RE - 0600018-77.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/08/2020 às 14:00

VOTO

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo. A intimação da decisão ocorreu no dia 25.5.2020 (ID 6227983, 6227933 e 6227883) e o recurso foi interposto também no dia 25.5.2020 (ID 6228083), observando, portanto, o quinquídio previsto no art. 7.º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 6.996/82 e no art. 18, §§ 4º e 5º, da Resolução TSE n. 21.538/03.

Assim, igualmente preenchidos os demais pressupostos recursais, deve ser conhecido.

2. Preliminares

2.1. Nulidade da sentença

Analiso a preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação e por violação constitucional suscitada pelo Diretório Estadual do Cidadania.

E o faço tendo considerado os argumentos expostos pelo d. Procurador Regional Eleitoral, no sentido de que nem mesmo seria o caso de admissão, no presente feito, de um “assistente”, pois se trata de processo de natureza administrativa. Concordo, em termos absolutos.

Contudo, dada a amplitude da questão, e sobretudo para que não haja arestas de enfrentamento, por esta Corte, dos argumentos inseridos no bojo dos autos, entendo que uma rápida abordagem não fará mal ao esclarecimento dos fatos; antes, ao contrário, até mesmo porque a preliminar da agremiação tangencia ponto importante do expediente, o qual poderia ser conhecido de ofício.

De qualquer maneira, adianto que o partido não tem razão.

Gizo que, como exposto na própria decisão vergastada, predomina o entendimento de que, na origem, o “procedimento não é uma ação, onde se fala em legitimados e prescrição. Se trata de mero expediente administrativo de transferência de eleitor, que alterou seu domicílio”.

Assim, reproduzo trecho da sentença, tomando-o como razões de decidir (sem, ainda, abordá-las sob o aspecto do fundo de causa), litteris:

Este procedimento não é uma ação, onde se fala em legitimados e prescrição. Se trata de mero expediente administrativo de transferência de eleitor, que alterou seu domicílio.

É BEM CERTO que a parte pode ter mais de uma residência; mas domicílio é um só. É aquele onde se estabelece com laços de permanência.

No caso, o requerido não nega que tenha seu centro de interesses em Viamão e que pretende transferência para Porto Alegre a fim de viabilizar um projeto POLÍTICO de eleição. Não se trata, como se vê, de um mero cidadão que teve alterada sua vida.

ORA, se reside e tem seu principal centro de interesses em Viamão, não há justificativa plausível em querer transferir seu domicílio eleitoral, eis que radicado lá.

DITO ISSO, indefiro o pedido de transferência do eleitor.

Portanto, a decisão foi fundamentada, ainda que de forma concisa, trazendo os motivos pelos quais indeferia o requerimento.

Afasto a preliminar.

2.2. Ausência de legitimidade do impugnante

O recorrente JESSÉ argui a ilegitimidade do impugnante, ao defender que a impugnação de transferência somente poderia ser apresentada pelo Ministério Público Eleitoral, pelos delegados partidários definidos para o acompanhamento do processo de alistamento ou, extraordinariamente, por Comissão Executiva Municipal de partido político.

Entretanto, não assiste razão ao recorrente. Tal questão foi esclarecida no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, razão pela qual o reproduzo, adotando-o como razões de decidir:

O Código Eleitoral, no seu art. 57, refere que qualquer interessado poderá impugnar o pedido de transferência eleitoral. Ainda que se interpretasse restritivamente este dispositivo, é certo que, diante do interesse público inerente, qualquer pessoa poderia noticiar à Justiça Eleitoral fato que pudesse importar em indeferimento da transferência eleitoral. Ademais, ao contrário de feitos judiciais, em que o reconhecimento da ilegitimidade das partes, de regra, importa em extinção do feito sem resolução do mérito. Em se tratando de processo administrativo, como é o caso, independentemente da impugnação, haveria necessidade de decisão de mérito, deferindo ou não a transferência. Assim, eventual acolhimento da preliminar de ilegitimidade nesse caso não importaria em anulação ou reforma da decisão proferida

Afasto a prefacial.

2.3. Prescrição

Ainda, JESSÉ aponta como matéria preliminar a ocorrência de prescrição da impugnação, nos termos do art. 57 do Código Eleitoral.

Entretanto, igualmente não prospera a irresignação manifestada pelo recorrente, sobremodo porque não é possível aferir, nos presentes autos virtuais, a data de início de contagem do prazo de 10 dias, previsto no art. 57 do Código Eleitoral, qual seja, a publicação do requerimento de transferência. Ao alegar a prescrição, o recorrente haveria de comprovar o transcurso do prazo, ônus que lhe incumbia.

Ademais, há o argumento da efetividade da alegação de prescrição, como elucidado no parecer da PRE, pois, “mesmo que fosse reconhecida a preclusão do prazo de impugnação, não há que se falar em anulação ou reforma da sentença, pois o juiz deveria, independentemente de qualquer impugnação, proferir decisão de deferimento ou indeferimento do pedido de transferência”.

Assim, afasto a preliminar.

3. Mérito

O presente recurso questiona a decisão que indeferiu o requerimento de transferência de domicílio eleitoral de JESSÉ SANGALLI DE MELLO da cidade de Viamão para o município de Porto Alegre.

A matéria recebe tratamento nos arts. 18 e 65 da Resolução TSE n. 21.538/03, verbis:

Art. 18. A transferência do eleitor só será admitida se satisfeitas as seguintes exigências:

I – recebimento do pedido no cartório eleitoral do novo domicílio no prazo estabelecido pela legislação vigente;

II – transcurso de, pelo menos, um ano do alistamento ou da última transferência;

III – residência mínima de três meses no novo domicílio, declarada, sob as penas da lei, pelo próprio eleitor (Lei nº 6.996/1982, art. 8º);

IV – prova de quitação com a Justiça Eleitoral.

Art. 65. A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

Inicialmente, gizo que o domicílio eleitoral possui um conceito mais elástico do que o domicílio civil, admitindo-se a simples demonstração de vínculos de natureza afetiva, econômica, política, social ou comunitária entre o eleitor e o município, conforme já assentado na doutrina e na jurisprudência.

E, em análise ao conteúdo probatório presente nos autos, é possível constatar que o recorrente apresentou provas sobre a existência de seu vínculo (1) laboral com o município de Porto Alegre, por ser servidor público do TRT, lotado em Porto Alegre desde 2012, bem como trouxe prova de (2) residência nesta Capital, desde 23.3.2020. A tudo, acrescenta-se que JESSÉ (3) nasceu em Porto Alegre, de acordo com certidão de nascimento trazida aos autos.

Ou seja, o recurso merece provimento, pois discrepa, sob todos os ângulos, da jurisprudência sedimentada. Conforme o Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÃO 2012. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. DEFERIMENTO. DOMICÍLIO ELEITORAL. ABRANGÊNCIA. COMPROVAÇÃO. CONCEITO ELÁSTICO. DESNECESSIDADE DE RESIDÊNCIA PARA SE CONFIGURAR O VÍNCULO COM O MUNICÍPIO. PROVIMENTO. 1) Na linha da jurisprudência do TSE, o conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e se satisfaz com a demonstração de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes. 2) Recurso especial provido para deferir o registro de candidatura.

(TSE - REspe n. 37481 PB, Relator: Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, Data de Julgamento: 18.02.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 142, Data: 04.8.2014, pp. 28-29.) (Grifei.)

E este Tribunal, igualmente, admite provas que revelem relações das mais diversas com a localidade, tais como a associação recreativa local por tempo duradouro (RE n. 756, Santo Cristo - RS, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, Sessão: 30.8.2018) ou a residência dos sogros e cunhados no município (RE n. 2602, Relator: Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Sessão: 14.11.2017).

Merece destaque a decisão, cuja ementa segue, pois o vínculo admitido era unicamente o desportivo:

Recurso. Indeferimento de inscrição eleitoral. Falta de comprovação de domicílio. Art. 42, parágrafo único, do Código Eleitoral.

Vínculo do eleitor com o município de natureza exclusivamente desportiva. Prova documental comprovando o convívio social e a participação efetiva e costumeira do eleitor nos eventos desportivos da cidade.

O conceito de domicílio eleitoral é mais amplo do que a definição constante no Código Civil, abarcando, além da residência e moradia, os vínculos patrimoniais, afetivos, profissionais e sociais que o eleitor mantenha com o município.

Provimento.

(RE n. 2-27, Dom Pedro de Alcântara - RS, Relatora: Des. Eleitoral Maria de Fátima Freitas Labarèrre, Sessão: 01.4.2014, unânime.)

Logo, encontram-se presentes, com sobras, os elementos exigidos para a configuração do domicílio eleitoral do recorrente no município pretendido, cabendo sua transferência de domicílio eleitoral, nos moldes do art. 42, parágrafo único, do Código Eleitoral.

A título de desfecho, pontuo que descabem conjecturas ou afirmações sobre as pretensões eleitorais do recorrente para as eleições de 2020, ou relativas ao cargo atualmente exercido.

Explico.

De um lado, com olhos no passado, não há que se falar em condições de elegibilidade do cargo de vereador em Viamão, pois elas foram cumpridas há quatro anos, ao tempo e modo exigidos, analisadas que foram no momento de registro de candidatura.

E, sob prisma diverso, com olhos no futuro, fique claro: projetos pessoais de carreira política são legítimos, consubstanciam face importante do exercício dos direitos políticos, de jaez fundamental e, se acaso JESSÉ desejar exercer o ius honorum na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, tal circunstância é, no momento, periférica.

Dito de outro modo: preenchidos os pressupostos de transferência, transfira-se o eleitor, não importa se atualmente é vereador em uma cidade e deseja vir a ser em outra.

O TSE, há muito (o prazo de domicílio exigido ainda era de um ano) manifesta-se nesse sentido, com grifos que são meus:

[...]

“I – O senador por um estado pode, no curso do mandato, concorrer ao Senado por outro estado, desde que satisfaça, no prazo legal, as condições de elegibilidade nesse último. [...]” NE: “[...] ­Aperfeiçoada a transferência, a um ano antes da eleição visada, satisfaz-se a condição de elegibilidade atinente ao ‘domicílio eleitoral' (CF, art. 14, § 3º, IV). [...]”

Res. n. 20.864, de 11.9.2001. Relator Min. Sepúlveda Pertence.
 

Portanto, demonstrado o vínculo do recorrente no município pretendido, nos moldes do art. 65 da Resolução TSE 21.538/03, é de ser considerado seu domicilio eleitoral o município de Porto Alegre, a contar da data do requerimento.

A título de desfecho, friso: como o cadastro eleitoral encontra-se fechado no presente momento, com vistas às eleições de 2020, desde já é facultada, ao recorrente, a obtenção, junto ao Cartório da 1ª Zona Eleitoral de Porto Alegre, para a qual o domicílio eleitoral está sendo transferido, de certidão narratória das circunstâncias do presente expediente, para finalidade qualquer que pretenda.

Da mesma forma, torna-se fundamental a providência de o Juízo da 1ª Zona Eleitoral, assim que o cadastro de eleitores seja reaberto, regularizar a situação de domicílio do recorrente sem a necessidade de realização de pedido específico de parte do eleitor.

Antecipo que a providência (1) não possui caráter extra petita, dada a natureza eminentemente administrativa do feito e, ademais, (2) mostra-se, dadas as circunstâncias, a única via de efetividade da presente decisão.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para (a) deferir o pedido de transferência do domicilio eleitoral de JESSÉ SANGALLI DE MELLO para o município de Porto Alegre, a contar da data do requerimento; (b) determinar que a 1ª Zona Eleitoral regularize o domicílio do eleitor assim que seja reaberto o cadastro eleitoral, e (c) facultar, desde já, a obtenção de certidão narratória, de parte de JESSÉ, perante a 1ª Zona Eleitoral.