, a denunciada ADRIELE DOS SANTOS RIBEIRO fez inserir em documento particular declaração falsa, para fins eleitorais.

Na oportunidade, a denunciada foi notificada para efetuar o pagamento da multa fixada a título de sanção administrativa em razão do não comparecimento à Mesa Receptora de Votos no dia 26/10/2014 (2º turno das eleições), e, aproveitando-se do fato de que seu companheiro esteve internado para tratamento em outras datas, fez a codenunciada Gabriela Izolan inserir em atestado médico a declaração de que esteve em acompanhamento hospitalar no dia 05/10/2014, data em que a denunciada efetivamente compareceu à Mesa Receptora de Votos.

2º FATO DELITUOSO:

Na data aproximada de 13 de março de 2015 a 15 de março de 2015, em horário não precisado nos autos, na cidade de Alegrete, RS, a denunciada ADRIELE DOS SANTOS RIBEIRO fez uso de documento com declaração falsa, para fins eleitorais. Na oportunidade, a denunciada apresentou a declaração descrita no 1º fato delituoso (fl.18), ao Juízo da 5ª Zona Eleitoral de Alegrete, com o objetivo de se eximir do pagamento da multa fixada pelo não comparecimento à Mesa Receptora de Votos no 2º turno de eleições de 2014.

3º FATO DELITUOSO:

Na data aproximada de 13 de março de 2015 a 18 de março de 2015, em horário não precisado nos autos, na Cidade de Alegrete, RS, a denunciada GABRIELA RODRIGUES IZOLAN inseriu em documento particular declaração falsa, para fins eleitorais.

Na oportunidade, a denunciada emitiu atestado médico informando que a codenunciada ADRIELE esteve em acompanhamento hospitalar de seu familiar no dia 05/10/2014, não podendo comparecer à Mesa Eleitoral (fl.16). Todavia, no dia 05/10/2014 a denunciada efetivamente compareceu à Mesa Receptora de Votos.

4º FATO DELITUOSO:

Na data aproximada de 16 de abril de 2015 a 15 de junho de 2015, em horário não precisado nos autos, na cidade de Alegrete, RS, a denunciada ADRIELE DOS SANTOS RIBEIRO fez inserir em documento particular declaração falsa, para fins eleitorais.

Na oportunidade, a denunciada foi notificada para prestar declarações na 4º DPR, em razão do 1º e 2º fatos delituosos, tendo solicitado à médica Lara Wegner a declaração de que esteve em acompanhamento hospitalar no dia 26/10/2014 (fl. 25). Todavia, o companheiro da denunciada não esteve internado na referida data (fl.100).

5º FATO DELITUOSO:

Na data aproximada de 16 de abril de 2015 a 15 de junho de 2015, em horário não precisado nos autos, na Cidade de Alegrete, RS, a denunciada ADRIELE DOS SANTOS RIBEIRO, fez uso de documento com declaração falsa, para fins eleitorais. Na oportunidade, a denunciada apresentou declaração descrita no 4º fato delituoso (fl.25), à 4ª DPR, com o objetivo de se eximir do pagamento da multa fixada e da responsabilização criminal.

Assim agindo, a denunciada ADRIELE DOS SANTOS RIBEIRO incorreu nos tipos penais previstos nos artigos 350 (duas) vezes e 353 (três) vezes do Código Eleitoral, na forma do art. 69 do Código Penal, ao passo que a denunciada GABRIELA IZOLAN incorreu no tipo penal previsto no artigo 350 do Código Eleitoral (...).

Passo à análise dos fatos.

1) Preliminar de Ofício – Extinção da Punibilidade da Ré ADRIELE DOS SANTOS RIBEIRO com Relação aos Crimes do art. 350 e 353 do Código Eleitoral (4º e 5º Fatos Delituosos)

Na sentença, a ré ADRIELE restou condenada, relativamente ao 4º e 5º fatos, pela prática, em concurso formal (art. 70 do CP), dos delitos de falsidade ideológica e uso de documento falso, ambos com finalidade eleitoral (arts. 350 e 353 do Código Eleitoral, respectivamente).

O magistrado a quo fixou definitivamente as penas para cada um dos delitos em 02 (dois) meses de reclusão e 03 (três) dias-multa, as quais somadas, em razão do concurso formal entre os crimes (art. 70 do CP), perfizeram 04 (quatro) meses de reclusão e 06 (seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, sendo que a pena privativa de liberdade foi substituída por pena restritiva de direito de prestação de serviços à comunidade, por igual período.

Nada obstante a impossibilidade de redução da pena-base a patamar inferior ao mínimo legal, posto que manifesta a contrariedade desse procedimento ao comando do art. 59, inc. II, do CP, que limita a atuação do órgão julgador aos limites mínimo e máximo cominados pelo legislador ordinário, o recurso interposto pelo órgão ministerial da origem, quanto à ré ADRIELE, não impugnou o quantum da pena aplicada pelo cometimento dos delitos referentes ao 4º e 5º fatos, restringindo-se ao pedido de condenação pelo cometimento dos delitos atinentes ao 1º e 2º fatos narrados na denúncia.

Dessa forma, transitada em julgado esse capítulo da sentença condenatória para a acusação, inviabiliza-se o recrudescimento da reprimenda penal imposta à ré, em virtude da vedação da reformatio in pejus, tornando-a definitiva para fins de exame da prescrição da pretensão punitiva do Estado, a qual implica, em sendo reconhecida, a declaração da extinção da sua punibilidade.

Como consabido, o agravamento da situação jurídica do réu somente pode derivar do acolhimento de apelo do órgão acusatório que vise especificamente a esse efeito, sendo proibido nas hipóteses de interposição de recurso exclusivamente por parte da defesa, consoante dicção expressa do art. 617 do Código de Processo Penal.

Em face disso e do que constitui decorrência igualmente lógica do princípio tantum devolutum quantum appellatum, aplicável aos recursos de natureza penal, além da inexistência ou do desprovimento do recurso da acusação, a sua insurgência parcial contra o ato decisório, mediante limitação objetiva e/ou subjetiva da pretensão condenatória em sede recursal, não impede a formação da coisa julgada material acerca dos temas não abrangidos pela sua irresignação, como ocorre, na presente hipótese, com relação ao montante da pena arbitrado, o qual passa a funcionar como parâmetro à verificação do transcurso dos prazos prescricionais na sua perspectiva retroativa ou superveniente, com respaldo no art. 110, § 1º, do CP.

Esse é o sentido e o alcance do Enunciado da Súmula n. 146 do Supremo Tribunal Federal, ao dispor que "A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação", podendo, ademais, por consistir matéria de ordem pública, ser declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição, assim que consumado o lapso temporal correlato, por força do comando inserto no art. 61, caput, do Código de Processo Penal.

Logo, estabelecidas essas premissas, e sem adentrar na discussão sobre o acerto da decisão condenatória ao reconhecer o concurso formal entre os delitos em apreço (art. 70 do CP), sem aplicar o princípio da consunção, reconhecendo a prática de um crime único – porquanto, de todo modo, ela em nada modificaria a conclusão deste tópico do julgamento, diante da impossibilidade de se aplicar penalidade superior a 04 (quatro) meses de reclusão –, a extinção da punibilidade deve incidir sobre a pena imposta a cada uma das infrações, de forma isolada, desconsiderando-se o somatório motivado pelo concurso de crimes, nos moldes do art. 119 do CP.

Como as penas privativas de liberdade foram arbitradas aos dois crimes em 02 (dois) meses de reclusão (fls. 352 e 353), deve ser observado o prazo prescricional de 3 (três) anos, incidente quando se trata de pena inferior a 1 (um), conforme dispõe o art. 110, caput, c/c o art. 109, inc. VI, do CP, prazo que também alcança a pena restritiva de direito de prestação de serviços à comunidade, por serem substitutivas, não possuindo previsão autônoma no preceito secundário das normas incriminadoras.

Assim, impõe reconhecer que entre a data da publicação da sentença condenatória – correspondente à da sua entrega à serventia cartorária, segundo reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ, EDcl no HC n. 420658/MT, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR 6ª Turma, DJe de 19.02.2020) –, a qual constitui, na espécie, o último marco interruptivo da prescrição (art. 117, inc. IV, do CP), ou seja, 16.10.2017 (fl. 354v.) e a data do presente julgamento, já transcorreu intervalo superior a 03 (três) anos.

Essa circunstância, embora na questão de fundo eu estaria por acompanhar o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral pela absolvição da ré ADRIELE por insuficiência probatória relativamente ao 4º e 5º fatos delituosos, autoriza seja declarada a extinção da punibilidade da ré ADRIELE, no concernente aos crimes dos arts. 350 e 353 do Código Eleitoral (4º e 5º fatos), alcançados pela prescrição da pretensão punitiva estatal, em sua modalidade superveniente, na forma do art. 107, inc. IV, c/c os arts. 110, caput, e 109, inc. VI, todos do CP.

Registro que, no acórdão proferido por este órgão colegiado (fls. 430-432v.), na sessão de julgamento de 21.3.2019, houve apenas a conversão do julgamento em diligência, determinando-se que os autos retornassem ao primeiro grau para que o defensor dativo de ADRIELE fosse intimado a apresentar contrarrazões ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL no prazo legal.

Desse modo, ainda que se observe o novo entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 176.473/RR (Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 10.9.2020), considerando que “Nos termos do inciso IV do artigo 117 do CP, o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta”, a decisão deste Regional não pode ser tida como marco interruptivo da prescrição (STJ, AgRg nos EDcl no REsp n. 1357811/MG, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, 6ª Turma, DJe de 04.8.2020).

Em continuidade, como as penalidades de multa foram arbitradas de forma cumulativa às penas privativas de liberdade, prescrevendo no mesmo prazo estabelecido para estas últimas, encontram-se igualmente atingidas pela prescrição da pretensão punitiva estatal, por força da regra constante do art. 114, inc. II, do CP.

Consequentemente, declarada extinta a punibilidade de ADRIELE, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, a qual se equipara ao juízo absolutório, no que respeita aos efeitos penais e extrapenais decorrentes da condenação, resta prejudicado o exame do recurso interposto pela sua defesa, devido à perda superveniente do seu interesse quanto ao pleito absolutório, ainda que embasado em fundamentos diversos, conforme consolidado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, a partir do julgamento da AP n. 688/RO, cuja ementa transcrevo abaixo:

PROCESSO PENAL. CRIME LICITATÓRIO. EX-PREFEITO E ATUAL GOVERNADOR DE ESTADO. SENTENÇA. APELO ENCAMINHADO PARA JULGAMENTO DESTA CORTE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. PENA IN CONCRETO. APELAÇÃO COM A FINALIDADE DE BUSCAR A ABSOLVIÇÃO DO RÉU. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. FALTA DE INTERESSE EM RECORRER. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE QUE APAGA TODOS OS EFEITOS DA CONDENAÇÃO.

Segundo reiterado entendimento jurisprudencial, tanto desta Corte quanto do Supremo Tribunal Federal, a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva apaga todos os efeitos da condenação, devendo-se, por isso, considerar a apelação do réu inadmissível por falta de interesse recursal, mesmo que a defesa objetive a absolvição pela atipicidade da conduta a ele imputada.

(Relator Ministro Massami Uyeda, Relatora para o acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, publicado no DJe de 04.4.2013).

Prossigo na análise do mérito do recurso do órgão ministerial.

2) Recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (1º, 2º e 3º Fatos)

No que concerne ao 1º, 2º e 3º fatos, não há prescrição a ser reconhecida.

Com a interposição do recurso pelo órgão ministerial, a prescrição é balizada pelo máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada aos crimes dos arts. 350 e 353 do Código Eleitoral, ou seja, 5 (cinco) anos, atraindo a incidência do prazo prescricional de 12 (doze) anos (arts. 109, inc. III, do CP), lapso temporal não transcorrido entre a data dos fatos (março de 2015) e a do recebimento da denúncia (13.10.2016 – fl. 06) e desta até a presente data, posto que o acórdão proferido por esta Corte em 21.3.2019, como anteriormente dito, não teve eficácia interruptiva da prescrição.

Em suas razões, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL requereu a condenação de ADRIELE DOS SANTOS RIBEIRO pela prática do 1º e 2º fatos, como incursa nas sanções dos arts. 350 e 353 do Código Eleitoral, assim como de GABRIELA IZOLAN, quanto ao 3º fato, por ter incorrido nas penalidades do art. 350 do Código Eleitoral, sob o argumento central de se fazerem presentes as elementares típicas necessárias à emissão do juízo condenatório, de acordo com a descrição dos tipos penais, a seguir reproduzida:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

(...)

Art. 353. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados, a que se referem os artigos. 348 a 352:

Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.

A falsificação ideológica eleitoral somente se perfectibiliza mediante a presença do dolo do agente em alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, que ostente potencialidade lesiva para macular a fé pública eleitoral.

Como leciona Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015, p. 118):

A exigência do dolo se dá para evitar que erros, imprecisões ou descuidos na apresentação de documentos ou informações sejam considerados crimes. Somente a conduta deliberada de iludir a confiança das pessoas perfaz o crime. No ambiente eleitoral, de toda forma, a generalidade dos crimes é dolosa.

A alteração da verdade (immutatio veri) é ínseta ao conceito de falso, pois este significa o que não condiz com a realidade. Todavia, não é qualquer informação deturpada ou mentirosa que conduzirá ao crime de falso. Isso só ocorrerá se ela se referir a fato juridicamente relevante, ou seja, aquele capaz de criar, alterar ou modificar direitos e deveres. (…)

A última exigência é a potencialidade lesiva. Não haverá crime de falso se a inverdade se mostrar incapaz de ofender a fé pública ou for posta ou estiver inserida em um contexto no qual não possa fazê-lo.

No que merece diferenciação relativamente ao delito de falsidade ideológica do art. 299 do CP, o delito do art. 350 do Código Eleitoral agrega, à sua tipologia, o elemento subjetivo do agente, consistente na finalidade eleitoral, não sendo necessário, entretanto, que o delito seja cometido perante órgão desta Especializada, ou que ocorra lesão concreta à administração eleitoral, dada a sua natureza formal (GOMES, José Jairo. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 3ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2018, p. 219).

A conduta típica de fazer uso de documento falso, prevista no art. 353 do Código Eleitoral, tem por objeto material os documentos aludidos nos arts. 348 a 352 do mesmo diploma legal, consistindo crime remetido a outras figuras típicas, que passam a integrá-lo, pressupondo, dessa maneira, a prática do crime anterior de falso, para fins de responsabilização do agente (GOMES, José Jairo. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 3ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2018, p. 229).

Retomando a narrativa fática relativa ao 1º e 2º fatos delituosos, a ré ADRIELE, convocada para atuar como mesária no pleito de 2014, aproveitando-se das internações a que seu companheiro havia se submetido, anteriormente, junto ao Hospital Irmandade da Santa Casa de Caridade de Alegrete, fez a ré GABRIELA, integrante da equipe médica da referida instituição, inserir, em atestado médico, a declaração falsa de que esteve em acompanhamento hospitalar do seu familiar no dia 05.10.2014, data em que, todavia, exerceu as suas atribuições de mesária durante o 1º turno.

Posteriormente, utilizou o documento ideologicamente falso para justificar a sua ausência aos trabalhos eleitorais no dia 26.10.2014 (2º turno) e eximir-se do pagamento da multa administrativa correspondente perante o juízo eleitoral.

GABRIELA, por sua vez, ciente do intuito de ADRIELE de justificar a sua ausência aos trabalhos eleitorais, teria inserido o dado falso no atestado médico, conforme narrativa do 3º fato.

Introduzindo o exame da prova documental produzida ao longo da instrução do processo, o Ofício n. 041/2016, encaminhado pelo Hospital Irmandade da Santa Casa de Caridade de Alegrete à Promotoria Eleitoral do município, juntamente com as respectivas fichas de internação, informa que Nilton Batista dos Santos Menezes, companheiro de ADRIELE, esteve internado nos períodos de 08.4.2014 a 23.4.2014, 30.9.2014 a 20.10.2014 e 08.11.2014 a 13.11.2014, para tratamento de neoplasia maligna e de outras psicopatias associados ao seu quadro clínico (fls. 49-63).

A declaração prestada pela diretora operacional da citada instituição hospitalar, além de confirmar os períodos em que realizadas as internações, encontra-se instruída com o relatório das visitas realizadas ao companheiro de ADRIELE, mostrando a presença da ré, nas dependências do hospital, no dia 05.10.2014, das 18h09min às 22h08min (fls. 141-143).

Em esclarecimento aos fatos, a ré GABRIELA, em seu depoimento (CD de fl. 321), disse que havia supervisionado o caso do companheiro de ADRIELE durante as suas internações hospitalares, enfatizando que o paciente não poderia ficar sozinho, necessitando ser assistido por familiar durante 24 horas, por causa das severas dores suportadas em decorrência de síndrome carcinogênica nos rins, e que, em todas as visitações realizadas, era ADRIELE quem lhe fazia companhia. Acrescentou que, embora o horário das visitações não fosse predeterminando, costumava visitar seus pacientes diariamente até às 15h, de modo que, no dia 05.10.2014, o seu encontro com ADRIELE ocorreu até esse horário.

ADRIELE não compareceu em juízo para depor, tendo sido decretada a sua revelia em audiência (fl. 323). Contudo, em seu depoimento durante a fase do inquérito policial, afirmou ter atendido à convocação da Justiça Eleitoral no 1º turno das eleições, o que vem corroborado pela sua assinatura na ata da seção eleitoral (fl. 18 e verso), pois um de seus familiares havia se disponibilizado a permanecer no hospital com seu companheiro.

Os testemunhos prestados por Adriele Rosa Mendonça e Luandarete Pilar Oliveira, que exerceram as funções de 1ª mesária e secretária, respectivamente, na seção de votação de ADRIELE, foram convergentes no sentido de que a ré compareceu para exercer suas atribuições no 1º turno, mas foi dispensada, por volta do meio dia, fazendo um intervalo mais prolongado para poder visitar seu companheiro, que se encontrava hospitalizado, não tendo a sua ausência ocasionado prejuízo ao funcionamento da seção eleitoral (mídias de fls. 261 e 315).

Aline Beulk Josende, presidente da seção eleitoral, também ouvida como testemunha, disse recordar do comparecimento de ADRIELE no 1º turno das eleições e do seu comentário a respeito da impossibilidade de deixar seu marido sozinho no hospital (CD de fl. 255).

Marco Polo Vaz Barbosa, médico e diretor técnico do mesmo hospital e de Geovana Pahim Galli, chefe do cartório eleitoral de Alegrete, constantes das mídias acostadas nas fls. 261 e 268, não trouxeram informações relevantes à solução do litígio.

Em seu conjunto, a prova produzida durante a instrução do processo revela, de modo inequívoco, que o companheiro de ADRIELE esteve internado no Hospital Irmandade da Santa Casa de Caridade de Alegrete no dia 05.10.2014, inexistindo, portanto, inverdade quanto à data da internação atestada por GABRIELA, elemento indispensável à tipicidade das condutas descritas nos arts. 350 e 353 do Código Eleitoral, a qual, uma vez ausente, torna desnecessário o debate acerca da potencialidade lesiva da conduta à fé pública eleitoral.

Nesse sentido, o seguinte aresto deste Regional:

RECURSO CRIMINAL. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA ELEITORAL. ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL. DENÚNCIA REJEITADA. AUSENTES VIOLAÇÃO À FÉ PÚBLICA OU DECLARAÇÃO FALSA OU DIVERSA DA QUE DEVERIA CONSTAR. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DESPROVIMENTO. 1. Rejeitada a denúncia promovida pelo Parquet pela suposta prática do crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral. Na espécie, as recorridas teriam inserido declaração falsa em documento público, qual seja, o registro de candidatura, com a intenção de que os partidos atingissem a cota de gênero mínima exigida pelo art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 .2. Ausente violação à fé pública ou inserção de declaração falsa ou diversa da que deveria constar. Conduta atípica, pois não se enquadra no delito previsto no art. 350 do CE. 3. Desprovimento.

(TRE-RS, RC n. 2717, Relator DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Data de Julgamento: 03.12.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 234, Data: 16.12.2019, p. 3.)

Acrescento que a particularidade de o atestado médico ter sido firmado por GABRIELA alguns dias depois, em 11.10.2014 (fl. 23), além de não possuir relevância jurídica à configuração delitiva, é perfeitamente compreensível no contexto fático, tendo em conta que a internação se estendeu até 20.10.2014, sendo válido destacar que restou suficientemente provado que a ADRIELE somente pôde assistir ao seu companheiro na instituição hospitalar no dia 05.10.2020 (1º turno), por ter sido dispensada dos trabalhos eleitorais nessa mesma data.

Em acréscimo, ressalto que a apresentação do aludido atestado médico por ADRIELE ao juízo eleitoral, com o intuito de justificar a sua ausência aos trabalhos eleitorais no 2º turno do pleito, realizado no dia 26.10.2014, demonstrada na ata da seção eleitoral (fl. 16 e verso), não apresenta suficiente consistência à configuração do dolo específico, exigido pelo tipo de uso de documento falso com finalidade eleitoral (art. 353 do Código Eleitoral).

Como ponderou o ilustre Procurador Regional Eleitoral em seu parecer (fls. 466 e verso), o conteúdo das declarações prestadas por ADRIELE em sede policial evidencia que a ré não teve deliberada intenção de falsear a verdade, tendo incidido em simples equívoco quanto às datas de hospitalização de seu companheiro, que, como anteriormente referido, havia enfrentado diversos períodos de internação ao longo do ano.

Ademais, o estado emocional de apreensividade ao ser instada a prestar esclarecimentos perante a autoridade policial, associada ao baixo nível de escolaridade de ADRIELE, evidenciado por meio da declaração de fl. 22, reportado, inclusive, pela testemunha Adriele Rosa Mendonça (CD de fl. 315), constituem, igualmente, elementos indicativos da ausência de dolo em sua conduta, sendo oportuna a transcrição do seguinte trecho do seu depoimento (fl. 32):

(…) porém, seu esposo não se recuperou a tempo e continuou internado e no dia 26/10/2014, dia das eleições, a declarante não conseguiu ninguém para ficar de acompanhante do seu esposo, e por este motivo não pode comparecer para trabalhar como mesária, que após as eleições recebeu uma intimação para comparecer no Fóro e justificar a sua falta, que se apresentou para explicar e lá disseram que tinha que justificar através de atestado a falta, então a depoente procurou a médica que cuida do seu esposo e relatou o ocorrido e a médica lhe forneceu um atestado comprovando a veracidade, após retornou ao Foro e lá entregou um atestado para a moça da recepção não perguntou o nome dela, ela leu o documento e disse que tava tudo certo, então a depoente se tranquilizou pois estava assustada e foi embora. Que com relação as datas do atestado não prestou atenção e não percebeu que na data do atestado se referia apenas o dia 05/10/2014, sendo que no dia 26/10/2014 ele ainda continuava internado (…) está surpresa de tudo e irá retornar a médica e pedir um novo atestado corrigindo as datas e assim comprovante que realmente estava no hospital cuidando se seu esposo enfermo.

Por essas razões, deve ser mantido o comando absolutório exarado em relação a ADRIELE e GABRIELA, devido à atipicidade das suas condutas, descritas no 1º, 2º e 3º fatos delitivos, com supedâneo no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO por:

a) declarar, de ofício, a extinção da punibilidade de ADRIELE DOS SANTOS RIBEIRO pela prática dos delitos tipificados nos arts. 350 e 353 do Código Eleitoral (4º e 5º fatos), na forma do art. 70 do CP, em virtude da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, com fundamento no art. 107, inc. IV, c/c os arts. 110, caput, e 109, inc. VI, todos do CP e art. 61, caput, do CPP – restando prejudicado, por conseguinte, o recurso por ela interposto, nos termos da fundamentação; e

b) negar provimento ao recurso criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, mantendo o juízo absolutório quanto às imputações feitas a ADRIELE DOS SANTOS RIBEIRO, pelo cometimento dos delitos dos arts. 350 e 353 do Código Eleitoral (1º e 2º fatos), e a GABRIELA RODRIGUES IZOLAN, pela prática da infração do art. 350 Código Eleitoral (3º fato), devido à atipicidade das condutas, com base no art. 386, inc. III, do CPP, nos termos da fundamentação.