RE - 0600007-79.2020.6.21.0120 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/07/2020 às 14:00

VOTO

Preliminar de ofício – ilegitimidade ad causam do partido político

Trata-se de recurso interposto nos autos de ação judicial declaratória de regularidade de filiação partidária formulada pelo SOLIDARIEDADE de Horizontina.

Observa-se que a inicial do ID 6188683 apresenta o requerimento de “declaração de regularidade da filiação do eleitor indicado na lista em anexo: JOSE VALDERI DA SILVA ao partido SOLIDARIEDADE (SD), por ser este o único partido ao qual está filiado de fato e vontade”.

Não se trata, portanto, de procedimento administrativo de coexistência ou duplicidade de filiações partidárias, o qual é regulamentado pela Resolução TSE n. 23.596/19 e pela Instrução Normativa TRE-RS P 65/20, pois não foi detectada pelo cartório eleitoral nenhuma irregularidade quanto à filiação do eleitor José Valderi da Silva, nem instaurado o procedimento previsto pelo TSE para esta hipótese fática específica.

Com efeito, nos casos em que é verificada a coexistência de filiações partidárias, o TSE estabeleceu, no art. 23 da Resolução TSE n. 23.596/19, que o cartório eleitoral deve notificar o filiado e os partidos envolvidos, concedendo-lhes o prazo de 20 dias para manifestação sobre a filiação sub judice.

Entretanto, ainda que no procedimento administrativo os partidos envolvidos sejam instados a manifestarem-se sobre a filiação discutida, tal circunstância não autoriza as agremiações a postularem em nome próprio a declaração judicial sobre a existência ou inexistência da filiação partidária de um eleitor.

O Código de Processo Civil de 2015 consagra a tutela jurisdicional autônoma cognitiva no seu art. 19, incs. I e II, ao estabelecer que o interesse do autor pode limitar-se à declaração da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica (inc. I), e/ou à autenticidade ou falsidade de documento (inc. II).

Na lição de Ovídio Batista, a tutela jurisdicional da ação declaratória “se esgota com a simples emissão da sentença e com a correspondente produção da coisa julgada. O bem da vida, neste caso, na terminologia chiovendiana, é justamente, e apenas, a obtenção de uma sentença com força de coisa julgada que torne absolutamente indiscutível, num eventual processo futuro, a existência, ou a inexistência, daquela relação jurídica que o Juiz declarou existir ou não existir” (SILVA, Ovídio Batista. GOMES, Fábio Luiz Gomes. Teoria Geral do Processo Civil. 1ª ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1997, pp. 248-249).

O Título I do CPC, ao dispor sobre a jurisdição e a ação, prevê, no art. 17, que “Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade” e, no art. 18, que “Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”. Ainda, o parágrafo único do art. 18 determina que, em caso de substituição processual, “o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial”.

Por certo, via de regra, “somente podem demandar aqueles que forem sujeitos da relação jurídica de direito material trazida a juízo. Cada um deve propor as ações relativas aos seus direitos. Salvo casos excepcionais expressamente previstos em lei, quem está autorizado a agir é o sujeito da relação jurídica discutida” (GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 79).

Assim, a legitimação para obter uma declaração judicial acerca de sua filiação partidária cabe ao titular do interesse material discutido em juízo, que no caso concreto é o eleitor José Valderi da Silva, e não os partidos políticos ao qual este se filiou.

A doutrina ensina que legitimação é “a coincidência entre a situação jurídica de uma pessoa, tal como resulta da postulação formulada perante o órgão judicial, e a situação legitimante prevista na lei para a posição processual que a essa pessoa se atribui, ou ela mesma pretende assumir” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 404, 1969, p. 9).

Nesse sentido, tem-se que a Lei dos Partidos Políticos, Lei n. 9.096/95, confere expressamente ao eleitor a legitimação ad causam para postular à Justiça Eleitoral que esclareça a existência ou a inexistência da sua filiação. Os arts. 16 e 17 da Lei dos Partidos Políticos estabelecem que a filiação é direito que deve ser por este voluntariamente exercido, competindo ao eleitor pleitear o cancelamento desse registro (art. 21).

Especificamente quanto ao caso dos autos, o art. 19, § 2º, da Lei n. 9.096/95 prevê que os eleitores prejudicados por desídia ou má-fé das agremiações poderão requerer, diretamente à Justiça Eleitoral, o reconhecimento da filiação:

Art. 16. Só pode filiar-se a partido o eleitor que estiver no pleno gozo de seus direitos políticos.

Art. 17. Considera-se deferida, para todos os efeitos, a filiação partidária, com o atendimento das regras estatutárias do partido.

Parágrafo único. Deferida a filiação do eleitor, será entregue comprovante ao interessado, no modelo adotado pelo partido.

(…)

Art. 19. Deferido internamente o pedido de filiação, o partido político, por seus órgãos de direção municipais, regionais ou nacional, deverá inserir os dados do filiado no sistema eletrônico da Justiça Eleitoral, que automaticamente enviará aos juízes eleitorais, para arquivamento, publicação e cumprimento dos prazos de filiação partidária para efeito de candidatura a cargos eletivos, a relação dos nomes de todos os seus filiados, da qual constará a data de filiação, o número dos títulos eleitorais e das seções em que estão inscritos. (Redação dada pela Lei nº 13.877, de 2019)

§ 1º Se a relação não é remetida nos prazos mencionados neste artigo, permanece inalterada a filiação de todos os eleitores, constante da relação remetida anteriormente.

§ 1º Nos casos de mudança de partido de filiado eleito, a Justiça Eleitoral deverá intimar pessoalmente a agremiação partidária e dar-lhe ciência da saída do seu filiado, a partir do que passarão a ser contados os prazos para ajuizamento das ações cabíveis. (Redação dada pela Lei nº 13.877, de 2019)

§ 2º Os prejudicados por desídia ou má-fé poderão requerer, diretamente à Justiça Eleitoral, a observância do que prescreve o caput deste artigo.

(…)

Art. 21. Para desligar-se do partido, o filiado faz comunicação escrita ao órgão de direção municipal e ao Juiz Eleitoral da Zona em que for inscrito.

Parágrafo único. Decorridos dois dias da data da entrega da comunicação, o vínculo torna-se extinto, para todos os efeitos.

Desse modo, por expressa previsão inserida no art. 19, § 2º, da Lei n. 9.096/95, a legitimidade ativa para o ajuizamento da presente ação cabe ao eleitor, dado que as ações meramente declaratórias objetivam a declaração sobre uma relação jurídica e que “o conflito entre as partes está na incerteza da relação jurídica, que a ação visa desfazer, tornando certo aquilo que é incerto, desfazendo a dúvida em que se encontram as partes quanto à relação jurídica” (STJ, REsp 1689811 ES 2017/0191820-8, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJ 8.3.2018).

Na hipótese em apreço, a ação só pode ser ajuizada por quem se declara titular do direito material de encontrar-se filiado ao partido político, ou seja, pelo eleitor, pois somente este pode afirmar-se titular da relação jurídico-material para a qual se postula decisão judicial declaratória.

Não há previsão legal de que o partido postule, de forma isolada, direito alheio em nome próprio para obter um pronunciamento jurisdicional declaratório que repercuta no reconhecimento ou não da filiação partidária de eleitor.

Tal circunstância chama ainda mais atenção porque o eleitor interessado sequer foi ouvido pelo magistrado a quo, tendo sido determinada apenas a intimação do partido ao qual este se encontra filiado no sistema FILIA para se manifestar sobre o pedido (PTB de Horizontina).

A referida intimação foi realizada por e-mail. Entretanto, ressalto que, por se tratar de processo judicial, afigura-se inaplicável a modalidade de intimação eletrônica dirigida ao endereço de e-mail do partido político, como ocorreu no presente feito, circunstância que demandaria a repetição do ato caso o entendimento fosse pelo prosseguimento do feito.

Isso porque a forma de comunicação utilizada pelo juízo a quo foi prevista pela Resolução TSE n. 23.596/19 e pela Instrução Normativa TRE-RS P 65/20 tão somente para o procedimento administrativo de coexistência ou duplicidade de filiações partidárias. Não há, até o momento, previsão de utilização dessa modalidade de intimação para processos judiciais que tramitam no âmbito da Justiça Eleitoral e não estão abrangidos pela Resolução TSE n. 23.608/19, a qual regulamenta representações, reclamações e pedidos de direito de resposta afetos às eleições de 2020.

Concluo, portanto, que é manifesta a ilegitimidade ativa da Comissão Provisória do município de Horizontina do partido SOLIDARIEDADE (SD) para a propositura de ação judicial declaratória de regularidade de filiação partidária do eleitor José Valderi da Silva, impondo-se a extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do CPC.

Ante o exposto, VOTO pela extinção do processo, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC, devido à ilegitimidade ativa da COMISSÃO PROVISÓRIA DO MUNICÍPIO DE HORIZONTINA para a propositura de ação judicial declaratória de regularidade de filiação partidária, nos termos da fundamentação.