RE - 0600019-51.2020.6.21.0037 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/09/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a decisão recorrida julgou improcedente o pedido para que fosse preservada a filiação partidária do requerente ao MDB, desde 19.3.2019, em razão de não haver sido realizada a oportuna comunicação da desfiliação ao partido Patriota, culminando com a reinclusão do eleitor na relação de filiados desta última agremiação, entregue em abril de 2020, e no cancelamento automático do anterior registro junto ao MDB.

A alegação do recorrente, portanto, não consiste na ausência de inclusão do seu nome na lista de filiados do MDB, a atrair a incidência do art. 11, § 2º, da Resolução TSE n. 23.596/19. A controvérsia colocada nos autos reside em estabelecer se o eleitor cumpriu as formalidades legais e regulamentares no momento de sua desfiliação, a tornar indevida a presença de seu nome na última relação de filiados apresentada pelo Patriota.

Nesse trilhar, em regra, para desligar-se do partido político, o filiado deve fazer comunicação escrita ao órgão de direção municipal e ao juiz eleitoral da zona em que se encontrar inscrito, conforme prescreve o art. 21, caput, da Lei n. 9.096/95:

Art. 21. Para desligar-se do partido, o filiado faz comunicação escrita ao órgão de direção municipal e ao Juiz Eleitoral da Zona em que for inscrito.

Parágrafo único. Decorridos dois dias da data da entrega da comunicação, o vínculo torna-se extinto, para todos os efeitos.

Entretanto, a legislação prevê, igualmente, hipóteses de cancelamento imediato da filiação, em conformidade com o rol contido no art. 22 da Lei n. 9.096/95, do qual destaco o compreendido em seu inciso V:

Art. 22. O cancelamento imediato da filiação partidária verifica-se nos casos de:

I - morte;

II - perda dos direitos políticos;

III - expulsão;

IV - outras formas previstas no estatuto, com comunicação obrigatória ao atingido no prazo de quarenta e oito horas da decisão.

V - filiação a outro partido, desde que a pessoa comunique o fato ao juiz da respectiva Zona Eleitoral. (Incluído pela Lei n. 12.891, de 2013)

(Grifei.)

Depreende-se dos dispositivos transcritos que, a partir da Lei n. 12.891/13, ao filiado faculta-se duas vias para a sua desfiliação partidária: a primeira positivada no art. 21, caput, da Lei dos Partidos Políticos e a segunda prevista no art. 22, inc. V, do mesmo Diploma.

Sobre o tema, pontua a doutrina de Marcílio Nunes Medeiros (Legislação eleitoral comentada e anotada. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1.210):

O filiado a partido político dispõe de duas opções para obter o seu desligamento da agremiação: faz comunicação escrita ao partido e ao Juiz Eleitoral e, após dois dias da última comunicação, tem o seu vínculo partidário extinto para todos os efeitos, conforme determina o art. 21; ou se filia a outro partido e faz a comunicação desse fato à Justiça Eleitoral, extinguindo-se automaticamente o vínculo anterior, como assegura o inc. V deste art. 22.

Na mesma senda, entendem Ary Jorge Aguiar Nogueira e Fernando Pereira da Silva, em trabalho crítico publicado na revista do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (Da comunicação ao órgão partidário para a eficácia da desfiliação: discutindo uma antinomia à luz de Bobbio. In: Revista Justiça Eleitoral em Debate. Vol. 9, n. 1, julho de 2019):

Percebe-se, então, que atualmente há duas situações distintas: quando o eleitor se desvincula de um partido sem a vinculação imediata a outro e; quando o eleitor se vincula a um novo partido ainda estando vinculado a outro. No primeiro caso, o artigo 21 da Lei dos partidos prevê a comunicação ao partido e ao juiz eleitoral, enquanto no segundo caso; o artigo 22, inciso V, prevê apenas a comunicação ao juiz eleitoral.

Trata-se de uma contraditoriedade evidente, na forma preconizada por Bobbio (2008, p. 85), na qual uma norma permite não fazer algo, enquanto outra obriga fazer. O artigo 21 obriga o eleitor a fazer a comunicação partidária, enquanto o artigo seguinte, permite-lhe a inércia.

Na hipótese concreta, o recorrente afirma que comunicou a sua nova filiação ao juiz eleitoral, tendo por resultado o cancelamento automático do vínculo anterior com o Patriota, promovido pela própria Justiça Eleitoral, na forma do art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.596/19. A alegação é demonstrada por meio da certidão de filiação emitida em 1º.4.2020, na qual consta que o eleitor está regularmente filiado ao MDB desde 19.3.2019 (ID 6490033).

No entanto, posteriormente, o Patriota reincluiu o recorrente em sua relação de filiados levada a processamento em abril de 2020, registrando nova filiação a partir de 09.5.2020, o que, diante da coexistência de anotações em diferentes agremiações, acarretou a incidência do art. 21, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95, com a prevalência da filiação mais recente e o automático afastamento das demais.

Diante disso, a magistrada a quo intimou o eleitor para a apresentação de prova da comunicação de desfiliação dirigida ao Diretório Municipal do Patriota, a fim de caracterizar a desídia ou a má-fé na anotação do novo relacionamento partidário (ID 6490333). No entanto, o requerente somente logrou demonstrar a efetivação da providência em julho de 2020, por meio da expedição de correspondência AR ao endereço da sede partidária (ID 6490783) e da entrega pessoal de carta ao secretário-geral do respectivo órgão diretivo (ID 6490833).

Em razão da inércia do requerente em efetivar a comunicação ao partido em momento oportuno, o juízo monocrático entendeu que a inclusão da nova filiação pelo Patriota não foi indevida, pois resultou de desídia do próprio eleitor, razão pela qual manteve a sua validade e seus efeitos jurídicos, nos seguintes termos:

(...).

No caso em tela, o eleitor quando solicitou desfiliação do Patriotas não colheu assinatura da executiva daquela agremiação partidária antes de entregar o requerimento à Justiça Eleitoral. Instado a fazê-lo, conforme despacho do documento de número 1828855, deixou transcorrer o prazo "in albis" sem apresentar a comprovação do ato.

Ocorre que o Partido Patriotas, que não foi comunicado formalmente da desfiliação do Sr. Eldilon, ao submeter sua lista de filiados no sistema Filia acabou por, novamente, filiar o Sr. Eldilon junto a sua agremiação partidária, restando automaticamente cancelada pelo sistema a sua filiação ao Partido MDB.

Após o despacho, documento 1828855, ao invés de juntar o documento solicitado pelo Juízo, o Sr. Eldilon reiterou sua vontade de se desfiliar do Partido Patriotas, requerendo que se procedesse à intimação pessoal do representante do Partido para que este comprovasse que o Sr. Eldilon não teria assinado uma nova ficha de filiação partidária.

Contudo, torna-se desnecessária tal medida, visto que o Partido Patriotas ao submeter a nova lista de filiados desconhecia a saída do Sr. Eldilon daquela agremiação partidária. Não houve, ao ver deste juízo, má intenção, daquela agremiação partidária.

Neste sentido, e depreendendo de todo esse contexto a vontade do requerente de se desfiliar do partido Patriotas, determino que seja juntado aos autos o requerimento de desfiliação partidária junto ao Patriotas, devidamente comunicado, para que se evite no futuro nova inclusão do requerente a lista de filiados daquela agremiação.

(Grifei.)

Ocorre que, consoante se extrai dos autos, o requerimento de anotação da nova filiação ao MDB foi recebido e levado a registro pela Justiça Eleitoral, resultando, inclusive, na expedição de certidão de filiação nesse sentido, sem que fosse exigida do eleitor a comunicação formal ao partido preterido, na exata dicção do art. 22, inc. V, da Lei n. 9.096/95 antes referida.

Outrossim, não houve a mera ratificação da filiação primitiva do eleitor ao Patriota, a qual havia sido cancelada pela Justiça Eleitoral. Em realidade, a agremiação abandonada procedeu ao registro de um novo ingresso, na data de 09.5.2020, ou seja, com termo inicial posterior, inclusive, à data limite para filiação com vistas às eleições municipais de 2020.

Dessa forma, uma vez admitido, processado e aperfeiçoado o ato de incorporação do eleitor às fileiras do MDB na relação oficial da Justiça Eleitoral, esse registro somente poderia ser suplantado pela constituição de legítimo vínculo partidário ulterior, em regra, mediante a subscrição de ficha de filiação, o que, na espécie, se infere, não ocorreu.

Consoante bem apontou o douto Procurador Regional Eleitoral, ausente a renovação da vontade do recorrente para tanto, resultou “indevida sua nova filiação realizada unilateralmente pelo PATRIOTA”, razão pela qual cumpre o restabelecimento de sua filiação ao MDB, cancelada em virtude daquela.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para declarar ELDILON FERREIRA ARAUJO filiado ao Partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB), desde 19.3.2019, e determinar a reversão do cancelamento do respectivo registro no sistema Filia.