RE - 0600010-72.2020.6.21.0075 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/09/2020 às 14:00

VOTO

Inicialmente, observo que é tempestivo o recurso do PARTIDO SOCIAL LIBERAL (PSL) de Vista Alegre do Prata, porquanto interposto dentro do prazo fixado no art. 18, § 5º, da Resolução TSE n. 21.538/03.

No mérito, a agremiação pugna pelo indeferimento dos pedidos de transferência apresentados à Justiça Eleitoral, uma vez que, segundo afirma, os eleitores não detêm vínculo apto a ensejar a transferência de domicílio eleitoral para o município de Vista Alegre do Prata.

Em contraposição, os recorridos asseguram possuir relação com o município em testilha, de ordem familiar, afetiva ou política.

A controvérsia apresentada nos autos, portanto, gira em torno do conceito de domicílio eleitoral e de sua forma de comprovação perante a Justiça Eleitoral.

Sobre o tema, dispõe o Código Eleitoral, em seu art. 42, parágrafo único:

Art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor.

Parágrafo único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

A Resolução TSE n. 21.538/03, regulamentando a matéria,  preceitua:

Art. 65 A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

§ 1º Na hipótese de ser a prova de domicílio feita mediante apresentação de contas de luz, água ou telefone, nota fiscal ou envelopes de correspondência, estes deverão ter sido, respectivamente, emitidos ou expedidos nos 3 (três) meses anteriores ao preenchimento do RAE, ressalvada a possibilidade de exigir-se documentação relativa a período anterior, na forma do § 3º deste artigo.

§ 2º Na hipótese de ser a prova de domicílio feita mediante apresentação de cheque bancário, este só poderá ser aceito se dele constar o endereço do correntista.

§ 3º O juiz eleitoral poderá, se julgar necessário, exigir o reforço, por outros meios de convencimento, da prova de domicílio quando produzida pelos documentos elencados nos §§ 1º e 2º.

§ 4º Subsistindo dúvida quanto à idoneidade do comprovante de domicílio apresentado ou ocorrendo a impossibilidade de apresentação de documento que indique o domicílio do eleitor, declarando este, sob as penas da lei, que tem domicílio no município, o juiz eleitoral decidirá de plano ou determinará as providências necessárias à obtenção da prova, inclusive por meio de verificação in loco.

Sobressai da análise do caput do art. 65 da Resolução TSE n. 21.538/03, pois, que basta à comprovação do domicílio eleitoral a apresentação de  documento do qual se infira residência ou vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município.

Os parágrafos 1º e 2º do dispositivo permitem expressamente que a prova de domicílio seja realizada por meio de contas de luz, água ou telefone, nota fiscal ou envelopes de correspondência, desde que tenham sido emitidos ou expedidos nos três meses anteriores ao requerimento apresentado à Justiça Eleitoral, além de cheque bancário.

Interpretando as normas eleitorais aplicáveis à espécie, a doutrina e a jurisprudência assentam que o conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o domicílio do direito comum, regido pelo Direito Civil.

O domicílio, para fins eleitorais, é mais flexível e elástico, identificando-se com o lugar onde o interessado constitui vínculos políticos, econômicos, sociais, familiares e afetivos.

Quanto ao ponto, transcrevo a doutrina de Rodrigo López Zilio (Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2017, p. 157):

Alicerçada na realidade dinâmica do Direito Eleitoral, a jurisprudência tem albergado um conceito amplo de domicílio eleitoral, sopesando diversas circunstâncias flexibilizadoras da caracterização do vínculo do eleitor com o local em que pretende exercer a sua capacidade eleitoral. Desta feita, a conceituação de domicílio eleitoral abarca – segundo interpretação dos tribunais – não apenas a residência ou moradia do eleitor, abrangendo, também, aquela localidade com a qual o eleitor tenha uma vinculação específica, seja na forma de exercício profissional (vínculo profissional), interesse patrimonial (vínculo patrimonial), reconhecida notoriedade no meio social daquela comunidade (vínculo social, político e afetivo).

Nesse sentido está consolidada a jurisprudência do TSE:

DIREITO ELEITORAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO DE SENADOR. PROCESSO DE IMPEACHMENT DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. CONDENAÇÃO QUE SE LIMITOU À PERDA DO CARGO, SEM INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. NÃO INCIDÊNCIA DE CAUSAS DE INELEGIBILIDADE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

(...)

11. Hipótese em que preenchida a condição de elegibilidade do art. 14, § 3º, IV, da CF/1988, uma vez que a candidata constituiu domicílio eleitoral na circunscrição dentro do prazo exigido pela Lei nº 9.504/1997, sendo notório o vínculo familiar da candidata com a localidade. O conceito de domicílio eleitoral pode ser demonstrado não só pela residência no local com ânimo definitivo, mas também pela constituição de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes. Ademais, eventual irregularidade na transferência de domicílio eleitoral deveria ter sido suscitada em procedimento próprio, estando preclusa (arts. 57, 2º, e 71, I e III, do Código Eleitoral). Precedentes

(…)

(TSE, RO n. 060238825/ MG, Relator Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 04.10.2018.) (Grifei.)

 

ELEIÇÃO 2012. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. DEFERIMENTO. DOMICÍLIO ELEITORAL. ABRANGÊNCIA. COMPROVAÇÃO. CONCEITO ELÁSTICO. DESNECESSIDADE DE RESIDÊNCIA PARA SE CONFIGURAR O VÍNCULO COM O MUNICÍPIO. PROVIMENTO.

1) Na linha da jurisprudência do TSE, o conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e se satisfaz com a demonstração de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes.

2) Recurso especial provido para deferir o registro de candidatura.

(TSE, REspe n. 374-81.2012.6.15.0062/PB, Relator designado Min. Dias Toffoli, julgado em 18.02.2014.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOMICÍLIO ELEITORAL. CONCEITO ELÁSTICO. TRANSFERÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 55, § 1º, III, DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO PROVIMENTO.

1. Na espécie, a declaração subscrita por delegado de polícia constitui requisito suficiente para comprovação da residência do agravado e autoriza a transferência de seu domicílio eleitoral, nos termos do art. 55, § 1º, III, do CE.

2. O TSE já decidiu que o conceito de domicílio no Direito Eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e satisfaz-se com a demonstração de vínculo político, social ou afetivo. No caso, o agravado demonstrou vínculo familiar com o Município de Barra de Santana/PB, pois seu filho reside naquele município.

3. O provimento do presente recurso especial não demanda o revolvimento de fatos e provas, mas apenas sua correta revaloração jurídica, visto que as premissas fáticas encontram-se delineadas no acórdão regional. Precedentes.

4. Agravo regimental não provido.

(TSE, AgR-Al n. 72-86.2011.6.15.0062/PB, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 05.02.2013.) (Grifei.)

 

DOMICÍLIO ELEITORAL – TRANSFERÊNCIA – RESIDÊNCIA – ANTECEDÊNCIA (CE, ART. 55) – VÍNCULOS PATRIMONIAIS E EMPRESARIAIS.

Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e afetivos. A residência é a materialização desses atributos. Em tal circunstância, constatada a antiguidade desses vínculos, quebra-se a rigidez da exigência contida no art. 55, III.

(RESPE n. 23.721/RJ, Relator Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 18.3.2005.) (Grifei.)

 

RECURSO ESPECIAL. DOMICÍLIO ELEITORAL POR RELAÇÃO PROFISSIONAL. FATO CONSTANTE APENAS DO VOTO DIVERGENTE. ART. 941, § 3°, DO NOVO CPC. MATÉRIA DE DIREITO. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. Os fatos constantes do voto vencido devem ser considerados pela instância revisora, mormente quando não estiverem em conflito com o que descrito no voto vencedor. Inteligência do art. 941, § 3º, do novo CPC.

2. O domicílio eleitoral, nos termos da jurisprudência do TSE, vai além do domicílio civil, sendo devida a autorização para a transferência quando estiverem comprovadas relações econômicas, sociais e/ou familiares entre o cidadão e o município para o qual se pretenda a transferência.

3. A análise do domicílio eleitoral, quando não há controvérsia a respeito dos fatos, é questão de direito e pode ser plenamente avaliada pela instância extraordinária.

 Recurso especial provido.

Ação cautelar julgada procedente.

(Recurso Especial Eleitoral n. 7524, julgado em 04.10.2016, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE, Tomo 200, Data: 18.10.2016, pp. 83-84.) (Grifei.)

Com idêntico entendimento quanto à amplitude da definição de domicílio eleitoral, sedimentou-se a jurisprudência desta Corte:

Recurso. Decisão que julgou improcedente impugnação de transferência de domicílio eleitoral. Alegada residência temporária no município em que o eleitor presta serviço. Flexibilidade do conceito de domicílio eleitoral, identificado como lugar onde o eleitor tem vínculos patrimoniais, profissionais ou sociais. Desprovimento.

(TRE-RS, RE n. 46-81, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 14.6.2012.) (Grifei.)

 

Recurso. Transferência de domicílio eleitoral. Indeferimento.

O conceito de domicílio eleitoral é mais flexível do que o do direito civil, comportando outros elementos que não propriamente a residência no município. Ato amparado em previsão legal de vínculos familiar e profissional.

Caderno probatório que atesta a fidedignidade das declarações de domicílio e de trabalho firmadas pelo requerente e o cumprimento do lapso temporal de três meses de residência no município.

Reconhecimento do domicílio eleitoral a ensejar o deferimento da

inscrição do eleitor.

Provimento.

(TRE-RS, RE n. 55-91, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 20.7.2016.) (Grifei.)

 

Recurso. Transferência de domicílio eleitoral. Deferimento.

Afastada a preliminar de inépcia da inicial. Recebimento de petição nominada erroneamente mas protocolada dentro do prazo recursal.

É pacífico o entendimento de que o conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio civil. Mais flexível, admite-se como domicílio eleitoral o lugar em que o cidadão possua vínculos familiares, políticos, afetivos, sociais ou econômicos.

Comprovado o vínculo social e político do recorrido com o município. Inscrição eleitoral mantida.

Provimento negado.

(TRE/RS, Relatora Desa Eleitoral Gisele Anne Vieira de Azambuja, DJE: 18.02.2016.) (Grifei.)

Tecidas tais considerações, passa-se à análise da situação individual  dos eleitores recorridos.

I. MARIA APARECIDA DE MOURA RAMINELLI e CRISTIANO RAMINELLI

Examina-se a situação em conjunto dos eleitores MARIA APARECIDA DE MOURA RAMINELLI e CRISTIANO RAMINELLI, uma vez que se trata de cônjuges.

Em seus requerimentos de transferência eleitoral, os eleitores anexaram conta de água, em nome de CRISTIANO, constando o seguinte endereço: Rua Angelo Meneghini, s/n., Vista Alegre do Prata (ID 5989183).

Consoante sustenta o recorrente, a eleitora MARIA APARECIDA DE MOURA RAMINELLI, em cujo Requerimento de Alistamento Eleitoral (RAE) declara o endereço como Rua Tupi, e CRISTIANO RAMINELLI, que no mesmo documento informa morar na Rua Angelo Meneghini, nunca residiram nem residem em Vista Alegre do Prata, não possuindo vínculo físico nem afetivo com o município.

A agremiação assevera, ainda, que os eleitores moram em Nova Bassano, sendo empregados em uma residência situada em propriedade rural. Junta fotografias do local onde, de fato, residiriam e daquele informado no requerimento de transferência eleitoral de CRISTIANO, onde haveria um estábulo (ID 5987983), acostando, também, imagem de pedido de transferência da ligação de água referente ao imóvel localizado na Rua Angelo Meneghini, s/n., Vista Alegre do Prata, do usuário Clacir Muller Rizzotto para Cristiano Raminelli (ID 5988033).

Em contrarrazões, defendem os recorridos que Cristiano é agricultor e exerce sua profissão em terras situadas em Vista Alegre do Prata, na Rua Angelo Meneghini, no local retratado pela fotografia do terreno com estábulo, a ele cedidas pelo proprietário, Sergio Tome, mediante comodato, para o cultivo de grãos e vegetais para consumo próprio.

Os recorridos acrescentam que, embora residam em Nova Bassano, sua moradia fica próxima à divisa entre os municípios, o que lhes permite realizar as compras em mercado, açougue e farmácia em Vista Alegre do Prata, pois a distância até essa cidade é menor do que até o centro comercial de Nova Bassano.

Pois bem.

Com as devidas vênias à diligente Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pela procedência do recurso quanto aos eleitores em questão, entendo que as razões declinadas para indeferimento da transferência eleitoral do casal em epígrafe não têm força para ilidir os esclarecimentos e as provas produzidas pelos recorridos.

O casal reside em Nova Bassano, ponto sobre o qual não há controvérsia.

Contudo, os eleitores lograram comprovar seu vínculo com Vista Alegre do Prata, porquanto cultivam terras localizadas nesse município, sendo apresentado documento idôneo – conta de água, além de contrato de comodato de área rural.

Ademais, o próprio recorrente juntou documento firmado entre Clacir Muller Rizzotto e Cristiano, formalizado com o fim de transferir o faturamento de água da propriedade rural para este último.

Quanto às razões da douta Procuradoria Regional Eleitoral para indeferimento dos pedidos, com o máximo respeito, tenho que não merecem acolhimento.

Primeiramente, o parecer ministerial registra que a conta de água apresentada pelos eleitores para comprovação de endereço, por se referir ao mês de março de 2020, não demonstra o cumprimento do prazo mínimo de três meses de residência no novo domicílio, o que inviabilizaria o pedido de transferência eleitoral, requerido em 06.5.2020.

Nesse aspecto, saliento que o documento comprobatório de endereço, por exigência do art. 65, § 1º, da Resolução TSE n. 21.538/03, tem de ser emitido ou expedido dentro do prazo de três meses anteriores à data do requerimento, exatamente como apresentado no caso.

Insta sublinhar que diverso é o requisito do prazo mínimo de residência no novo domicílio, de três meses, para o eleitor solicitar a transferência eleitoral.

A tal respeito, o documento apresentado pelo próprio recorrente, consistente em “pedido de transferência de água”, firmado por Clacir Muller Rizzotto (“proprietária”) e Cristiano Raminelli (“requerente”), datado de 05.01.2020, a fim de realizar a mudança da ligação de água da rede municipal para o nome deste último eleitor, no endereço informado em seu requerimento eleitoral, comprova que o requisito temporal de vinculação com o município foi atendido.

Adiante, o Parquet Eleitoral defende que, embora tenham os eleitores afirmado que exercem sua atividade profissional no endereço situado em Vista Alegre do Prata, o diminuto valor da taxa de água constante do boleto, R$ 22,00, sugere que se refere apenas ao valor da tarifa básica, o que não seria compatível com o consumo que se espera em uma propriedade economicamente ativa.

Quanto a essa questão, entendo que, além de não ter sido veiculada no recurso, impedindo a parte de manifestar-se, em contrarrazões, sobre as causas que teriam provocado o irrisório consumo de água, o fato não se mostra suficiente para se presumir que houve qualquer espécie de fraude, pois poderia ser explicado por miríades de circunstâncias, inclusive pelo frequente uso de poços e outros meios alternativos de captação hídrica em bens rurais.

O órgão ministerial prossegue, argumentando que o antes aludido “pedido de transferência de água”, anexado pela agremiação em seu apelo (ID 5988033), representa mera cópia de um documento particular, sequer protocolado junto à repartição competente, não tendo o condão de fazer prova do fato alegado.

Todavia, supõe-se que o referido pedido de transferência de água tenha sido devidamente protocolizado na respectiva repartição municipal, a qual, então, passou a emitir as faturas de água em nome do usuário Cristiano, que apresentou a mais recente à Justiça Eleitoral para comprovar endereço, em absoluta conformidade com o estabelecido no art. 65, § 1º, da Resolução TSE n. 21.538/03.

Ainda, o Ministério Público Eleitoral assevera que os recorridos não refutaram, ao menos diretamente, a alegação, deduzida pela grei, no sentido de que o casal residiria na propriedade rural situada na comunidade São Bernardo, em Nova Bassano, a qual pode ser visualizada na fotografia acostada ao ID 5987983, onde ambos também trabalhariam como empregados. Aponta, em reforço, que, embora os recorridos tenham afirmado que residem em Nova Bassano, não tiveram o cuidado de declinar qual seria seu endereço.

Pertinente a esse tópico, assinalo que os recorridos reconheceram que residem em Nova Bassano, declarando ser próximo à divisa entre os dois municípios, mas afirmaram que Cristiano labora em gleba situada em Vista Alegre do Prata, conforme conta de água e contrato de comodato juntados ao feito.

Decerto, nada impediria que o eleitor fosse empregado na propriedade em que reside, em Nova Bassano, e, ainda assim, cultivasse, para atender às necessidades de sua família, pequena área de terra próxima, em Vista Alegre do Prata.

Outrossim, embora não tenham declinado o endereço em Nova Bassano, que em nada interessaria ao pedido de transferência, consta do contrato de comodato que seria Linha Oitava, Capela São Bernardo, em aparente sintonia com o alegado pelo recorrente e reconhecido pelo recorrido.

Por derradeiro, a operosa Procuradoria Regional Eleitoral sustenta que o documento que os recorridos apresentaram em suas contrarrazões – Contrato de Comodato (ID 5991133) firmado entre Sergio Tome (comodante) e Cristiano Raminelli (comodatário), supostamente em 20.3.2019, tendo por objeto arrendamento de gleba de 800 m² em Vista Alegre do Prata, destinada à cultura de milho, batata e cebola para consumo próprio –, por não conter reconhecimento das assinaturas de seus subscritores, não faz prova, por si só, da alegação, podendo ser considerado como daquelas espécies de documentos produzidos unilateralmente, cujo valor probante deve ser sopesado com as devidas cautelas.

Sobre o ponto, estou de acordo com a manifestação ministerial, no sentido de que essa prova deve ser avaliada com cautela. Entrementes, ela está apoiada por outra prova mais robusta, qual seja, a conta de água. Isso, sem mencionar que há declaração do eleitor no formulário RAE, realizada sob as penas da lei.

Portanto, entendo que os elementos trazidos para modificar a decisão do Juiz Eleitoral são unicamente ilações, destituídas de base concreta, de que os cidadãos não possuem vínculo com o município de Vista Alegre do Prata, as quais se mostraram inconsistentes diante da prova acostada pelos recorridos.

Por essas razões, não cabe a reforma da decisão que deferiu a transferência dos eleitores MARIA APARECIDA DE MOURA RAMINELLI e CRISTIANO RAMINELLI.

II. WILLIAM FERNANDES PEREIRA

O eleitor WILLIAM FERNANDES PEREIRA requereu transferência eleitoral para Vista Alegre do Prata, apresentando como comprovante de endereço declaração de que seu filho, João Augusto Langaro Pereira, está matriculado na Escola Municipal Giuseppe Tonus, de Vista Alegre do Prata, desde o ano de 2019 (ID 5989433).

No recurso, a agremiação alega que o eleitor reside em Passo Fundo e que teria apresentado à Justiça Eleitoral documento de ligação de água na Linha General Osório, em Vista Alegre do Prata, porém essa teria sido feita apenas para a obtenção de comprovante de endereço.

Afirma, ainda, que o eleitor é irmão de uma vereadora e possível candidata nas próximas eleições. Para sustentar sua alegação, o recorrente junta imagem de página da rede social Facebook, em que WILLIAM FERNANDES PEREIRA se apresenta como morador de Passo Fundo.

Entendo, na linha do propugnado pelo órgão ministerial, que não assiste razão ao recorrente.

Com efeito, restou demonstrado que o filho de WILLIAM FERNANDES PEREIRA estuda em escola pública municipal de Vista Alegre do Prata, sendo patente seu vínculo familiar e social, bem como seu interesse em participar ativamente da vida política da localidade.

Dessa forma, deve ser mantido o deferimento da transferência eleitoral de WILLIAM FERNANDES PEREIRA.

III. MARILZA LORINI

A eleitora MARILZA LORINI requereu transferência eleitoral para Vista Alegre do Prata, declinando o endereço “Avenida Alberto Pasqualini, 1833” e apresentando como comprovante de endereço declaração de conta bancária fornecida pelo Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A. – BANRISUL, que registra seu endereço como sendo “Angelo Meneghini, 1822”, em Vista Alegre do Prata (ID 5989983), assim como extrato bancário eletrônico emitido pela mesma instituição financeira, em que consta o dia 5.02.200 como o de abertura da conta (ID 5990033).

No recurso, assim se pronunciou o partido político a respeito de MARILZA LORINI:

A eleitora aparece na lista de inscrições deferidas, com requerimento datado de 27 de abril de 2020, e endereço apresentado na Avenida Alberto Pasqualini 1833, no município de Vista Alegre do Prata.

Ocorre que a eleitora ora impugnada reside no município de  Veranópolis, juntamente com seu companheiro Cleiton Valle, este sim morava no município de Vista alegre do Prata.

Conforme documento probatório, extraído das redes sociais da impugnada fica claro que a mesma não reside em Vista Alegre do Prata, uma vez que no mesmo consta como residência Veranópolis;

(Grifei.)

Para sustentar sua alegação, o recorrente junta imagem de página da rede social Facebook em que MARILZA LORINI se apresenta como moradora de Veranópolis (ID 5988133).

Em contrarrazões, a recorrida argumenta o seguinte:

A impugnada Marilza Lorini possui vínculos familiares no município de Vista Alegre do Prata, pois, de acordo com o mencionado na inicial, seu companheiro e familiares residem neste município.

O companheiro da impugnada reside com seus pais neste município, sendo que esta passa a maior parte dos dias da semana em sua companhia, para tanto, junta-se aos autos comprovante da residência, a qual pertence a seu sogro, Adilson Antônio Valle, ou seja, a impugnada possui vínculo afetivo, patrimonial e familiar com o município.

Desse modo, os dois alternam entre os municípios de Veranópolis e Vista Alegre do Prata como residência.

Também, o vínculo patrimonial fica demonstrado por meio de declaração de propriedade de conta corrente, abaixo colacionado, qual demonstra que a mesma possui vínculo com este município, pois sua conta bancária é do Banco Banrisul, desta cidade.

Importante destacar que por mais que sua residência conste como sendo Veranópolis, a impugnada possui vínculo com esta cidade, bem como possui intenções de mudar-se definitivamente para este município, uma vez que retorna a Veranópolis, pois possui emprego naquele cidade, de onde retira seu sustento.

Por si só estes vínculos comprovam suficientemente o direito de a impugnada exercer o direito de voto no município de Vista Alegre Do Prata.

Portanto, a eleitora assevera que possui vínculos familiares em Vista Alegre do Prata, pois seu companheiro e familiares vivem nesse município. Sustenta, ainda, que passa a maior parte da semana na companhia de Cleiton Valle no município para o qual se pretende eleitora.

Como prova de suas alegações, a recorrida juntou aos autos conta de luz em nome de seu sogro, Adilson Antônio Valle, cujo endereço é Avenida Alberto Pasqualini, n. 1833 (ID 5991083).

Logo, tanto o recorrente quanto a recorrida convergem no sentido de que MARILZA LORINI e CLEITON VALLE constituem uma unidade familiar de maneira pública e contínua.

Em face disso, considero não haver fundamento para a conclusão da douta Procuradoria Regional Eleitoral de que não há nos autos comprovação de alegada união estável entre Marilza e Cleiton Valle. O fato se apresenta incontroverso, pairando dúvida apenas sobre o local de residência dos conviventes, se Veranópolis ou Vista Alegre do Prata.

Ora, consoante fixado acima, o conceito de domicílio no Direito Eleitoral é mais elástico e flexível que no Direito Civil, satisfazendo-se com a demonstração de vínculo político, econômico, social ou familiar com o município.

Nesse diapasão, os vínculos familiar e social de MARILZA LORINI com o município de Vista Alegre do Prata restaram suficientemente confirmados, porquanto é o local de residência da família de seu companheiro e segunda residência do casal.

De outra parte, conquanto não tenha sido esclarecido o motivo de o endereço de MARILZA LORINI no requerimento de transferência eleitoral (idêntico ao de seu sogro) ser diverso daquele que consta na declaração fornecida pelo BANRISUL, utilizada para comprovar endereço à Justiça Eleitoral, tenho que o fato não há de ser entendido em seu desfavor, até mesmo porque ambos os endereços localizam-se em Vista Alegre do Prata.

Em que pese à aludida imprecisão, o documento constitui-se como mais um elemento de prova de vínculo com o município. Ressalto, aliás, que o art. 65, § 1º, da Resolução TSE n. 21.538/03 possibilita que a prova de domicílio seja feita até mesmo pela apresentação de nota fiscal ou correspondência.

Aliás, esta Corte já se debruçou sobre hipótese análoga e entendeu configurado o vínculo afetivo com o município, por cidadã que alegara residir com a família de seu companheiro no respectivo endereço declarado à Justiça Eleitoral:

Recurso. Revisão do eleitorado. Domicílio eleitoral.

Configurada a regularidade da transferência da inscrição pois comprovado o domicílio eleitoral mediante a demonstração do vínculo afetivo do eleitor com o município.

Provimento.

(TRE-RS, RE n. 1526, Relator Des. Eleitoral Leonardo Tricot Saldanha, julgado em 10.7.2014, publicado em DEJERS, Tomo 123, de 16.7.2014, pp. 2-3.) (Grifei.)

No tocante à manifestação ministerial de que não teria sido comprovado o lapso temporal mínimo de três meses no novo domicílio, entendo que não se sustenta, a uma, porque a praxe em qualquer operação de transferência eleitoral é não se exigir do eleitor tal prova, a menos que haja fundada suspeita; a duas, porque a questão não foi aventada no recurso, logo, não havia motivo para a cidadã disso fazer prova em suas contrarrazões.

A propósito, trago à colação julgado do Tribunal Superior Eleitoral que anulou decisão de indeferimento de transferência eleitoral, com base em informação prestada pelo chefe de cartório que, após realização de diligência, refutou a veracidade da declaração de domicílio prestada pelo eleitor, sem que lhe tenha sido dada oportunidade de se defender e sanar eventuais omissões:

RECURSO ESPECIAL – TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO ELEITORAL – DECISÃO PROFERIDA SEM SER DADA OPORTUNIDADE AO REQUERENTE DE SE PRONUNCIAR SOBRE DILIGÊNCIA EFETUADA PARA COMPROVAR A VERACIDADE DAS DECLARAÇÕES – CERCEAMENTO DA AMPLA DEFESA.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(TSE, REspe 16.229—AL, Relator: Ministro Eduardo Alckmin, julgado em 16.5.2000, publicado no Diário da Justiça de 09.6.2000.)

Com essas considerações, tenho que não merece ser dado provimento ao recurso relativamente à eleitora MARILZA LORINI.

IV. ANGELINA FALENSKI SOSTER e ALBERTO SOSTER

Examina-se a situação em conjunto dos eleitores ANGELINA FALENSKI SOSTER e ALBERTO SOSTER, uma vez que se trata de cônjuges.

Em seus requerimentos de transferência eleitoral, cujo endereço foi anotado como sendo “Avenida Alberto Pasqualini”, os eleitores anexaram, além de imagem das carteiras de identidade, certidão de casamento (ID 5988583) e respectivas contas de telefone, em nome de Angelina (ID 5988933) e Alberto (ID 5988633), nas quais consta o seguinte endereço: Rua Bento Gonçalves, 7300, Interior, Vista Alegre do Prata.

Nas razões de seu recurso, a agremiação alega que os eleitores residem em Guaporé, não possuindo vínculo com o município de Vista Alegre do Prata. Ainda, sustenta que são os eleitores cunhados do presidente da Câmara de Vereadores e provável candidato nas próximas eleições, e que a transferência foi requerida exclusivamente para beneficiar este candidato. Junta aos autos imagem de página da rede social Facebook, relativamente a ALBERTO SOSTER, em que esse se apresenta como morador de Guaporé.

Em contrarrazões, afirmam-se como naturais de Vista Alegre do Prata, conforme pode ser observado a partir da certidão de casamento, e “proprietários” de imóvel localizado na região rural daquele município, de acordo com contrato de locação, onde passam os finais de semana e plantam grãos e vegetais. Asseveram, ainda, que Alberto é proprietário de jazigo no cemitério municipal de Vista Alegre do Prata, segundo comprovante de pagamento de taxa anual de manutenção, e, como apontado nas razões recursais, possui, entre seus parentes próximos, irmã residente em Vista Alegre do Prata, o que indica a presença de vínculo familiar com o município. Juntam certidão de casamento (ID 5990983), contrato de locação de imóvel (ID 5991183), fotografia da residência (ID 5991033) e boleto de taxa de cemitério emitida pela prefeitura de Vista Alegre do Prata (ID 59913333).

Diante do farto conjunto probatório, entendo, na esteira do parecer ministerial, sobejamente comprovados os vínculos patrimoniais, sociais e afetivos do casal com o município.

Restou demonstrado, pela certidão de casamento, que os eleitores são casados e que ambos são nascidos em Vista Alegre, 3º Distrito de Nova Prata, região cuja emancipação deu origem ao município de Vista Alegre do Prata.

Também, foi produzida prova de residência no município: contrato de locação, em que Alberto figura como locatário, com firma reconhecida em tabelionato, e contas de telefone com o mesmo endereço.

Por fim, foi comprovado, por boleto emitido pela prefeitura de Vista Alegre do Prata, que há cobrança de “taxa de cemitério” em nome do eleitor.

Não bastasse isso, consoante afirmado nas próprias razões recursais pelo partido, a irmã de Alberto reside em Vista Alegre do Prata, caracterizando a existência de vínculos familiares dos eleitores no município.

Por essas razões, nego provimento ao recurso também em relação a ANGELINA FALENSKI SOSTER e ALBERTO SOSTER.

Portanto, entendo que o conjunto probatório coligido aos autos permite demonstrar a existência de vínculos familiares, políticos, afetivos, sociais ou econômicos dos eleitores MARIA APARECIDA DE MOURA RAMINELLI, CRISTIANO RAMINELLI, WILLIAM FERNANDES PEREIRA, MARILZA LORINI, ANGELINA FALENSKI SOSTER e ALBERTO SOSTER com o município de Vista Alegre do Prata.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pelo PARTIDO SOCIAL LIBERAL – PSL de Vista Alegre do Prata, a fim de que seja mantido o deferimento de transferência da inscrição eleitoral de MARIA APARECIDA DE MOURA RAMINELLI, CRISTIANO RAMINELLI, WILLIAM FERNANDES PEREIRA, MARILZA LORINI, ANGELINA FALENSKI SOSTER e ALBERTO SOSTER para o município de Vista Alegre do Prata.