Cta - 0600293-29.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/08/2020 às 14:00

VOTO

1. PRELIMINAR

Examino, como matéria preliminar, a legitimidade ativa para a apresentação do requerimento.

De acordo com o art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral, compete aos Tribunais Regionais Eleitoras responder às consultas sobre matéria eleitoral que lhe forem feitas por autoridade pública ou partido político e tratarem sobre questão em tese:

Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:

 

(…)

 

VIII – responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político. (grifei)

 

No caso em apreço, apesar de a presente Consulta informar que os questionamentos estão sendo apresentados pelo partido político Republicanos, por seu órgão municipal na circunscrição de Porto Alegre/RS, o pedido informa que o partido está sendo representado em juízo pelo presidente da legenda, o Vereador de Porto Alegre José Amaro Azevedo de Freitas, o qual firmou o instrumento de mandato outorgado ao advogado que subscreve o requerimento (ID 6309333).

Por ter sido a Consulta apresentada em nome do partido, entendi inicialmente pela necessidade de retificação da autuação, que havia sido originalmente realizada em nome da pessoa física do presidente da agremiação, para que constasse, como parte consulente, aquela indicada na solicitação de consulta (ID 6515383).

A rigor, para aferição da legitimidade deveria ser considerada a parte indicada como consulente no requerimento que postula a autuação consultiva da Justiça Eleitoral.

O resultado dessa conclusão inicial acarretaria o não conhecimento da presente consulta, pois este Tribunal tem pacífico entendimento no sentido de que o órgão municipal de partido político é entidade que não possui legitimidade para acionar o poder consultivo da Justiça Eleitoral. O TRE-RS reconhece apenas aos diretórios estaduais das agremiações partidárias a possibilidade de atuar perante Tribunais Regionais Eleitorais (CTA 14776, Rel. Des. El. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DEJERS 12.9.2016; CTA 7526, Rel. Des. El. Hamilton Langaro Dipp, DEJERS 19.6.2015).

Ocorre que a procuração ao advogado que atua no feito foi outorgada pelo Vereador José Amaro Azevedo de Freitas, o qual integra a executiva do partido na condição de presidente, e o documento confere ao patrono poderes para o foro em geral, e também o específico de “solicitar consulta em matéria de direito eleitoral ao Egrégio Tribunal Regional do Rio Grande do Sul”, evidenciando que houve equívoco na formulação do requerimento.

A questão ganha relevo porque, no ano de 2016, nos autos da Consulta CTA 137-66, o TRE-RS firmou entendimento de que os detentores do cargo eletivo de vereador são considerados autoridades públicas para acionar a competência consultiva desta Corte, passando a entender, desde então, pela legitimidade de parlamentares municipais para formularem Consultas eleitorais:

Consulta. Indagação acerca da possibilidade de veículo adesivado permanecer circulando na rua. Eleições 2016.

Não obstante o consulente, vereador, enquadrar-se no conceito de autoridade pública, a formulação em tela descreve situação concreta evidente, o que impede o conhecimento da consulta. Inobservância do requisito objetivo, previsto no art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral.

Não conhecimento.

(TRE-RS, Consulta n. 137-66, Acórdão de 25.01.2015, DEJERS 27.1.2016, Rel. Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, DEJERS 27.1.2016) (grifei)

 

Consulta. Vereador. Prazo de desincompatibilização de servidor público. Eleições 2016. Questionamentos elaborados de modo genérico e por autoridade pública. Requisitos objetivos e subjetivos atendidos, à luz do disposto no art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral. Os servidores públicos devem se afastar do exercício de seus cargos nos três meses anteriores ao pleito, conforme previsão contida na Lei Complementar n. 64/90. As inovações introduzidas pela Lei n. 13.165/15, modificando o período em que realizadas as convenções partidárias, não geram reflexos nos prazos de desincompatibilização. Na condição de pré-candidato, o requerimento de afastamento junto à Administração Pública deverá ser instruído com certidão expedida pelo partido, atestando a aptidão para participar da convenção da sigla. Garantida a percepção dos vencimentos integrais durante o afastamento, ficando a licença condicionada à aprovação da candidatura pela agremiação. Preservados, todavia, caso não seja escolhido, os proventos recebidos desde o afastamento até a convenção, desde que demonstrada a efetiva participação.

Conhecimento.

(TRE-RS, Consulta n. 8888, ACÓRDÃO de 14/07/2016, Relator DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 127, Data 15/07/2016, Página 4) (grifei)

 

Diante dessa divergência entre requerimento e instrumento de mandato, se o presente expediente se tratasse de uma ação judicial propriamente dita, a qual é ajuizada por intermédio de petição inicial, a questão seria facilmente resolvida com a intimação do requerente para que emendasse a inicial adequando o polo ativo da demanda ao outorgante da procuração apresentada, ou regularizasse a sua representação processual mediante juntada de instrumento de mandato do partido ao advogado que atua no feito, conforme prescrevem os arts. 319 e 76 do CPC, respectivamente.

Contudo, descabe a determinação de emenda à inicial para correção da parte requerente, uma vez que o presente expediente não se caracteriza como processo judicial, pois a natureza jurídica das consultas eleitorais consiste em “exercício de competência materialmente administrativa” (Silveira, José Neri da. Aspectos do Processo Eleitoral, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 60).

Os pedidos de Consulta perante os Tribunais Eleitorais são formalizados por simples requerimento, e não por intermédio da formação de um processo judicial, dado que a atividade consultiva desta Justiça Especializada, apesar de não possuir natureza puramente jurisdicional, trata-se de “ato normativo em tese, sem efeitos concretos, por se tratar de orientação sem força executiva com referência a situação jurídica de qualquer pessoa em particular” (STF, RMS 21185, Rel. Moreira Alves, DJ 22.2.1991).

E, não sendo este expediente uma ação judicial, não há formação de contraditório, pois conforme leciona Torquato Jardim, a manifestação da Justiça Eleitoral em consultas que lhe são dirigidas reflete “um entendimento prévio posto em situação abstrata, nas quais ausente qualquer defesa ou contraditório ou publicidade, requisitos essenciais ao due process da sentença judicial, ainda que palavra motivada” (Jardim, Torquato. Direito Eleitoral Positivo. 2. ed. Brasília: Editora/Brasília Jurídica, 1998, p. 184).

Com efeito, a resposta dada pelos Tribunais Eleitorais às consultas que lhe são formuladas se materializa na forma de resolução “até mesmo porque de acórdão – que é ato de jurisdição dos tribunais – não se trata” (Zilio, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5.ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 36).

Não é só.

No presente momento, na hipótese de não conhecimento desta Consulta, a indagação não poderá ser reapresentada por qualquer parte legitimada, diante do entendimento consolidado no sentido de que não se conhecem de Consultas formuladas quando já iniciado o período de incidência da norma (TRE-RS, CTA 12093, Rel.: Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, DEJERS 24.8.2016).

Daí porque, em virtude das peculiaridades do caso concreto e das consequências jurídicas levadas a cabo por eventual decisão pelo não conhecimento do feito por ilegitimidade de parte, entendo, por força do princípio da razoabilidade, aqui entendido como critério de justiça, que o equívoco do requerente ao redigir o pedido de consulta pode ser relevado, considerando-se como parte, neste específico expediente, a pessoa indicada na procuração juntada ao feito, in casu, o Vereador de Porto Alegre José Amaro Azevedo de Freitas.

Afigura-se razoável, na hipótese dos autos, compreender a autoridade pública do vereador como parte consulente, tendo presente a ideia de que “O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça” (Barroso, Luis Roberto. Os princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade no Direito Constitucional. In: BDA, Boletim de Direito Administrativo, Mar/1997, p. 159. Disponível em <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4865485/mod_resource/content/3/Os%20princ%C3%Adpios%20da%20razoabilidade%20e%20da%20proporcionalidade%20no%20direito%20constitucional.pdf.pdf>. Acesso em 13.8.2020).

Com esses fundamentos, entendo que deve ser considerado como consulente o Vereador de Porto Alegre José Amaro Azevedo de Freitas, e torno sem efeitos o despacho que determinou a retificação da autuação, devendo o mandatário ser mantido como parte.

Por fim, verifico que as demais condições para o conhecimento da consulta foram preenchidas, pois as perguntas trazidas à apreciação versam sobre matéria eleitoral e foram formuladas em tese, sem contornos de caso concreto, com temática até o momento não respondida pelo TSE ou por este Tribunal.

Ante o exposto, VOTO, preliminarmente, pelo conhecimento da Consulta, e torno sem efeitos o despacho do ID 6515383, de determinação de retificação da autuação, para manter como parte consulente o Vereador de Porto Alegre José Amaro Azevedo de Freitas.

Destaco.

 

2. MÉRITO

No mérito, analiso as indagações.

 

1) No caso de um pré-candidato “X”, de um município qualquer “Y”, que seja apresentador de uma rádio com sede em um país limítrofe ao Brasil e não tenha se desincompatibilizado de suas funções conforme o artigo 1º, § 1º, inciso I, da Emenda Constitucional n. 107/2020, e é retransmitida em cidade brasileira em que será candidato, esse candidato estaria infringindo a legislação eleitoral?

 

O primeiro questionamento trata de conduta disciplinada pelo art. 45, § 1º, da Lei n. 9.504/1997, que dispõe sobre a vedação a que emissoras de rádio e televisão transmitam programa apresentado ou comentado por pré-candidato a partir de 30 de junho do ano da eleição, sob pena de multa de cancelamento do registro da candidatura do beneficiário, verbis:

Art. 45. Encerrado o prazo para a realização das convenções no ano das eleições, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e em seu noticiário:

 

(Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

 

(...)

 

§ 1º A partir de 30 de junho do ano da eleição, é vedado, ainda, às emissoras transmitir programa apresentado ou comentado por pré-candidato, sob pena, no caso de sua escolha na convenção partidária, de imposição da multa prevista no § 2º e de cancelamento do registro da candidatura do beneficiário.

 

(…)

 

§ 2º Sem prejuízo do disposto no parágrafo único do art. 55, a inobservância do disposto neste artigo sujeita a emissora ao pagamento de multa no valor de vinte mil a cem mil UFIR, duplicada em caso de reincidência. (grifei)

 

Assim, nada obstante a questão tenha sido apresentada em termos amplos, questionando sobre a infringência de determinada atuação de pré-candidato perante toda a legislação eleitoral, será considerada, para a resposta, a hipótese de incidência específica do prazo previsto no art. 45, § 1º, da Lei n. 9.504/1997.

Além disso, embora a pergunta mencione que a situação é afeta ao instituto da desincompatibilização, segundo o Tribunal Superior Eleitoral “A regra contida no § 1º do art. 45 da Lei 9.504/97, que impede a transmissão de programas apresentados ou comentados por pré-candidatos a partir do dia 30 de junho, não caracteriza hipótese de inelegibilidade (ou desincompatibilização) nem significa ausência de condição de elegibilidade”, tratando-se, tão somente de hipótese de ilícito eleitoral (TSE, RESPE 10196, Rel. Henrique Neves da Silva, DJE 6.3.2017).

Isso porque, por desincompatibilização compreende-se a desvinculação do cargo, emprego ou função públicos ocupado pelo pré-candidato, no prazo legal, a fim de viabilizar a candidatura (Gomes, José Jairo. Direito Eleitoral. 14.ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 338).

Além disso, via de regra, os prazos de desincompatibilização estão previstos na Lei de Inelegibilidades, Lei Complementar n. 64/1990, e o art. 45, § 1º, da Lei n. 9.504/1997 não se trata de regra de desincompatibilização, mas de regra de afastamento prevista na Lei das Eleições, espécie de “ilícito eleitoral que se assemelha as condutas vedadas do artigo 73 da Lei nº 9.504/97” (TSE, RESPE 1500320166090085, Rel. Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Publicado no Mural 14.10.2016).

Em verdade, são as emissoras de rádio e televisão que estão impedidas de transmitir, a partir de 30 de junho do ano do pleito, programa apresentado ou comentado por pré-candidato, sob pena de multa e de cancelamento do registro de candidatura do beneficiário.

Nessa direção, de acordo com o dispositivo em comento, a data limite prevista na Lei das Eleições para afastamento de pré-candidatos da atividade de apresentador ou comentarista de emissora de rádio ou televisão é, originalmente, o dia 30.6.2020.

Contudo, diante da pandemia provocada pelo novo coronavírus e a doença por ele causada, covid-19, o Calendário Eleitoral sofreu alterações trazidas pela Emenda Constitucional n. 107/2020, a qual adiou em 42 dias a data das eleições municipais de 2020, prevista em primeiro turno para 4 de outubro, e em segundo turno para 25 de outubro, estabelecendo novas datas de votação, respectivamente, 15 e 29 de novembro.

A Emenda Constitucional n. 107/2020 estabeleceu a prorrogação de diversos prazos, inclusive o previsto no § 1º do art. 45 da Lei n. 9.504/1997, postergando-o em 42 dias para o dia 11.8.2020, conforme disposto no seu art. 1º, § 1º, inc. I:

Art. 1º As eleições municipais previstas para outubro de 2020 realizar-se-ão no dia 15 de novembro, em primeiro turno, e no dia 29 de novembro de 2020, em segundo turno, onde houver, observado o disposto no § 4º deste artigo.

 

§ 1.º Ficam estabelecidas, para as eleições de que trata o caput deste artigo, as seguintes datas:

 

I – a partir de 11 de agosto, para a vedação às emissoras para transmitir programa apresentado ou comentado por pré-candidato, conforme previsto no § 1º do art. 45 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997; (grifei)

 

(…)

 

§ 2º Os demais prazos fixados na Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, e na Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, que não tenham transcorrido na data da publicação desta Emenda Constitucional e tenham como referência a data do pleito serão computados considerando-se a nova data das eleições de 2020.

 

Nesse sentido, quanto ao primeiro questionamento, a data a ser considerada para o dia do afastamento do pré-candidato apresentador ou comentarista de programa de rádio ou televisão é 11.8.2020, sendo o dia 10.8.2020 o último dia para atuação nessa função.

Parte da doutrina entende que na data da entrada em vigência da EC n. 107/2020, dia 3.7.2020, o pré-candidato apresentador ou comentarista de emissora já deveria estar afastado a contar de 30.6.2020, nos termos do art. 45, § 1º, da Lei n. 9.504/1997, e que a EC n. 107/2020 tornou possível o retorno ao exercício a essas funções, a contar de 3.7.2020, mantido o dever de observância do novo prazo, dia 11.8.2020.

Esse raciocínio, relativo à manutenção do dever de afastamento da função de comentarista ou apresentador em 30.6.2020 ainda que prorrogada a vedação para o dia 11.8.2020, consta de recente estudo nominado “EC n. 107/2020: breves comentários” produzido por Rodrigo López Zilio e Edson de Resende Castro (disponível em: <https://ava.tre-rs.jus.br/ejers/mod/resource/view.php?id=5001>. Acesso em 7.8.2020):

A regra que vedava às emissoras de rádio e televisão transmitir programa apresentado ou comentado por pré-candidato a partir de 30 de junho (art. 45, § 1º, da LE) foi expressamente modificada pelo inciso I do § 1º do art. 1º da EC nº 107/2020 e, agora, a proibição ocorre “a partir de 11 de agosto”. Destaca-se que o novo dispositivo passou a vigorar somente a partir do dia 03 de julho de 2020, quando os apresentadores e comentaristas pré-candidatos já deveriam estar afastados de tais funções, por força da regra então aplicável. Daí que, como dito, os apresentadores ou comentaristas de programa de rádio e televisão que pretendam concorrer a mandato eletivo devem ter deixado de exercer essa atividade no dia 29 de junho (observando o § 1º do art. 45 da LE, única disciplina naquele momento) e, diante do novo texto constitucional, podem retomá-la em 03 de julho (data da vigência da EC), para novamente cessar essa atividade no dia 10 de agosto do ano eleitoral, desta vez para cumprir a exigência do art. 1º, § 1º, I, da EC nº 107/2020. Desse modo, a conduta aqui apontada – permanência do apresentador ou comentarista no ar – ganha o status de ilícito no período compreendido entre 30 de junho e 02 de julho e, após, a partir de 11 de agosto. Assim, a contrario sensu, a atividade de apresentador ou comentarista com pretensão de concorrer a mandato eletivo pode ser exercida entre os dias 03 de julho e 10 de agosto de 2020, sem embargo do período antecedente a 29 de junho (inclusive). Caso eventualmente o pretenso candidato tenha exercido a atividade no período proibido anterior à redação da emenda constitucional (ou seja, a partir de 30 de junho e até 02 de julho), resta configurada a infração ao § 1º do art. 45 da LE. Nesse contexto, a sanção é imposta para a respectiva emissora (multa de vinte a cem mil UFIRs), além de possível cancelamento do registro do candidato se escolhido em convenção. No ponto, se a infração imputada à emissora tem um caráter objetivo, ressalva-se que o TSE tem estabelecido um juízo de proporcionalidade para concretizar o cancelamento do registro nessa hipótese (REspe nº 10196 /GO – j. 14.02.2017).

 

Em contraponto, Fernanda Caprio e Araré Carvalho referem que “Adiadas as eleições, o afastamento de comentaristas, jornalistas, apresentadores de programas de TV e Rádio ganhou prazo para afastamento até 11/08/2020” (Eleições 2020 - O quadro é de incertezas, marca registrada das últimas campanhas eleitorais. Artigo publicado no Jornal Estadão, no Blog Legis-Ativo, edição de 9.7.2020. Disponível em <https://politica.estadao.com.br/blogs/legis-ativo/o-quadro-e-de-incertezas-marca-registrada-das-ultimas-campanhas-eleitorais/ >. Acesso em 11.8.2020).

Como se vê, a matéria, além de se apresentar controvertida, envolve a possibilidade de cancelamento do registro da candidatura do beneficiário e a pesada multa de vinte mil a cem mil UFIRs, no valor de R$ 21.282,00 a R$ 106.410,00, duplicada em caso de reincidência.

Para melhor analisar o tema, debrucei-me sobre os documentos que revelam a intenção legislativa subjacente à promulgação da EC n. 107/2020, e constatei que toda a tramitação da proposição junto às Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, não deixa dúvidas sobre o intuito de que os prazos doravante fixados na PEC n. 18/2020 atuassem em substituição aos originariamente previstos na Lei das Eleições.

No Senado Federal, onde a PEC n. 18/2020 teve iniciada a sua tramitação, o Parecer de Plenário do Relator, Senador Weverton Rocha Marques de Sousa, informa que “Do ponto de vista de mérito, além da mudança da data original prevista, buscou-se detalhar os prazos do calendário eleitoral com referência na nova data da eleição, fazendo as adaptações necessárias” (https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8124584&ts=1597087180804&disposition=inline).

Durante a tramitação, o Senador Weverton concedeu entrevista à Agência Senado afirmando “Segundo as novas datas estabelecidas pela PEC, que ainda precisa ser referendada pela Câmara dos Deputados antes de ser promulgada, as emissoras podem transmitir programas apresentados ou comentados por pré-candidatos até 11 de agosto. A partir dessa data, a transmissão fica proibida (hoje, esse prazo é 30 de junho)” (PEC adia eleição mas mantém prazos eleitorais, esclarece Weverton. Matéria publicada pela Agência Senado em 24.6.2020. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/06/24/pec-adia-eleicao-mas-mantem-prazos-eleitorais-esclarece-weverton >. Acesso em 11.8.2020).

Na Câmara dos Deputados, por sua vez, o Parecer de Plenário do Relator, Deputado Federal Jhonatan de Jesus, aponta que, na PEC n. 18/2020 “São definidos novos prazos, ainda, para vedação à transmissão por emissoras de programa apresentado ou comentado por pré-candidato (a partir do dia 11 de agosto)” (https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1909251&filename=PPP+1+CCJC+%3D%3E+PEC+18/2020+%28Fase+1+-+CD%29).

E, tão logo publicada a EC n. 107/2020, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Luís Roberto Barroso, expediu comunicado, datado de 3.7.2020, destacando que o Congresso alterou de forma expressa algumas datas importantes e indicou que as demais datas seriam prorrogadas de forma proporcional (http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/comunicado-da-presidencia-do-tse/rybena_pdf?file=http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/comunicado-da-presidencia-do-tse/at_download/file).

Antes disso, em 30.6.2020, o TSE divulgou notícia em seu site de internet informando que, a partir daquela data, emissoras de rádio e televisão não poderiam transmitir programa apresentado ou comentado por pré-candidatos, mas que “Esse prazo é fixado pelo calendário vigente. Entretanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) destaca que o Congresso Nacional discute uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre a possibilidade de adiamento das eleições devido à pandemia causada pelo novo coronavírus, e que outras datas podem ser afetadas” (http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Junho/programas-de-radio-e-tv-apresentados-por-pre-candidatos-nao-podem-ser-transmitidos-a-partir-desta-terca-feira-30 ).

Posteriormente, em 11.8.2020 o TSE publicou novamente a notícia em tela, indicando que naquela data pré-candidatos apresentadores de rádio e TV deviam se afastar dos seus programas, e que o prazo “consta do calendário eleitoral, adaptado com a promulgação da EC 107/2020, que adiou o pleito para novembro” (http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Agosto/eleicoes-2020-pre-candidatos-apresentadores-de-radio-e-tv-devem-se-afastar-dos-seus-programas-a-partir-desta-terca-11).

Por fim, a minuta da Instrução n. 0600740-36.2019.6.00.0000, que altera o Calendário Eleitoral das eleições 2020 para deixá-0lo em conformidade com a Emenda Constitucional n. 107/2020, processo que tramita no TSE sob n, 0601270-06.2020.6.00.0000, suprime, da data de 30.6.2020, a vedação relativa ao art. 45, § 1o, da Lei n. 9.504/1997, que a qual consta somente indicada no dia 11.8.2020.

Desse contexto se extrai que não subsiste, após a publicação da EC n. 107/2020, o dever de observância do prazo de afastamento marcado para 30.6.2020 pelo § 1º do art. 45 da Lei n. 9.504/1997, devendo ser considerado, exclusivamente, o dia 11.8.2020, previsto no art. 1º, § 1º, inc. I, da EC n. 107/2020.

Penso que a conclusão pela manutenção do dever de observância de afastamento da função de comentarista ou apresentador no dia 30.6.2020 somente poderia ser extraída caso o § 1º do art. 45 da Lei n. 9.504/1997 se tratasse de desincompatibilização. Para essa hipótese, a EC n. 107/2020 prevê expressamente, no seu art. 1o, § 3o, inc. VI, al. “b”, que os prazos vencidos são considerados preclusos, vedada a reabertura:

Art. 1º (…)

 

(...)

 

§ 3º Nas eleições de que trata este artigo serão observadas as seguintes disposições:

 

(…)

 

IV - os prazos para desincompatibilização que, na data da publicação desta Emenda Constitucional, estiverem:

 

a) a vencer: serão computados considerando-se a nova data de realização das eleições de 2020;

 

b) vencidos: serão considerados preclusos, vedada a sua reabertura;

 

Todavia, não sendo o afastamento em questão uma modalidade de desincompatibilização, descabe aplicar interpretação extensiva de norma sancionatória, tal como ocorre quanto aos prazos para desincompatibilização que estavam vencidos quando da publicação da EC n. 107/2020, para dizer que mesmo após a vigência da EC n. 107/2020, o prazo estabelecido no § 1º do art. 45 da Lei n. 9.504/1997 para 30.6.2020 permaneceu devendo ser respeitado pelos pré-candidatos apresentadores ou comentaristas.

Então, para as eleições de 2020, o pré-candidato apresentador ou comentarista de programa de rádio ou televisão deve se afastar de suas funções somente até 11.8.2020, sendo o dia 10.8.2020 o último prazo para atuação nessa condição, sob pena de, no caso de sua escolha em convenção partidária, estar sujeito ao cancelamento do registro de candidatura e ao pagamento de multa, podendo, ainda, a emissora ser também condenada à pena de multa, nos termos do art. 45, § 2º, da Lei n. 9.504/1997.

Como bem asseverado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, tal norma busca impedir que os futuros candidatos usem da influência que suas funções como apresentador ou comentarista de rádio ou televisão lhes proporcionam para conquistar votos, de modo a manter hígido o equilíbrio que deve nortear a competição eleitoral.

Nesse sentido, colaciono precedente do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. REPRESENTAÇÃO. PEDIDO DE REFORMA DE DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE. CONFIGURAÇÃO DE ILÍCITO ELEITORAL AFASTADO.

1. A partir de 30 de junho do ano da eleição, é vedado, ainda, às emissoras transmitir programa apresentado ou comentado por pré-candidato, sob pena, no caso de sua escolha na convenção partidária, de imposição da multa prevista no § 2º e de cancelamento do registro da candidatura do beneficiário (§ 1º do art. 45 da Lei nº 9.504/97);

2. A obrigação de não apresentação de programas, por pré-candidato, a partir de 30 de junho, busca prevenir o abuso do exercício profissional, a fim de se evitar vantagens e privilégios não ostentados pelos candidatos que, por ventura, venha a ser escolhidos para concorrer ao pleito eleitoral, permitindo que a vontade do eleitor não seja conspurcada pelo apresentador do programa.

3. A apresentação de um único programa no dia 30.06.2016 – primeiro dia da regra proibitiva – despido de conotação de caráter eleitoreiro, não possui potencialidade lesiva suficiente para macular o pleito e desequilibrar as forças, mormente, no caso em que não havia nem mesmo candidatos escolhidos, já que as convenções só ocorreram no período de 20 de julho a 05 de agosto de 2016 (art. 8º da Lei nº 9.504/97) e a propaganda eleitoral teve início a partir de 16 de agosto de 2016 (art. 36 da Lei das Eleições), portanto, mais de 45 dias após a veiculação do programa pelos recorrentes.

4. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade pra afastar a configuração de ilícito eleitoral ao caso concreto.

5. Recurso conhecido e provido.

(TSE, RESPE: 3316120166270001 Araguaína/TO 90192016, Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Data de Julgamento: 04/09/2017, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico – 06/09/2017 – Página 16-20)

 

Por fim, cumpre referir que o fato da sede de a emissora de rádio ou de televisão estar localizada em outro país por si só não afasta a imposição legal.

De acordo com a melhor interpretação extraída da teleologia normativa, a vedação alcança o pré-candidato que atua em programa que estiver sendo transmitido no Brasil, ainda que gravado fora do país, pois o afastamento da proibição, nessa hipótese, inviabilizaria o cumprimento da própria finalidade da norma.

Com esse raciocínio, cito dois julgados, o primeiro, oriundo do TRE-MS, e o segundo desta Corte, nos quais se assenta a competência da Justiça Eleitoral para apreciar propaganda eleitoral por intermédio de entrevista em emissora de rádio situada em cidade fronteiriça, em território estrangeiro, com repercussão no Brasil:

E M E N T A - RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA. PLEITO MUNICIPAL. ENTREVISTA DE CANDIDATO EM EMISSORA DE RÁDIO NO ESTRANGEIRO (PAÍS VIZINHO). REPERCUSSÃO ELEITORAL NO BRASIL. COMPETÊNCIA DESTA JUSTIÇA ELEITORAL. NÃO INGERÊNCIA NA SOBERANIA NACIONAL. PUBLICIDADE IRREGULAR. TIPICIDADE. Esta Justiça Eleitoral é competente para apreciar o feito que tem por objeto publicidade eleitoral feita através de entrevista em emissora de rádio situada em cidade fronteiriça, em território estrangeiro, ante a repercussão, no Brasil, da transmissão radiofônica, não afrontando a soberania do país vizinho ou mesmo a vedação de interferência em meio de comunicação situada naquele país. Em face de entrevista concedida, por candidatos, em rádio de país estrangeiro, não se aplica o art. 45, § 2.º, da Lei n.º 9.504/97. No entanto, não há como haver como atípica a conduta a ficar sem reprimenda, sob pena de encorajar que fatos dessa natureza se multipliquem ante a certeza de impunidade, afetando a lisura e a equidade do pleito eleitoral. A natureza da publicidade veiculada, através de meio de comunicação em país vizinho, estrangeiro, deve ser analisada à luz da legislação eleitoral. Nos termos do art. 45 da Lei n.º 9.504/97, às emissoras de rádio e televisão, desde o dia 1.º de julho, está vedada veicular propaganda política (inciso IV), exceto o programa eleitoral gratuito autorizado pelo art. 44 da mesma lei. E, sabendo que no Brasil não poderia assim proceder, o candidato utilizou-se, indevidamente, de emissora de rádio em país vizinho, visando, pois, fazer publicidade a seu bel prazer, despreocupando-se com a devida observação do regramento pertinente, diante do que, sob pena de tornar uma ilicitude desprovida de sanção, entender pela prática de propaganda irregular, a incidir o art. 36, § 3.º, da Lei n.º 9.504/97.Precedente: Acórdão n.º 7.525/2012.

(TRE-MS - RE: 32487 MS, Relator: ARY RAGHIANT NETO, Data de Julgamento: 04/12/2012, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eleitoral, Tomo 722, Data 12/12/2012, Página 17) (grifei)

 

Recurso. Representação. Entrevista em emissora de rádio situada em cidade fronteiriça, em território estrangeiro. Propaganda eleitoral extemporânea. Procedência em relação a um dos representados. Afastamento da lide da recorrente não condenada, por não se verificarem, no tocante a ela, os pressupostos previstos no art. 499 do Código de Processo Civil. Desconsideradas, por conseqüência, as prefaciais argüidas por essa recorrente. Rejeitada preliminar de incompetência da Justiça brasileira para apreciar o feito, ante a repercussão, no Brasil, da transmissão radiofônica originada no país vizinho. Não constitui propaganda irregular, à luz da Resolução TSE n. 22.784/08, a realização de entrevistas com pré-candidatos. Provimento

(TRE-RS - RREP: 59 RS, Relator: DRA. LÚCIA LIEBLING KOPITTKE, Data de Julgamento: 14/10/2008, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 14/10/2008) (grifei)

 

Estabelecidas essas premissas, tem-se que a resposta à pergunta é afirmativa, ou seja, a situação narrada caracteriza infringência ao art. 45, § 1º, da Lei n. 9.504/1997 c/c art. 1°, § 1°, inc. I, da EC n. 107/2020, uma vez que o pré-candidato, apresentador ou comentarista, que não se afastar da realização de programas em rádio e televisão transmitidos no Brasil, no prazo de até 11.8.2020, estará sujeito, no caso de sua escolha em convenção partidária, ao cancelamento do registro da sua candidatura e ao pagamento de multa, sujeitando-se a emissora à penalidade prevista no § 2o do art. 45, da Lei n. 9.504/1997.

 

2) Caso esse mesmo candidato “X”, de um município qualquer “Y”, que é apresentador de rádio com sede em um país vizinho/limítrofe ao Brasil, tendo se desincompatibilizado de suas funções de radialista conforme determina o artigo 1º, § 1º, inciso I, da Emenda Constitucional n. 107/2020, mas que continuasse a realizar publicidade comercial de produtos e serviços ele estaria infringindo a legislação eleitoral?

 

A segunda indagação relaciona-se com a primeira pergunta e também apresenta questão em termos amplos, questionando sobre a infringência de determinada conduta perante toda a legislação eleitoral.

Destarte, considerando que a dúvida trata de publicidade comercial, será analisada especificamente e tão somente a incidência do art. 36-A da Lei n. 9.504/1997 na hipótese levantada, dispositivo que disciplina a realização de propaganda antecipada em ano de eleição por parte de pré-candidatos.

Isso porque, falece o atributo da objetividade no questionamento formulado, diante das variadas ilações que da pergunta se irradiam, a recomendar que a análise de demais situações seja efetuada caso a caso.

Conforme diretriz jurisprudencial do TSE, “os parâmetros para o conhecimento das consultas devem ser extremamente rigorosos, sendo imprescindível que os questionamentos sejam formulados em tese e, ainda, de forma simples e objetiva, sem que haja a possibilidade de se dar múltiplas respostas ou estabelecer ressalvas (Cta n. 93-37, Rel. Min. Marco Aurélio, Redator para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 30.9.2015).

No caso em apreço, verifiquei não haver disposição no art. 36-A da Lei n. 9.504/1997 proibindo que um pré-candidato realize publicidade comercial de produtos e serviços em emissora de rádio com sede em um país vizinho/limítrofe ao Brasil.

Logicamente, e nos exatos termos da resposta à primeira pergunta, a realização da publicidade, por parte do pré-candidato, não pode se dar na condição de apresentador ou comentarista do programa comercial.

Contudo, em respeito ao princípio da legalidade, não há óbice, frente ao art. 36-A da Lei n. 9.504/1997, para o pré-candidato apresentador ou comentarista, afastado dessas funções, continuar realizando publicidade comercial de produtos e serviços no rádio ou na televisão.

Oportunamente, colaciono precedentes que tratam de hipóteses semelhantes à ora examinada:

ELEIÇÕES 2016 - PROPAGANDA EXTEMPORÂNEA - ARTIGO 36-A DA LEI Nº 9.504/97 - PUBLICIDADE LOCAL IMPRESSA CONTENDO O NOME DE CANDIDATO - INFRAÇÃO NÃO CONFIGURADA - PROPAGANDA QUE VISA APENAS A PROMOÇÃO COMERCIAL DE PRODUTO QUE SE ANUNCIA - RECURSO DESPROVIDO. 1. O anúncio comercial de produto ou serviço, ainda que o nome coincida com o nome de pré-candidato, não configura propaganda eleitoral antecipada, eis que desprovida de qualquer intenção de pedido de votos. 2. Recurso conhecido e desprovido.

(TRE-PR, RE: 25786 CAMPO LARGO – PR, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 06/09/2016, Data de Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 06/09/2016) (grifei)

 

RECURSO ELEITORAL. DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES. CARGO. PREFEITO. ELEIÇÃO MAJORITÁRIA. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA/ANTECIPADA. REPRESENTAÇÃO. PEDIDO DE APLICAÇÃO DE MULTA. AUTODECLARAÇÃO DE PRÉ-CANDIDATURA EM PROGRAMA DE RÁDIO. PRESENÇA DE PRÉ-CANDIDATO EM EVENTO DE DIVULGAÇÃO DE PRODUTOS EM SUA ATUAÇÃO COMERCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DE PROPAGANDA EXTEMPORÂNEA. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO DE VOTO OU DE OUTROS ELEMENTOS QUE CARACTERIZEM PROPAGANDA ELEITORAL EM PERÍODO VEDADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. A autodeclaração de pré-candidatura em um programa de rádio e sua presença pessoal em eventos de divulgação de produtos em sua atividade comercial não caracterizam propaganda eleitoral extemporânea, diante da inexistência de pedido expresso de voto ou de quaisquer outros elementos que possam caracterizar difusão de propaganda eleitoral em período vedado. A mudança legislativa implementada na Lei das Eleicoes, através do art. 36-A, tornou mais flexível o conceito de propaganda extemporânea ou antecipada, permitindo a divulgação da condição de pré-candidato, desde que não haja o pedido explícito de votos. Manutenção da sentença recorrida que julgou improcedente o pedido contido na inicial. Desprovimento do recurso.

(TRE-RN - RE: 12794 CEARÁ-MIRIM - RN, Relator: BERENICE CAPUXU DE ARAÚJO ROQUE, Data de Julgamento: 17/04/2018, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 18/04/2018, Página 3/4) (grifei)

 

Ressalto que a conduta pode, ainda, ser apreciada frente a outras disposições previstas na legislação eleitoral, a exemplo da infração disposta no art. 44, § 2º, da Lei n. 9.504/1997, segundo a qual “no horário reservado para a propaganda eleitoral, não se permitirá utilização comercial ou propaganda realizada com a intenção, ainda que disfarçada ou subliminar, de promover marca ou produto”.

O tema também pode até mesmo ser examinado diante da ótica do abuso de poder econômico ou uso indevido dos meios de comunicação social, como ocorre no seguinte julgado, que tratou de caso envolvendo a comercialização de produtos com preço abaixo de mercado:

RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PLEITO MUNICIPAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. NOVO JULGAMENTO POR DECISÃO DA CORTE SUPERIOR. PROVAS LÍCITAS. ESQUEMA DE VENDA DE BEBIDAS A PREÇO VIL POR ESTABELECIMENTO EM FRENTE A ATO DE CAMPANHA. PROVAS FIRMES. SENTENÇA DE CASSAÇÃO MANTIDA. FALECIMENTO DE UM DOS REPRESENTADOS E ENCERRAMENTO. PERDA DE OBJETO. (…) Restando comprovado que, durante ato de campanha consistente numa espécie de blitz para adesivagem de veículos, há comercialização de bebidas com valor abaixo do preço de custo do produto, vinculando-se a promoção com efetivo benefício aos candidatos apoiados pelo proprietário do estabelecimento comercial, cuja estrutura foi alterada para facilitar o atendimento aos clientes interessados, resta plenamente configurado o abuso de poder econômico, ante afronta à conduta vedada disposta pelo art. 39, § 6º, da Lei nº 9.504/1997. Não havendo provas consistentes de envolvimento de representada, incabível a ela a sanção da inelegibilidade.

(TRE-MS - RE: 5477 BONITO - MS, Relator: SÉRGIO FERNANDES MARTINS, Data de Julgamento: 27/11/2018, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eleitoral, Tomo 2090, Data 30/11/2018, Página 08) (grifei)

 

Ressalto que o TSE entende ser “inegável que os candidatos que disponham do poder da mídia falada ou televisiva como profissão, graçam vantajosa condição de influência sobre o eleitorado, em afronta flagrante ao princípio da isonomia entre os demais candidatos” (TSE, RESPE 10196, Rel. Henrique Neves da Silva, DJE 6.3.2017).

Com essas considerações, mantida a restrição ao alcance da abrangência da questão formulada, tem-se que a resposta à segunda pergunta é negativa, ou seja, não há vedação no art. 36-A da Lei n. 9.504/1997 para que um pré-candidato realize publicidade comercial, transmitida no Brasil, de produtos e serviços em rádio ou televisão de emissora com sede em um país vizinho/limítrofe ao Brasil, desde que não o faça na condição de apresentador ou comentarista.

 

3) Caso um candidato “X”, de um município qualquer “Y”, que é apresentador de rádio e/ou televisor Web, ou seja, por meio digital, não tendo se desincompatibilizado de suas funções conforme determina o artigo 1º, § 1º, inciso I, da Emenda Constitucional n. 107/2020, estaria ele infringindo a legislação eleitoral?

 

Por fim, a terceira pergunta também apresenta questão em termos amplos, questionando sobre a infringência de determinada conduta perante toda a legislação eleitoral.

Destarte, considerando que a dúvida envolve a aplicabilidade da vedação contida no art. 45, § 1º, da Lei n. 9.504/1997 c/c art. 1º, § 1º, inc. I, da EC n. 107/2020 aos candidatos apresentadores e comunicadores de rádios e televisores de programas veiculados pela internet (web), serão consideradas essas disposições legais especificamente.

Conforme referido na primeira questão, a Lei das Eleições é expressa ao estabelecer a proibição aos apresentadores e comunicadores de “emissoras” de rádio e televisão, não estendendo tal vedação aos meios digitais ou redes sociais, ou seja, programas veiculados exclusivamente pela internet (WEB).

Ainda, é possível perceber, conforme ressaltado pelo órgão ministerial, que a própria Lei das Eleições distingue as regras alusivas à propaganda eleitoral no rádio e na televisão dos atos praticados através da internet, tendo em vista estarem dispostos em tópicos distintos (arts. 44 a 57, e art. 57-A a 57-J, da Lei n. 9.504/1997).

Nesse sentido, não há vedação na conduta em tese narrada, pois estabelecer analogia estendendo a vedação contida no art. 45, § 1º, da Lei n. 9.504/1997 c/c art. 1º, § 1º, inc. I da EC n. 107/2020 aos apresentadores de rádio e TV de programas veiculados pela internet (web), violaria o princípio da legalidade.

Portanto, a resposta à terceira indagação é negativa, pois não é aplicável a vedação prevista no art. 45, § 1º, da Lei n. 9.504/1997 c/c art. 1º, § 1º, inc. I, da EC n. 107/2020 à programação veiculada exclusivamente através de rádio ou TV pela internet (web).

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO preliminarmente pelo conhecimento da Consulta, torno sem efeitos o despacho do ID 6515383, de determinação de retificação da autuação, para manter como parte consulente o Vereador de Porto Alegre José Amaro Azevedo de Freitas e, no mérito, pela resposta à consulta de forma afirmativa quanto à primeira indagação e negativa em relação às demais, nos seguintes termos:

1) O pré-candidato, apresentador ou comentarista, que não se afastar da realização de programas em rádio ou televisão transmitidos no Brasil, ainda que a emissora tenha sede em país limítrofe ao Brasil, no prazo previsto de até 11.8.2020 nos termos do § 1º do art. 45 da Lei n. 9.504/1997 c/c art. 1°, § 1°, inc. I, da EC n. 107/2020, estará sujeito, no caso de sua escolha em convenção partidária, ao cancelamento do registro da sua candidatura e ao pagamento de multa, sujeitando-se a emissora à penalidade prevista no § 2o do art. 45 da Lei n. 9.504/1997;

2) Não há vedação no art. 36-A da Lei n. 9.504/1997 para que um pré-candidato realize publicidade comercial, transmitida no Brasil, de produtos e serviços em rádio ou televisão de emissora com sede em um país vizinho/limítrofe ao Brasil, desde que não o faça na condição de apresentador ou comentarista;

3) Não é aplicável a vedação prevista no art. 45, § 1º, da Lei n. 9.504/1997 c/c art. 1º, § 1º, inc. I, da EC n. 107/2020 à programação veiculada exclusivamente através de rádio ou TV pela internet (web).