Cta - 0600179-90.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/08/2020 às 14:00

VOTO

A lei exige que a consulta, para ser conhecida pelos tribunais, venha revestida de requisitos objetivos e subjetivos. Assim, deve versar sobre matéria eleitoral elaborada em tese e ser formulada por autoridade pública ou por partido político, conforme dispõe o art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral:

Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais: […]

VIII – responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político.

No caso concreto, a consulta é proposta por partido político, por meio de seu órgão regional, que detém legitimidade para atuar perante a Corte Regional Eleitoral, conforme dispõe o art. 11, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95:

Art. 11. […].

Parágrafo único. Os delegados credenciados pelo órgão de direção nacional representam o partido perante quaisquer Tribunais ou Juízes Eleitorais; os credenciados pelos órgãos estaduais, somente perante o Tribunal Regional Eleitoral e os Juízes Eleitorais do respectivo Estado, do Distrito Federal ou Território Federal; e os credenciados pelo órgão municipal, perante o Juiz Eleitoral da respectiva jurisdição.

No tocante aos requisitos objetivos, a consulta também preenche a exigência legal, pois a indagação acerca da possibilidade de parlamentar considerado infiel permanecer como suplente da coligação por outro partido é formulada em tese e afeta ao Direito Eleitoral. 

Assim, conheço da consulta.

A situação hipotética apresentada pelo consulente traz exemplo de parlamentar que venha a perder o mandato por infidelidade partidária, por ter migrado para outro partido da mesma coligação. A pergunta aviada é se tal parlamentar poderia permanecer na lista de suplência da coligação. 

Como é cediço, os mandatos parlamentares pertencem aos partidos, de modo que a desfiliação partidária sem perda do mandato demanda a comprovação da chamada justa causa, cujo rol taxativo está previsto no parágrafo único do art. 22-A da Lei n. 9.096/95, verbis:

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

II - grave discriminação política pessoal; e

III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

Convém consignar que a questão relativa à fidelidade partidária é de interesse público, seja pela defesa da vontade popular e dos princípios democráticos, seja em face do modelo de financiamento público de campanha vigente, em que os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) são vertidos aos partidos políticos, de acordo com critérios previamente estabelecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, os quais os repassam aos candidatos.

Nesse cenário, a Resolução TSE n. 22.610/07 prevê a legitimidade do Ministério Público Eleitoral para ajuizar a ação de decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa, caso o partido ou o suplente não o faça no prazo de 30 dias (art. 1º, § 2º).

Dessa forma, decretada a perda do mandato eletivo, em caso de infidelidade partidária, o ex parlamentar não leva consigo os votos obtidos, os quais permanecem na legenda e legitimam a posse do suplente da agremiação partidária da qual ele se desligou, não podendo coexistir, simultaneamente, dois mandatos com suporte em uma mesma votação.

A Procuradoria Regional Eleitoral trouxe, no seu parecer (ID 6285433), verdadeiro estudo sobre a matéria, do qual peço vênia para colher o seguinte excerto, verbis:

[…] por certo que o parlamentar que perdeu o mandato por haver migrado para outro partido da mesma coligação não pode mais contar com os votos recebidos para integrar a lista de suplência do partido de destino. Se fosse possível, a votação recebida estaria sendo contada duplamente: a) primeiro, para o partido originário, tendo a votação do infiel assegurado uma cadeira no parlamento à agremiação, que foi resguardada pela decisão que cassou o mandato do trânsfuga, assumindo suplente do próprio partido originário, mas na vaga que foi obtida em virtude dos votos do infiel; b) segundo, pelo próprio trânsfuga, que utilizaria seus votos para posicionar-se novamente na lista de suplentes. (Grifos no original.)

 

O Tribunal Superior Eleitoral faz distinção entre vacância ordinária e extraordinária. A primeira ocorre de renúncia ou falecimento de parlamentar, situação em que assume o suplente da coligação; já a segunda decorre da perda do cargo por infidelidade partidária, caso em que o parlamentar infiel deve ser sucedido por suplente do mesmo partido.

Para ilustrar, colaciono a seguinte ementa:

AGRAVO INTERNO. MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO COM TRÂNSITO EM JULGADO. APLICABILIDADE. SÚMULA 268/STF. ATO JUDICIAL. AUSÊNCIA. ILEGALIDADE, TERATOLOGIA OU CARÁTER ABUSIVO. MANDAMUS INCABÍVEL. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

(...)

5. Na espécie, ainda que o impetrante Laércio tenha inicialmente assumido o cargo de vereador de Rio Branco/AC após renúncia da ocupante anterior – que integrara a mesma aliança no pleito de 2016 (Frente Trabalhista Republicana – PRB/PDT), uma vez reconhecida a desfiliação sem justa causa da parlamentar (art. 22–A da Lei 9.096/95), altera–se a linha de suplência, pois reconhece–se que o partido ao qual ela era filiada tem direito à vaga.

6. Nesse contexto, não há teratologia ou ilegalidade no decisum do TRE/AC, que está em consonância com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual "a vacância pode ser de índole ordinária ou extraordinária. Na ordinária, a sucessão ocorre com a posse do suplente da coligação. Na extraordinária, que versa especificamente sobre as situações de infidelidade partidária – hipótese dos autos –, a vaga deverá ser destinada, necessariamente, a suplente do partido do trânsfuga".

7. Agravo interno a que se nega provimento.

(Mandado de Segurança nº 060017453, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 130, Data 01.7.2020)

Nesse contexto, a lista de suplentes de uma coligação, para fins de sucessão por vacância ordinária, é composta por candidatos de todos os partidos que a integraram nas respectivas eleições, exceto por aqueles que venham a perder o mandato por infidelidade partidária, uma vez que os votos por eles obtidos, como já referido, permanecem com o partido do qual se desfiliaram.

Assim, o parlamentar que perder o mandato em razão de decisão judicial que reconheça a infidelidade partidária, ainda que tenha migrado para partido da mesma coligação, não integra a suplência desta.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento da Consulta, a ser respondida nos seguintes termos: 

“Suplente de parlamentar que migra para partido da mesma coligação antes de assumir vaga pelo partido do qual se desfiliou, e que vem a perder o mandato em decisão da justiça eleitoral fundamentada no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 quando da ocupação dessa vaga, NÃO permanece na lista de suplência da coligação pelo partido de destino.”