Cta - 0600299-36.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/09/2020 às 14:00

 VOTO

Os requisitos para o conhecimento de consultas dirigidas aos Tribunais Regionais Eleitorais estão disciplinados no art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral:

Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:

(…)

VIII – responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político.

(Grifei.)

A normativa encontra-se reproduzida no Regimento Interno deste Tribunal:

Art. 34. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal:

(…)

XII - responder, em tese, às consultas que lhe forem dirigidas, acerca de matéria eleitoral, por autoridade pública ou partido político;

(…).

No presente caso, NELSON MARCHEZAN JÚNIOR, Prefeito de Porto Alegre, detém legitimidade, na condição de autoridade pública, para realizar a consulta, restando, assim, preenchido o requisito subjetivo a que aludem os dispositivos legais acima transcritos, sendo este Tribunal o órgão competente para respondê-la, conforme dispõe o art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral.

O requisito da pertinência temática na formulação da consulta também se encontra preenchido, uma vez que a matéria debatida demonstra inequívoca natureza eleitoral.

Em sua essência, relaciona-se à interpretação do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, que veda, no ano em que se realizar a eleição, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, passíveis de acompanhamento administrativo-financeiro pelo Ministério Público.

Com efeito, busca o consulente resposta deste Colegiado acerca do alcance da norma proibitiva para o pleito de 2020, que será realizado, notadamente, em ambiente eleitoral marcado pelos efeitos sanitários, políticos e econômicos decorrentes da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), que exige e justifica a adoção de ações e programas sociais diferenciados pelos entes federados.

A Procuradoria Regional Eleitoral pugna pelo não conhecimento da consulta, ao argumento de que a via seria inadequada para dirimir questões relativas à conduta vedada, considerando a necessidade de análise de inúmeras situações e suas consequências, bem ainda pelo fato de já ter se iniciado o período de incidência da norma. 

Analisando os termos em que a consulta foi formulada, verifico que não restou satisfeito o requisito da abstratividade, indispensável para o seu conhecimento, cuja resposta – por se tratar de tese – poderia orientar o julgamento de casos futuros, conferindo maior estabilidade à ordem jurídica, ainda que a revisão dos entendimentos adotados pela Justiça Eleitoral, no exercício da atividade consultiva, constitua um componente inerente ao contencioso eleitoral (LENZA, Direito Eleitoral Esquematizado, São Paulo: Editora Saraiva, p. 778).

Além disso, a ausência de abstratividade impede o conhecimento da consulta porque, sobretudo, levaria a Corte a se pronunciar sobre questão passível de futuro litígio em caso concreto.

No caso, a própria mensagem apresentada pelo consulente de que os programas sociais objeto da consulta “são primordiais no enfrentamento da Covid-19, da crise pandêmica e dos efeitos correlatos (…) mas também possuem um viés permanente, constituindo verdadeiros legados para a sociedade porto-alegrense”, aliada às minúcias contidas na consulta em si, como, por exemplo, a idade das crianças beneficiadas por programa social e a forma de implantação de “transporte social” demonstram, a meu juízo, a ausência da necessária abstratividade já mencionada.

Não desconheço o precedente desta Corte que, dadas as consequências da pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), excepcionou a regra em comento e respondeu à consulta formulada pela mesma autoridade pública, no caso, o prefeito de Porto Alegre, que apresentava contornos de possível caso concreto (Consulta n. 060009844, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 14.5.2020).

Ocorre que, como bem referiu a Procuradoria Regional Eleitoral, verbis:

(…) diferentemente da consulta anterior, acima referida, no presente caso foi mencionado que as medidas administrativas, cuja legalidade é questionada, seriam adotadas de forma permanente, como um “legado” para a sociedade portoalegrense deixado pela atual administração.

Ou seja, a circunstância que amparou o conhecimento excepcional daquela consulta resta prejudicada no presente caso, em que os efeitos das medidas passíveis de implementação pela autoridade consulente iriam além do atual momento pandêmico, constituindo-se “em viés permanente e legado da atual administração à sociedade porto-alegrense”.

Dentro desse raciocínio, a expectativa de que as ações e os programas que o consulente pretende implementar em seu governo, por força da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), possam ser judicializados sob a perspectiva das condutas vedadas aos agentes públicos, com implicações sobre o exercício de mandato eventualmente conquistado no pleito de 2020, opera como pressuposto negativo para o conhecimento da presente consulta (Consulta n. 060073951, Relator Min. Edson Fachin, DJE de 05.8.2020).

E isso porque o conhecimento e o exame do mérito das consultas formuladas sob a ótica das condutas vedadas, descritas no art. 73 da Lei das Eleições, exigem a análise de fatos que revelem as circunstâncias próprias e o contexto em que os procedimentos foram praticados, não sendo possível antever se determinada ação ou programa governamental escaparia ao alcance da norma proibitiva pela excepcionalidade da calamidade pública ou do estado de emergência decorrentes da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19).

Nessa linha, cito os seguintes precedentes do Tribunal Superior Eleitoral:

CONSULTA. REQUISITOS. LEGITIMIDADE. SECRETÁRIO NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. DESTINAÇÃO DOS BENS APREENDIDOS EM FAVOR DA UNIÃO. TRÁFICO DE DROGAS. ANO DE ELEIÇÃO. ART. 73, § 10, DA LEI Nº 9.504/73. CONDUTA VEDADA. NÃO CONHECIMENTO.

1. O consulente, na condição de Secretário Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é parte legítima para a presente formulação, uma vez que se trata de autoridade com jurisdição federal, nos termos do art. 24 do Decreto nº 9.150/2017.

2. Conforme reiterada orientação deste Tribunal, a análise da configuração ou não de conduta vedada somente é possível a partir dos fatos concretos que revelem suas circunstâncias próprias e o contexto em que inseridos" (Cta nº 154-24/DF, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 5.6.2014). No mesmo sentido: Cta nº 415-18/DF, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 12.12.2016; Cta n° 1036-83/DF, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 7.10.2014; Cta n° 98-59, de 26.4.2012, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 30.5.2012.

3. Os recursos do Fundo Nacional Antidrogas (Funad) são destinados ao desenvolvimento, à implantação e à execução de programas relativos à redução do tráfico de drogas. Tais aportes financeiros realizados pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), para entidades públicas, são motivados individualmente, a depender das prioridades estatais e ações governamentais próprias, a fim de satisfazer o interesse público e a consecução das finalidades previstas na Lei de drogas. Não há como supor ou antever, portanto, que determinada doação escaparia ao alcance da norma prevista no art. 73, § 10, da Lei das Eleições, em que pesem os relevantes argumentos expostos na exordial.

4.As respostas às consultas não têm caráter vinculante, mas tão somente sinalizam orientação sobre determinado tema, sem qualquer força executiva, não sendo o meio adequado para pleitear autorização para prática de ato administrativo.

5. Consulta não conhecida.

(Consulta n. 060001059, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 63, Data: 03.4.2018.) (Grifei.)

CONSULTA. REQUISITOS. LEGITIMIDADE. SENADOR. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DIFERENCIADO. ANO DE ELEIÇÃO. ART. 73, § 10, DA LEI Nº 9.504/73. CONDUTA VEDADA. NÃO CONHECIMENTO.

1. Conforme reiterada orientação deste Tribunal, "a análise da configuração ou não de conduta vedada somente é possível a partir dos fatos concretos que revelem suas circunstâncias próprias e o contexto em que inseridos" (Cta nº 154-24/DF, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 5.6.2014). No mesmo sentido: Cta nº 415-18/DF, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 12.12.2016; Cta n° 1036-83/DF, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 7.10.2014; Cta n° 98-59, de 26.4.2012, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 30.5.2012.

2. As concessões de benefícios tributários apresentam diversas nuances e, por implicarem renúncia ou redução da receita pública, sofrem vários condicionamentos e limitações, devendo basear-se em motivação que reflita a satisfação do interesse público e a consecução das finalidades previstas em diplomas específicos, por exemplo, o desenvolvimento de determinado setor econômico ou região. Desta feita, não há como examinar, pela via abstrata da consulta, ante a simples premissa de estar previsto em legislação específica vigente no ano que antecede a eleição, que determinado benefício tributário escaparia ao alcance da norma prevista no art. 73, § 10, da Lei das Eleições.

3. Consulta não conhecida.

(Consulta n. 060424166, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 49, Data: 12.3.2018.)

Ademais, sob a ótica das condutas vedadas, os questionamentos feitos pelo consulente apresentam uma amplitude e uma multiplicidade de possíveis enquadramentos, condicionados, por sua vez, a diversos fatores e circunstâncias fáticas e normativas que ensejariam respostas com elevado grau de complexidade por abarcar diferentes condicionantes, ressalvas e exceções, o que é incompatível com a via abstrata da consulta.

Além disso, como bem pontuou o Procurador Regional Eleitoral, não se conhece de consulta quando já iniciado o período de incidência da norma.

No caso, a proibição de distribuição gratuita de bens, descrita no art. 73, § 10, da Lei das Eleições, é “no ano em que se realizar eleição”, ou seja, desde 1º de janeiro, fato que impede o conhecimento da consulta (Consulta n. 7645, ACÓRDÃO de 20.5.2014, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 20.5.2014).

Assim, ainda que se pudesse, eventualmente, excepcionar a regra, também em relação ao período de incidência da norma, dada a dificuldade enfrentada pelos gestores de recursos públicos em decorrência da pandemia, a duração dos programas sociais objeto da consulta ultrapassaria, conforme já mencionado, o período de calamidade pública, apresentando-se como óbice ao enfrentamento da questão por esta Corte, em sede de consulta.

Diante do exposto, VOTO por não conhecer da Consulta, nos termos da fundamentação.