PC - 0603410-96.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/08/2020 às 14:00

VOTO

Registro, inicialmente, que as contas da campanha eleitoral da candidata SAMIRA PEREIRA DA COSTA, quanto à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2018, foram anteriormente apresentadas para julgamento pelo Plenário deste Tribunal, então sob a relatoria do eminente Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos, em sessão de 14.10.2019.

Na oportunidade, tendo em vista o surgimento de controvérsia entre os membros da Corte acerca da idoneidade dos comprovantes de gastos com combustíveis e daqueles realizados com pessoas jurídicas, os quais não constaram como explicitamente examinados no parecer conclusivo, o Pleno decidiu, por unanimidade, converter o julgamento em diligência, com o retorno dos autos à unidade técnica e antecedente abertura de prazo para manifestação da candidata sobre a questão específica.

Por clareza, colaciono a ementa do julgado acima aludido:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. APLICAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA. NÃO OPORTUNIZADO O CONTRADITÓRIO. REQUISITOS DO ART. 63, CAPUT, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.553/17. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA.
Controvérsia quanto à comprovação de despesas adimplidas com recursos públicos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Tendo em vista que a falha referente à comprovação dos gastos não foi observada pelo órgão técnico durante a análise das contas, não foi oportunizada à candidata a plenitude do contraditório substancial quanto ao tema, cujo corolário é o princípio da não surpresa, conforme preveem também os arts. 9º e 10º do Código de Processo Civil.
Conversão do julgamento em diligência.
(TRE-RS, PC n. 0603410-96.2018.6.21.0000, Relator: Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos, sessão de 14.10.2019.)

Observadas as diligências determinadas e reavaliados os documentos apresentados pela prestadora de contas, o órgão técnico de análise, após a individualização do total de documentos fiscais referentes aos gastos com combustíveis e/ou realizados com pessoas jurídicas, apontou que somente aqueles anteriormente relacionados no item 2 do parecer conclusivo (ID 3366233) não atendem ao disposto no art. 63, caput, da Resolução TSE n. 23.553/17, pelo fato de os CNPJs estarem “baixados” na base de dados da Secretaria da Receita Federal (ID 5464183).

Em complemento, transcrevo a minudente análise procedida pelo sempre diligente representante da Procuradoria Regional Eleitoral a respeito dos gastos com o consumo de combustíveis, concluindo na mesma direção (ID 5922333):

De acordo com o Demonstrativo de Receitas/Despesas trazido no ID 543883, link “http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=24ef0d0f-ecda-4607-bc1a-78190ef4f2b8&inline=true”, os gastos com combustíveis e lubrificantes representaram apenas R$ 1.682,05 das despesas. Consultando os documentos  trazidos a título de comprovação dos gastos (ID 543933), encontraram-se  os seguintes, a título de combustíveis, em valores que, somados, praticamente se equivalem ao montante informado, como se observa nos links “http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=a3c616c6-0c05-4d4a-9250-d539a9f0a42c&inline=true”, “http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=3c268499-afd8-4dc8-8070-d42983fbd289&inline=true”,“http://inter03.tse.jus.br/sitd/DownloadFile?id=8a750295-c80b-4809-bf1c-ef11fc4cb7a2&inline=true”,   “http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=a409d8e6-498f-4dd7-b635-0126019c3500&inline=true”, “http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=e39585cc-e411-47ab-8ad2-428df1ba72cb&inline=true”,“http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=57ce9477-5aaf-4661-a234-fadd5b80aad9&inline=true”,“http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=a3249e7d-78ee-44b2-9349-f99163917b28&inline=true”,     “http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=d24cdf8f-e0a5-4f70-bfa4-278cbd6f71e4&inline=true”,“http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=1c3fd15d-f8d4-4bed-9730-1ebd684f4f9c&inline=true”,       “http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=5241d296-7f1b-46cd-b5f6-7c993c3c4cd7&inline=true”,“http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=d8eb689a-b89e-4026-a928-47c005b5c4eb&inline=true”,     “http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=f543fabe-d357-4a99-a2e6-1b7c9ffb5ee0&inline=true”,“http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=73274878-95ef-4607-934c-6ec3fbb4164a&inline=true”.

Importante referir que todos esses documentos comprobatórios correspondem a notas fiscais contendo a descrição da operação, a data e a identificação dos contratantes, e, portanto, se adequam ao quanto exigido no caput do art. 63 da Resolução TSE nº 23.553/2017, não havendo, com a máxima vênia, que se falar em despesas de combustíveis comprovadas por meio de simples recibos.

Deveras, as falhas contidas nessas contas restringem-se àquelas relatadas pelo órgão técnico no parecer conclusivo (ID 3366233) e ratificadas nas reanálises posteriores (ID 4824883 e 5464183), quais sejam, inconsistências quanto à situação fiscal de determinados fornecedores e a ausência dos comprovantes de pagamento (cópia do cheque nominal ou transferência bancária ao fornecedor informado) de despesas realizadas com  recursos do FEFC, conforme passo ao exame.

Dos fornecedores com situação fiscal irregular na Receita Federal

A primeira inconsistência identificada pelo órgão técnico refere-se à situação fiscal de dois fornecedores, pessoas jurídicas, contratados durante a campanha, cujos números de CNPJ estão baixados junto à Receita Federal, sem prova da capacidade operacional das empresas, conforme a seguinte tabela:

Em sua defesa (ID 2045233), a candidata alega que desconhecia a situação fiscal das contratadas.

Particularmente, no que se refere à empresa Flora Urbana Floricultura Ltda., a prestadora afirma que “A baixa deste CNPJ foi em 28/08/2018 e mesmo não podendo mais utilizar os talões de notas, a empresa forneceu o documento fiscal para a Candidata que confiou na idoneidade do mesmo”.

Deveras, consta dos autos a Nota Fiscal n. 0579, no valor de R$ 60,00, emitida pela aludida empresa em 22.9.2018, que contempla os requisitos indispensáveis à validade do documento (http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=6dda4f99-fe6c-47f4-ab80-49877952d13b&inline=true).

Desse modo, tendo em vista que a candidata, ao contratar, não tinha meios de aferir a inidoneidade fiscal da fornecedora, que restou encoberta pela nota fiscal aparentemente regular, induzindo-a a erro, entendo que não há como lhe atribuir eventuais consequências da falha.

Por outro lado, quanto ao fornecedor Biscoito Piratini, a despesa foi demonstrada por meio de um simples recibo de pedido de serviço (http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=4aa57337-86e0-449a-a101-de4ca9de7452&inline=true), sem valor fiscal, o que, verdadeiramente, compromete a confiabilidade e a fiscalização do gasto informado.

Com efeito, tratando-se de contratação de pessoa jurídica, de rigor a comprovação por documentos fiscais idôneos, na forma do art. 63, caput, da Resolução TSE n. 23.553/17, não se admitindo a mera apresentação de contratos ou recibos, consoante ilustra o seguinte julgado do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012. CIRCULARIZAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO ASSEGURADOS. NÃO COMPROVAÇÃO DE DESPESAS COM HOSPEDAGEM E COMUNICAÇÃO. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS FISCAIS DE DESPESAS QUITADAS COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE 5% DO FUNDO PARTIDÁRIO NA PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. IMPOSIÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. CONTAS APROVADAS COM RESSALVA. DESPROVIMENTO.
(…).
4.  O documento contábil faz-se necessário para identificar a origem e destinação dos recursos, de forma a permitir o efetivo controle pela Justiça Eleitoral, à luz do art. 9º da Res.-TSE nº 21.481/2004. Se a prestadora de serviços está inscrita no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, em princípio, submete-se à legislação de regência, no que se refere à emissão de documento fiscal. A apresentação de recibo, portanto, somente será aceita para a comprovação da prestação de serviços quando a emissão da nota fiscal for dispensável por lei (PC n° 214-31/DF, de minha relatoria, DJe de 8.3.2018).
(...)
8.  Agravo regimental a que se nega provimento.
(PC n. 22645, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 02.8.2018.) (Grifei.)

Assim, a presente irregularidade, no valor de R$ 43,90, subsiste, apenas em relação ao fornecedor Biscoito Piratini, por descumprimento do disposto no art. 63, caput, da Resolução TSE n. 23.553/17.

Da ausência dos comprovantes de pagamentos de despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha

Em continuidade, a unidade de análise técnica relatou a ausência de documentos comprobatórios, quais sejam, cópia do cheque nominal ou demonstrativo de transferência bancária relativos ao pagamento de despesas com recursos do FEFC, para os quais os extratos eletrônicos não identificam a contraparte beneficiária da operação.

Os referidos gastos perfazem o montante de R$ 20.471,58, conforme a discriminação contida no item 4 do parecer conclusivo (ID 3366233).

Ao prestar esclarecimentos sobre a irregularidade (ID 4934033), a candidata assevera “que mesmo que parte dos pagamentos tenham sido efetuados de forma equivocada pela candidata, todos os valores transitaram pela conta de campanha e todos os gastos foram devidamente comprovados”. Em acréscimo, alega que, “por problemas com a agência que demorou até mesmo para fornecer meios de movimentar sua conta, errou na  forma, mas nunca na lisura da prestação de contas”.

Os argumentos, porém, não evidenciam a mínima impossibilidade concreta de a candidata observar as formas de pagamento para a realização dos gastos eleitorais conforme prescritas pelo art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17:

Art. 40. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 41 e o disposto no § 4º do art. 10 desta resolução, só podem ser efetuados por meio de:
I - cheque nominal;
II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; ou
III - débito em conta.
§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

Assim, ausente a comprovação de observância do uso de cheque nominal, transferência bancária ou débito em conta, com identificação do fornecedor na própria operação bancária, na forma do dispositivo acima transcrito, está caracterizada a irregularidade dos gastos quitados com recursos do FEFC, no valor total de R$ 20.471,58.

Na mesma linha, menciono recente julgado deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESAS REALIZADAS COM RECURSOS COM FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. AFRONTA A REGRA DO ART. 40 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.553/17. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE SOBRAS DE CAMPANHA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.
1. O art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17 determina que os gastos de natureza financeira, só podem ser efetuados por meio de cheque nominal, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, ou através de débito em conta. Mesmo regularmente intimado, o prestador não trouxe aos autos a integralidade dos documentos que atestassem a emissão dos cheques nominais aos fornecedores e os documentos fiscais que comprovassem os gastos efetuados com recursos oriundos do fundo público. A ausência de comprovação de despesa realizada com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, impõe o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.
(…).
4. As irregularidades correspondem a 20,15% do total das receitas de campanha. No cenário posto nos autos em que houve falta de manifestação quanto à parte das falhas constatadas e ausência de apresentação de qualquer documento no tocante a recursos de natureza pública, é inviável invocar o princípio da boa-fé para o afastamento da irregularidade. Argumento passível de ser admitido quando a falha não oferece gravidade e seu valor se apresenta insignificante no contexto das contas.
5. Desaprovação.
(TRE-RS, PC n. 0602608-98.2018.6.21.0000, Relator: Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, sessão de 14.10.20.)

Dos consectários legais

As irregularidades constatadas representam a ausência de devida comprovação do emprego dos recursos públicos, tornando impositivo o dever de recolhimento da quantia de R$ 20.515,48 (R$ 43,90 + R$ 20.471,58) ao Tesouro Nacional, nos exatos termos do art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17:

Art. 82. (…).
§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa de cópia digitalizada dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

Ademais, o valor total das falhas representa 28,74% das despesas realizadas durante a campanha (R$ 71.220,00), o que inviabiliza a aplicação dos princípios da proporcionalidade ou razoabilidade para atenuar a importância das máculas sobre a transparência do conjunto das contas.

Destarte, a desaprovação das contas é medida que se impõe.

Por derradeiro, autorizo a Procuradoria Regional Eleitoral a extrair, assim desejando, as cópias que entender pertinentes para encaminhamento ao Ministério Público Eleitoral em primeira instância, a fim de apurar eventual ilícito criminal.

Ante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas de SAMIRA PEREIRA DA COSTA, com base no art. 77, inc. III, da Resolução TSE n. 23.553/17, bem como pela determinação de recolhimento da quantia de R$ 20.515,48 ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 82, § 1º, da mesma resolução.