HC - 0600294-14.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/08/2020 às 14:00

VOTO

Inicialmente, conheço do recurso, pois interposto nos termos do art. 115, caput e § 2º, do Regimento Interno do TRE-RS.

No mérito, a presente impetração pretende suspender os efeitos da condenação imposta nos autos da AIJE n. 682-76.2016.6.21.0138, transitada em julgado em 6.9.2019, em que se determinou a fixação de multa e a declaração da inelegibilidade do agravante pelo prazo de 8 (oito) anos, a contar da eleição municipal de 2016.

Conforme referido, o agravo interno foi interposto contra a decisão monocrática que indeferiu a inicial do habeas corpus por ser manifestamente incabível, uma vez que impetrado para suspender o cumprimento de ação cível cuja decisão transitou em julgado (ID 6320033).

Na decisão agravada, foi ressaltado pelo então relator do feito, Des. Eleitoral Gerson Fischmann, que a ação não demonstra qualquer afronta à liberdade do paciente, restando ausente ilegalidade flagrante a caracterizar a concessão de ordem de habeas corpus, motivo pelo qual não deveria ser conhecido o pedido, conforme jurisprudência consolidada sobre a matéria:

O habeas corpus, nos termos do art. 5º, LXVIII, da CF, dirige-se à salvaguarda do direito de locomoção lesado ou ameaçado de lesão, por ilegalidade ou abuso de poder, o que não se verifica na hipótese.

No caso dos autos, conforme o próprio impetrante alega, a presente ação foi impetrada contra condenação proferida em processo cível, a ação de investigação judicial eleitoral AIJE n. 682-76.2016.6.21.0138, cuja decisão transitou em julgado e já foi devidamente cumprida pelo juízo a quo.

Portanto, não se vislumbra qualquer afronta à liberdade do paciente, restando ausente ilegalidade flagrante a caracterizar a concessão de ordem de habeas corpus, motivo pelo qual não deve ser conhecido o remédio proposto nos termos da jurisprudência consolidada sobre a matéria:


AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. SUPOSTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONSISTENTE NO ARQUIVAMENTO DE DENÚNCIA FORMULADA CONTRA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. MANDAMUS IMPETRADO EM FACE DE ATO JURISDICIONAL DE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. WRIT MANIFESTAMENTE INCABÍVEL. SÚMULA Nº 606 DO STF. INEXISTÊNCIA DE ATO CONCRETO, ATUAL OU IMINENTE DE AMEAÇA OU RESTRIÇÃO ILEGAL DO DIREITO DE LOCOMOÇÃO, OBJETO ÚNICO DA TUTELA EM SEDE DE HABEAS CORPUS (ART. 5º, LXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ALEGADA PREVENÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O bem jurídico tutelado pelo Habeas Corpus é a liberdade de locomoção e tem como pressupostos constitucionais a sua efetiva vulneração, ou ameaça de lesão, em razão de ilegalidade ou abuso de poder. Precedentes: HC 129.822-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJE de 20/10/2015, RHC 124.715-AgR, Primeira Turma, Rel. Roberto Barroso, DJe de 19/05/2015. (...) 8. Agravo regimental desprovido.

(STF - AgR HC: 146216 DF - DISTRITO FEDERAL 0007910-96.2017.1.00.0000, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 27.10.2017, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-257 13-11-2017.)

Dessa forma, considerando que a via do habeas corpus destina-se, primordialmente, a garantir a liberdade de ir e vir do cidadão, descabe o seu uso com a finalidade de obstar o prosseguimento do curso normal do cumprimento de sentença prolatada em sede de ação de investigação judicial eleitoral.

 

As razões agora vertidas no agravo interno em nada alteram este convencimento nem infirmam o fato de que é incabível a impetração da presente ação constitucional para atacar condenação proferida nos autos de ação cível eleitoral.

Dispõe o art. 5º, inc. LXVIII, da CF: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Conforme bem ponderado pelo órgão ministerial, o bem jurídico tutelado pela norma constitucional é a liberdade de locomoção. Nesse sentido, para o exercício regular da ação de habeas corpus, é necessária a existência (ou a possibilidade) de ofensa ao bem jurídico tutelado.

Veja-se que o mandamus em questão foi impetrado contra ato de juiz eleitoral, consistente na determinação de cumprimento de sentença em ação eleitoral de natureza cível (AIJE) que, por sua própria natureza, não tem o condão de causar embaraço à liberdade de locomoção. Inexistente a potencialidade de ofensa à liberdade de locomoção, inexistente também o interesse de agir.

Ausente o interesse de agir do agravante, a petição inicial deve ser indeferida, na forma do art. 330, inc. III, do Código de Processo Civil:

Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:

(...)

 III – o autor carecer de interesse processual;

 

Nesse sentido, mantenho a decisão agravada por seus próprios fundamentos.

Por fim, verifica-se que, na decisão ora agravada, o demandante foi condenado à multa por litigância de má-fé, à razão de um salário-mínimo nacional, no valor de R$ 1.045,00 (um mil e quarenta e cinco reais). Isso porque ajuizou demanda com fundamento e pedido análogos a outra recentemente interposta em favor de Larissa Bianchi, também integrante do polo passivo na AIJE n. 682-76.2016.6.21.0138, a qual teve a inicial indeferida por decisão confirmada pelo Plenário do TRE-RS no julgamento do agravo interno oposto contra a negativa de seguimento da ação.

Colho da decisão agravada os seguintes fundamentos para a cominação da multa processual:

Sendo assim, bem se evidencia que a impetração foi realizada após o advogado estar plenamente ciente do posicionamento deste Tribunal acerca da total impossibilidade de manejo de habeas corpus para atacar a decisão transitada em julgado proferida nos autos da AIJE n. 682-76.2016.6.21.0138.

Nesses termos, o art. 80 do CPC é expresso ao dispor considerar-se litigante de má-fé aquele que: deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso (inciso I); proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo (inciso V), e provocar incidente manifestamente infundado (inciso VI).

Tais hipóteses amoldam-se ao caso dos autos posto que a impetração não objetiva a garantia da liberdade de ir e vir do paciente, e foi realizada após publicação e intimação de acórdão deste Tribunal considerar pedido idêntico incabível em julgamento de caso análogo no qual o advogado impetrante foi parte, afigurando-se tratar-se de ação manifestamente infundada.

Por essas razões, revelando-se necessário adotar medida processual que desestimule a perpetuação de tal conduta pelo impetrante, cabível a condenação da multa por litigância de má-fé. Considerando-se a inexistência de valor da causa, e as disposições dos art. 81, § 2º do CPC e art. 275, § 6º do CE, mostra-se razoável a estipulação em 1 salário mínimo (R$ 1.045,00).

 

Como se vê, a penalidade foi aplicada com fundamento no art. 81, § 2º, do CPC, dispositivo que estabelece as hipóteses de conduta caracterizadoras de litigância de má-fé, e no art. 275, § 6º, do Código Eleitoral, verbis:

Código de Processo Civil

Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.

§ 1º Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.

§ 3º O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.

 

Código Eleitoral

Art. 275. São admissíveis embargos de declaração nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil.

§ 1º Os embargos de declaração serão opostos no prazo de 3 (três) dias, contado da data de publicação da decisão embargada, em petição dirigida ao juiz ou relator, com a indicação do ponto que lhes deu causa.

§ 2º Os embargos de declaração não estão sujeitos a preparo.

§ 3º O juiz julgará os embargos em 5 (cinco) dias.

§ 4º Nos tribunais:

I – o relator apresentará os embargos em mesa na sessão subsequente, proferindo voto;

II – não havendo julgamento na sessão referida no inciso I, será o recurso incluído em pauta;

III – vencido o relator, outro será designado para lavrar o acórdão.

(Caput e§§ 1º a 4º com redação dada pelo art. 1.067 da Lei nº 13.105/2015)

§ 5º Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso.

§ 6º Quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o Tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a 2 (dois) salários mínimos.

§ 7º Na reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, a multa será elevada a até 10 (dez) salários mínimos.

(Parágrafos 5º a 7º acrescidos pelo art. 1.067 da Lei nº 13.105/2015).

 

No caso dos autos, a penalidade foi estabelecida de modo a desestimular a movimentação do Poder Judiciário Eleitoral com o ajuizamento de ação manifestamente infundada. Assim, diante do recurso interposto nos mesmos moldes, noto que a multa originariamente aplicada não surtiu seu efeito.

Nesse sentido, conforme orientação do próprio Tribunal Superior Eleitoral, mostra-se adequada e razoável a majoração da sanção:

ELEIÇÕES 2018. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO ESTADUAL. SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ORDINÁRIO. INSTRUMENTO RECURSAL IMPRÓPRIO. ERRO GROSSEIRO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DOS PRESSUSPOSTOS ESPECÍFICOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. REITERAÇÃO DE TESES. SÚMULA Nº 26/TSE. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. OMISSÃO. VÍCIO INEXISTENTE. REJULGAMENTO DA CAUSA. CARÁTER PROTELATÓRIO. REITERAÇÃO. MULTA. MAJORAÇÃO. ART. 275, § 7º, DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO CONHECIMENTO. 1. A matéria foi detidamente enfrentada nas decisões que antecederam os primeiros embargos, razão por que afluiu para o reconhecimento de pretensão de rediscussão da matéria e consequente caráter protelatório dos primeiros aclaratórios. 2. Não se vislumbra nenhum vício relativo à sanção aplicada, o que demonstrou, por parte do ora embargante, o claro objetivo de promover o rejulgamento da causa, em total dissonância com as hipóteses de cabimento descritas nos arts. 275 do Código Eleitoral e 1.022 do Código de Processo Civil. 3. A multa aplicada com supedâneo no § 6º do art. 275 do Código Eleitoral, em momento nenhum, teve por propósito restringir o exercício regular do direito de ação garantido pela Constituição Federal, apenas conferiu a reprimenda a notório prolongamento da discussão sobre matéria detidamente analisada por esta Corte Superior. 4. A propalada morosidade da justiça foi um dos pilares à instituição de uma nova ordem processual a partir da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC/2015), e se, por um lado, as partes têm direitos e garantias assegurados nesse arcabouço normativo, por outro, têm o dever de contribuir para o aprimoramento da prestação jurisdicional. 5. Nítidos, portanto, os fundamentos que levaram este Tribunal a reconhecer o manifesto caráter protelatório dos primeiros embargos e, consequentemente, aplicar a sanção processual. 6. Evidente, ainda, a reiteração protelatória no manejo de segundos embargos, o que autoriza a majoração da multa aplicada, nos termos do art. 275, § 7º, do Código Eleitoral, e a determinação de certificação de trânsito em julgado (ED-ED-AgR-AI nº 1225-65/SE, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 3.4.2019; ED-ED-AI nº 739-24/SP, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 27.9.2018; ED-ED-AgR-REspe nº 158-39/RN, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 2.9.2019). 7. Embargos de declaração não conhecidos e majoração da multa aplicada para 5 (cinco) salários mínimos, com determinação de certificação de trânsito em julgado.

(TSE, AI n. 06069926620186260000, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE 13.5.2020.) – Grifei.

 

Sendo assim, diante da reiteração de conduta que se amolda à definição legislativa como má-fé processual (art. 80 do CPC) e do descumprimento do dever de não formular pretensão ou apresentar defesa quando ciente de que são destituídas de fundamento (art. 77, inc. II, do CPC), majoro a multa por litigância de má-fé para 2 (dois) salários-mínimos, totalizando o valor de R$ 2.090,00, nos termos do art. 81, § 2º, do CPC e do art. 275, § 7º, do Código Eleitoral.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do agravo interno e pela majoração da multa por litigância de má-fé para 2 (dois) salários-mínimos, totalizando o valor de R$ 2.090,00 (dois mil e noventa reais), nos termos da fundamentação.