RE - 0600003-93.2020.6.21.0103 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/08/2020 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é adequado e tempestivo, cabendo seu conhecimento.

Como questão preliminar, foi suscitada nestes autos a nulidade da decisão recorrida, por ausência de fundamentação.

O recorrente alega que arguiu a omissão no tocante à apreciação da questão da retroatividade de norma eleitoral, sendo que a tese foi enfrentada tendo como parâmetro a Lei n. 13.165/15, enquanto o fundamento invocado seria o art. 3º da Lei n. 13.831/19.

Na hipótese, verifico que constou na sentença (ID 5479683, fls. 53-57), na parte pertinente, que:

Em sua defesa, o partido sustenta que se aplica, no presente caso, do artigo 32, §4º, da Lei 9.096/1995, alterado pela Lei 13.831/2019, nos seguintes termos: “Com a entrada em vigor da Lei 13.831/2019, que alterou dispositivos da Lei 9.096/1995, a obrigação de abertura de conta bancária para órgãos partidários municipais que não ostentem movimentação financeira passou à [sic] constituir faculdade” (fls. 79). Alega, ainda, que as inovações legislativas devem ser aplicadas aos processos de prestação de contas em trâmite, colacionando julgado do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, pleiteando, assim, a aprovação das contas. Entretanto, a argumentação trazida pelo partido deve ser afastada. Tratando-se do exercício financeiro de 2010, devem ser aplicadas às disposições processuais da Resolução TSE n. 23.546/2017 e, no mérito, as regras da Resolução TSE n. 21.841/2004. Desta feita, ainda que a agremiação não tenha movimentação financeira no exercício em questão, resta a possibilidade de estipulação de valores estimáveis em dinheiro, conforme artigo 13, parágrafo único, da Resolução TSE n. 21.841/04. Além disso, entendo que as alterações trazidas pela Lei 13.831/2019 são inaplicáveis ao caso em análise, forte nos princípios da anualidade eleitoral, da isonomia e do tempus regit actum, não se aventando a possibilidade de apresentação da declaração de ausência de movimentação de recursos, hipótese prevista apenas no artigo 45 da Resolução TSE n. 23.464/2015.

Penso que o juiz monocrático, mesmo que de forma sucinta, enfrentou adequadamente a tese do recorrente, em especial, ao consignar que “as alterações trazidas pela Lei n. 13.831/19 são inaplicáveis ao caso em análise, forte nos princípios da anualidade eleitoral, da isonomia e do tempus regit actum”.

Dessa forma, não verifico a existência de omissão no julgado ou ausência de fundamentação na decisão recorrida. A sentença descreveu adequadamente a tese do embargante e afastou seus argumentos com base em princípios jurídicos, havendo coerência e adequação na elaboração das razões de decidir.

Não estando presente vício capaz de acarretar a nulidade da decisão, afasto a preliminar de nulidade.

Passando ao exame do mérito, anoto que as contas do exercício de 2010 do PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) de TUPANCI DO SUL foram julgadas não prestadas nos autos da ação n. 30-72.2013.6.21.0103, com decisão transitada em julgado em 13.7.2013, conforme certidão de ID 5479633, fl. 32. 

Na hipótese, em seu dispositivo, a decisão recorrida recebeu o requerimento apresentado pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) de Tupanci do Sul/RS, desaprovou as contas e declarou regularizada a situação de inadimplência, determinando a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 01 (um) ano.

Tal juízo foi motivado pela “ausência de abertura de conta bancária e da apresentação dos extratos bancários respectivos, documentos essenciais, […] constituindo falha grave que compromete, de forma substancial” a confiabilidade e a transparência da prestação de contas.

De fato, a ausência de abertura de conta bancária impede a verificação contábil da agremiação, como vinha entendendo esta Corte antes da edição da Lei n. 13.831/19, que desobrigou os partidos de sua manutenção quando não houver movimentação financeira.

Embora tal diploma prescreva, em seu art. 3º, que suas disposições, a partir da publicação, terão eficácia imediata nos processos de prestação de contas em andamento, ainda que decididos, mas não transitados em julgado, tenho que seus efeitos não podem alcançar processos como o que aqui se examina.

Isso porque, em uma interpretação estritamente literal, aqui não se trata de processo de prestação de contas, e sim de regularização de situação de inadimplência.

E, mais importante, os princípios da isonomia e da segurança jurídica impõem que sejam observadas as normas vigentes ao tempo do exercício nas prestações de conta.

Tal parâmetro tem relevância destacada em prestação de contas partidária, tanto que as sucessivas regulamentações da espécie, quais sejam, a Resolução TSE n. 23.604/19, que dispõe sobre o exercício 2020; a Resolução TSE n. 23.546/17, aplicável aos exercícios 2018 e 2019; a Resolução TSE n. 23.464/15, que rege os exercícios 2016 e 2017; e a Resolução TSE n. 23.432/14, que regulamenta o exercício 2015, contêm disposições transitórias para o fim de estabelecer que suas regras não atingem o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao da sua vigência.

Essa preocupação decorre da necessidade de que os partidos, independentemente do momento de apresentação das contas, sejam submetidos às mesmas regras quanto a permissões e vedações de natureza material e sobre a elaboração e manutenção de sua escrita contábil.

Dito de outro modo: a agremiação que, tempestivamente, prestou as contas do exercício de 2010 em 2011, deve ser submetida ao mesmo regulamento daquela que apresentou sua documentação em 2019, caso dos autos.

Agride o bom senso a constatação de que alguém, ao deixar de cumprir tempestivamente suas obrigações, possa ser “premiado” com a superveniência de norma mais favorável.

Assim, inviável a aplicação retroativa do § 1º do art. 42 da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, de forma que a documentação apresentada é insuficiente para a fiscalização contábil.

No entanto, o caso em análise reveste-se de características que recomendam solução adequada às suas peculiaridades.

Inicialmente, observo que o exame técnico consignou que “não houve aplicação ou recebimento de recursos oriundos do Fundo Partidário” e que “não foram observadas receitas de origem não identificada ou recursos de fontes vedadas”.

A movimentação apresentada pelo partido não registra a realização de qualquer ato de arrecadação ou realização de despesa no exercício de 2010, ao que se soma o fato de o diretório estar instalado em pequeno município do interior (Tupanci do Sul) que conta, hoje, com aproximadamente 1.700 habitantes.

A determinação de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário persiste desde 2013, por ocasião do julgamento da PC n. 30-72.2013.6.21.0103.

Acaso se considere que a ausência dos documentos relativos à conta bancária impede a regularização das contas, a sanção aplicada à agremiação – suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário – adquiriria a feição de pena perpétua.

Ainda, considerando que não há nova análise de mérito no pedido de regularização, que não foi verificado o aporte de receitas de fonte vedada, de origem não identificada ou oriundas do Fundo Partidário, penso ser indesejável a imposição de novo período de suspensão do repasse de recursos públicos. Repriso que a determinação de suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário persiste desde 2013, portanto, está vigente há, praticamente, 7 (sete) anos.

No sentido de dispensar novo período de restrição ao repasse de verbas públicas, localizei recente precedente no TRE/MT, cuja ementa reproduzo:

PEDIDO DE REGULARIZAÇÃO DE CONTAS ANUAIS NÃO PRESTADAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO REGIONAL. EXERCÍCIO DE 2011. ARTIGO 59 DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.546/2017. PRESTAÇÃO DE CONTAS ZERADAS. DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA DE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS, LIVROS CONTÁBEIS E DE REGISTRO DE DESPESAS COM MANUTENÇÃO DO PARTIDO. DIRETÓRIO EM FUNCIONAMENTO DURANTE O EXERCÍCIO DE 2014. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIR A REAL MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DO PARTIDO. TEMPUS REGIT ACTUM. PEDIDO DE REGULARIZAÇÃO DEFERIDO.

1. A apresentação das contas enseja o levantamento da situação de inadimplência pela não prestação.

2. A ausência total de registros, mesmo daqueles somente estimáveis em dinheiro, por meio de contas zeradas não condizem com a realidade, o que retira a confiabilidade das informações prestadas e impossibilita o seu controle por parte do Poder Judiciário Eleitoral. Precedentes.

4. O indeferimento da regularização das contas e a manutenção da condição das contas como não prestadas, seria medida que assumiria caráter permanente e desarrazoado quando apresentadas à Justiça Eleitoral.

5. A coisa julgada na regularização tem o caráter rebus sic stantibus, ou seja, admite-se a sua modificação uma vez que se alterem as circunstâncias que renderam ensejo à decisão judicial.

6. A norma possibilita a regularização e deve, também, atentar para fatos nos quais não há qualquer numerário público envolvido, recebimento de fontes vedadas ou de origem não identificada.

7. Sendo possível a regularização nos casos mais graves, deve-se admitir a mesma solução para os casos menos graves, nos quais não há recursos públicos envolvidos ou recebimentos de fontes vedadas ou RONI.

8. A não apresentação das contas ocasiona a suspensão automática das novas cotas do Fundo Partidário, pelo tempo em que o partido permanecer omisso (art. 28, III, Resolução TSE 21.841/2004).

9. A penalidade aplicada em caso de apresentação tempestiva das contas seria justamente a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo partidário pelo período de até 12 (doze) meses, nos termos da redação do artigo 37, § 3º, com a redação ainda vigente da Lei nº 12.034/2009 e aplicável ao caso.

10. Não se justifica deixar de acatar o presente pedido de regularização, mesmo porque os documentos que não foram apresentados não existem. A negativa redundaria em pena de caráter perpétuo, e as especificidades do caso concreto - não recebimento de fontes vedadas ou de recursos públicos - são particulares e aptas a trazer um tratamento adequado à questão.

11. Encerramento da penalidade de suspensão de recebimento de cotas do Fundo Partidário pelo tempo em que o partido permaneceu omisso, conforme entabulado no acórdão originário.

12. Inaplicabilidade das sanções dos arts. 47 e 49, pois o caso não se adequa ao referido preceptivo legal - não há recursos públicos de Fundo Partidário ou FEFC, de fontes vedadas ou RONI, bem como preceito secundário que seria aplicável em caso de desaprovação das contas, é menor do que o lapso temporal já experimentado pelo requerente referente ao não recebimento de recursos públicos.

13. Pedido de regularização deferido.

(Petição n 60009420, RESOLUÇÃO n. 2352 de 29.8.2019, Relator ANTÔNIO VELOSO PELEJA JÚNIOR, Publicação: DEJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 2999, Data: 04.9.2019, p. 4-5.)

Nessa linha, tenho que, não havendo julgamento de mérito do pedido de regularização de inadimplência, deve ser afastada a desaprovação das contas, deferido o pedido de regularização e, em virtude das peculiaridades do caso, afastada a determinação de nova suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição da preliminar de nulidade e, no mérito, por dar provimento ao recurso, para DEFERIR o pedido de regularização das contas do PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) de TUPANCI DO SUL, exercício de 2010, e afastar a desaprovação das contas e a determinação de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhor Presidente.