HCCrim - 0600309-80.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/09/2020 às 14:00

VOTO

Conforme relatado, trata-se de habeas corpus impetrado, em favor próprio, por LUIZ CESAR RINALDI, objetivando o trancamento da Ação Penal n. 93.50.2017.6.21.0138, em razão de inexistência de justa causa para a persecução penal e, ainda, de inépcia da denúncia em relação ao crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Embora a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admita o cabimento do remédio heroico contra decisão de recebimento da denúncia (HC n. 0600059-71/PR, DJe 29.3.2017, e HC n. 31-60/GO, DJe 3.4.2014, ambos de relatoria da eminente Ministra Luciana Lóssio), o trancamento da ação penal nesta via é medida excepcional, possível apenas quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, flagrante incidência de causa de extinção da punibilidade ou evidente ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito.

Nesse sentido, destaco julgado do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIME. FALSIDADE IDEOLÓGICA ELEITORAL (CE, ART. 350). PEDIDO DE TRANCAMENTO. ATIPICIDADE. IMPOSSIBILIDADE. MEDIDA EXCEPCIONAL. ELEMENTOS SUFICIENTES PARA INSTAURAÇÃO. JUSTA CAUSA. DECISÃO MANTIDA. DESPROVIMENTO. 1. O trancamento de ação penal pelo estreito viés do remédio heroico é providência excepcional, sendo somente possível quando se evidenciar, de plano e extreme de dúvida, imputação de fato atípico, inexistência de indício mínimo de autoria e materialidade do delito, ou ainda, extinção da punibilidade. Precedentes. 2. A conduta de fazer constar assinaturas falsas em ficha de apoiamento apresentada em cartório eleitoral delineia, em tese, o delito insculpido no art. 350 do Código Eleitoral. 3. In casu, a pretensão acusatória se deu com indícios suficientes de autoria e materialidade, fundada tanto em depoimentos testemunhais, quanto em provas documentais. 4. A modificação da conclusão a que chegou o Tribunal a quo implica necessária incursão probatória aprofundada, antecipando manifestação sobre circunstâncias que serão esclarecidas durante a instrução processual, providência que se revela defesa em sede de habeas corpus. 5. Agravo regimental desprovido.

(TSE - RHC: 23304 IGUATEMI - MS, Relator: LUIZ FUX, Data de Julgamento: 14.02.2017, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume -, Tomo 52, Data: 16.3.2017, pp. 86-87.) (Grifei.)

Outrossim, conforme salientei na apreciação da liminar, a presente ação constitucional é de cognição sumária e célere, razão pela qual, necessariamente, deve ser instruída com prova pré-constituída suficiente e segura para permitir ao julgador a pronta verificação do alegado constrangimento ilegal, não sendo cabível o aditamento ou a instrução posterior do pedido.

Com esse posicionamento, colaciono precedente do Tribunal Superior Eleitoral:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS ELEIÇÕES 2008. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO DO WRIT AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS. VIOLAÇÃO À PRERROGATIVA DE FORO. NULIDADE PROCESSUAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA. REVOGAÇÃO DA LIMINAR. 1. Habeas corpus impetrado contra suposto ato coator do TRE/AP que, em ação penal originária, condenou a paciente às penas de 4 anos e 2 meses de reclusão em regime aberto e pagamento de 18 dias–multa, pela prática do crime de corrupção eleitoral (art. 299 do CE), em razão de promessa de implantação de benefício social em troca de voto nas Eleições 2008. 2. O trancamento de ações penais requer prova robusta, demonstrada de plano, de ilegalidade ou abuso de poder, inexistente no caso concreto. 3. "Cumpre ao impetrante comprovar o constrangimento ilegal que alega estar sofrendo a paciente, trazendo aos autos documentos que atestem a ocorrência do alegado, inclusive peças processuais, sob pena de não conhecimento do writ" (RHC nº 12–60/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 14.02.2013). 4. A instauração e a tramitação de inquérito policial sem a supervisão do Tribunal Regional não acarretam, por si só, nulidade por violação à prerrogativa de foro. Na hipótese, não foram realizados atos vinculados à reserva de jurisdição. Eventuais vícios do procedimento investigatório não infirmam o subsequente processo criminal, no qual se desenvolve atividade instrutória própria. Precedentes.5. A orientação jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal é de que o habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de recurso previsto no ordenamento jurídico ou de revisão criminal, salvo hipóteses excepcionais ausentes no caso concreto. Precedente.6. Revogação da liminar anteriormente concedida. Determinação para que o Tribunal Regional Eleitoral do Amapá dê regular prosseguimento à Ação Penal nº 991–71.2009.6.03.0000.7. Ordem de habeas corpus denegada. Agravo interno do Ministério Público prejudicado.

(Habeas Corpus n. 060008739, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação:  DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 154, Data: 12.8.2019.) (Grifei.)

O entendimento também encontra abrigo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO DA QUAL NÃO SE CONHECEU. ALEGADA AUSÊNCIA DE WRIT MAL INSTRUÍDO. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. ÔNUS DA DEFESA. IMPOSSIBILIDADE DE JUNTADA POSTERIOR DE DOCUMENTOS. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O writ não foi instruído com a íntegra do acórdão impugnado, peça processual indispensável para a análise das ilegalidades suscitadas. 2. O rito do habeas corpus e do recurso ordinário em habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo acusado, ônus do qual não se desincumbiu a defesa.

3. É obrigação do impetrante instruir corretamente a ação constitucional com toda documentação necessária à apreciação das alegações nele formuladas no momento da sua apresentação, não se admitindo a posterior juntada de documentos imprescindíveis ao exame do pedido e que não foram anexados tempestivamente. Precedentes.

4. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC n. 534.499/ES, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18.02.2020, DJe 05.3.2020.) (Grifei.)

Na espécie, entretanto, a petição foi instruída apenas com algumas peças esparsas e descontínuas do procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público Eleitoral (ID 6384633, 6384683, 6384733 e 6384783), com o rol de testemunhas apresentado com a inicial acusatória (ID 6384833 e 6384883) e com o termo de declarações prestadas pelo próprio paciente na Corregedoria-Geral do Ministério Público Estadual, no qual narra supostas irregularidades nas oitivas realizadas no curso da apuração administrativa promovida pelo órgão ministerial (ID 6384933 e 6384983).

Resta evidente que os documentos oferecidos são insuficientes à aferição do constrangimento ilegal apontado. Para tanto, seria indispensável, minimamente, a análise das cópias integrais do procedimento de apuração criminal e da denúncia, sem as quais é inviável o exame de eventual carência de justa causa para a persecução penal ou de inépcia da peça inicial.

No ponto, destaco a ementa de julgado trazido pelo douto Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, versando sobre hipótese bastante similar ao caso presente:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO COMO ORDINÁRIO. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE CÓPIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. DEFICIÊNCIA DA INSTRUÇÃO DO WRIT. NÃO PROVIMENTO.

1 Trata-se de agravo regimental contra decisão pela qual negado seguimento a recurso em habeas corpus, mantido o acórdão denegatório proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE/MG), porquanto não demonstrado constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do paciente capaz de ensejar o prematuro trancamento da ação penal pela via eleita.

2. A ausência de cópia da denúncia oferecida contra o paciente inviabiliza a análise da alegada ausência de justa causa para a ação penal.

3. Não obstante o anexo aos autos venha intitulado como "Cópia dos autos da Ação Penal 7-72.2017.613.0277", dele não consta a inicial acusatória.

4. "Cumpre ao impetrante comprovar o constrangimento ilegal que alega estar sofrendo o paciente mediante prova pré constituída, trazendo aos autos os documentos que atestem a ocorrência do alegado, inclusive peças processuais, sob pena de não conhecimento do writ" (RHC nº 12-60/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 25.3.2013).

Agravo regimental não provido.

(Recurso em Habeas Corpus n. 30182, Acórdão, Relatora Min. Rosa Weber, Publicação:  DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 25.9.2018, p. 40.) (Grifei.)

Por sua vez, nas informações prestadas pela apontada autoridade coatora (ID 6533583), consta que o Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia contra o ora paciente e outros 13 acusados, os quais teriam praticado os crimes previstos nos arts. 299 e 350 do Código Eleitoral (várias vezes) e no art. 305, na forma do art. 29, ambos do Código Penal. Refere, ainda, que, nos termos da exordial acusatória, oferecida e recebida em 11.7.2017, os réus teriam arrecadado recursos para campanha eleitoral “a partir da cobrança de 4% ao mês sobre os vencimentos de servidores contratados emergencialmente ou em cargo de confiança e por meio da cobrança de propina de empresas contratadas pelo município”. Posteriormente, os valores alcançados teriam sido omitidos nas prestações de contas eleitorais.

Além disso, o magistrado da origem anota que, nos termos da descrição acusatória, os réus teriam praticado o crime de corrupção eleitoral por meio da compra de votos em troca de terrenos públicos, cargos públicos, dinheiro e escambo de gasolina, revolvimento de cama de aviário, tubos e horas de máquina, bem como teriam ocultado dinheiro e destruído provas.

Por fim, o ofício de informações esclarece que está acostado aos autos da ação penal o Inquérito n. 19-22.2017.6.21.0000 (fls. 18-454), contendo, dentre outros documentos, cópia do procedimento investigativo criminal n. 00746.00002/2016 (fls. 26-255), cópias dos autos dos processos de prestação de contas eleitorais (fls. 296-317), relatório de interceptações telefônicas (fls. 332-418) e cópia da inicial de ação civil pública (fls. 419-454). Além disso, estão juntadas aos autos a mídia contendo os áudios das escutas telefônicas (fl. 530) e a respectiva senha de acesso (fl. 255). Por fim, registra que, iniciada a instrução processual, os prazos foram suspensos, na forma das Resoluções TRE-RS ns. 339, 340 e 341/20 e da Portaria Conjunta n. 08/20.

Destarte, os subsídios fornecidos pelo órgão julgador em primeiro grau denotam a regularidade da tramitação da ação penal, não se constatando qualquer flagrante ilegalidade ou teratologia capaz de suprimir a justa causa para o prosseguimento do feito.

Outrossim, conforme anotou o diligente Procurador Regional Eleitoral, os mesmos fatos apurados na persecução penal em tela foram objeto da AIJE n. 682-76.2016.6.21.0138, na qual o ora paciente foi condenado ao pagamento de multa e à inelegibilidade em razão da prática de condutas vedadas e de captação ilícita de sufrágio, em decisão transitada em julgado no final de 2019. Assim, bem concluiu o parecer ministerial: “a existência de condenação cível pelos mesmos fatos denunciados na esfera criminal é sintomática quanto à existência de justa causa para ação penal”.

No tocante à atuação do Promotor de Justiça Eleitoral no curso do procedimento investigatório, o impetrante limitou-se a acostar cópia da sua própria narrativa deduzida perante a Corregedoria do Ministério Público Estadual, desacompanhada de qualquer elemento concreto de prova de suas alegações.

Desse modo, também quanto ao ponto, não há, nos documentos anexados ao writ, qualquer informação segura acerca da suspeição do órgão ministerial ou de que este tenha se conduzido de forma inapropriada ou ilícita na colheita dos depoimentos durante a fase administrativa da apuração criminal.

Portanto, tendo em vista que o impetrante não alcançou apresentar prova pré-constituída do alegado constrangimento ilegal, sequer suficiente para o exame das ilegalidades apontadas na petição inicial, e não havendo indicativos de irregularidades na tramitação processual, inviável o trancamento excepcional e extraordinário da ação penal pela via do habeas corpus.

Ante o exposto, VOTO por confirmar a decisão da liminar e denegar a ordem impetrada em favor do paciente LUIZ CESAR RINALDI.