Pet - 0600290-11.2019.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/07/2020 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente, após analisar a situação fático-jurídica debatida no presente processo, tendo em vista os princípios hermenêuticos que têm norteado as decisões deste Tribunal no julgamento de pedidos de regularização de contas julgadas como não prestadas, envolvendo candidatos que disputaram o pleito de 2014 – prestigiando, em especial, o princípio da incidência da legislação vigente ao tempo da realização das eleições –, destaco, inicialmente, que os fundamentos deduzidos em meu voto poderão conduzir à modificação do posicionamento adotado por esta Corte no julgamento de casos análogos, como passo a expor.

JAQUELINE PEREIRA SILVEIRA não prestou contas à Justiça Eleitoral relativamente à movimentação contábil da sua campanha nas eleições gerais de 2014, na qual disputou o cargo de deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), em descumprimento à norma disposta no art. 33, inc. I, da Resolução TSE n. 23.406/14.

A omissão do dever de prestar contas a esta Especializada ensejou o julgamento da contabilidade da candidata como não prestada por este Tribunal nos autos da PC n. 2467-70.2014.6.21.0000, em acórdão que foi relatado pelo Corregedor Regional Eleitoral à época, Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, e transitou em julgado na data de 02.6.2015 (certidão ID 2654383).

Em cumprimento àquela decisão, foi registrada a inadimplência da requerente no Cadastro Nacional de Eleitores, inviabilizando-lhe a obtenção de quitação eleitoral, conforme previsto no art. 58, inc. I, da Resolução TSE n. 23.406/14, a qual constitui objeto do presente pedido de regularização.

No tocante aos recursos de natureza financeira, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) deste Tribunal não identificou, em sua análise, receitas oriundas de fontes vedadas ou irregularidades na aplicação de recursos provenientes do Fundo Partidário durante a campanha.

Mas, por outro lado, apontou a obrigatoriedade de transferência ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 7.000,00, recebida do candidato Beto Grill, devido à ausência de identificação do seu doador originário, consoante disposto no art. 26, § 3º, c/c o art. 29, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.406/14 (ID 4003833).

Delineados os contornos fáticos do caso sob exame, no que concerne ao tratamento jurisprudencial conferido aos pedidos de regularização de contas julgadas não prestadas relacionados às eleições de 2014, este Regional inclina-se pelo entendimento de que a apresentação da contabilidade à Justiça Eleitoral é requisito suficiente ao saneamento da situação de inadimplência do candidato.

Isso importa dizer que o eventual reconhecimento do dever jurídico de recolher ao erário recursos financeiros movimentados de forma ilícita ao longo da campanha, como na hipótese, não tem sido condicionante à regularização da parte interessada no Cadastro Nacional de Eleitores e, consequentemente, à obtenção de quitação eleitoral.

Nessa linha, o acórdão prolatado na PET n. 56-83, de relatoria da Desembargadora Eleitoral Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, na sessão de 18.07.2016 – mantido após o julgamento de embargos de declaração em 24.8.2016 –, no qual se recusou condicionar a regularização cadastral de candidato ao cargo de deputado estadual nas eleições de 2010 à nova apresentação das contas e, também, ao efetivo recolhimento ao Tesouro Nacional de valores oriundos do Fundo Partidário, na medida em que tal comando implicaria restringir direitos de matiz constitucional sem a correspondente previsão expressa no art. 39, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.217/10, que tinha redação análoga à do art. 54, § 1º, da Resolução TSE n. 23.406/15.

Naquele mesmo acórdão, constou referência às decisões monocráticas proferidas no RESPE n. 2463-33/RS pela Ministra Luciana Lóssio, em 25.11.2015, e no RESPE/RS n. 1399-85, pelo Ministro Luiz Fux, em 10.12.2015, com base nas quais este Regional, alterando a linha da sua jurisprudência, passou a admitir a possibilidade de determinação do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em sede de processos de prestação de contas julgadas como não prestadas e de pedidos de regularização decorrentes de julgamentos dessa natureza.

Contudo, como também consignado no acórdão em questão, em nenhuma das citadas decisões monocráticas, os ilustres Ministros do Tribunal Superior Eleitoral ampliaram as suas argumentações para condicionar o deferimento da regularização cadastral do candidato ao prévio recolhimento de valores por ele recebido ou movimentado em desacordo com as prescrições legais, matéria que não veio a ser enfrentada expressamente pela Corte Superior em decisões posteriores.

Em acórdão mais recente, este Tribunal decidiu de acordo com a previsão expressa do art. 54, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.406/14, deferindo o pedido de regularização de prestação de contas julgadas não prestadas de candidato ao pleito de 2014, conquanto inexistissem, naquele caso, valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional (PET n. 060008579, Relatora Marilene Bonzanini, DEJERS de 15.5.2019).

Com esse breve apanhado e adentrando à análise da normativa regulatória da arrecadação e dos gastos de recursos na campanha eleitoral de 2014, reporto-me, de início, à redação do art. 54, § 1º, da Resolução TSE n. 23.406/14:

Art. 54. A Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas, decidindo:

(...)

§ 1º Julgadas não prestadas, mas posteriormente apresentadas, as contas não serão objeto de novo julgamento, sendo considerada a sua apresentação apenas para fins de divulgação e de regularização no Cadastro Eleitoral ao término da legislatura, nos termos do inciso I do art. 58. (Grifei.)

De fato, o teor literal desse dispositivo permite concluir que o acolhimento do pedido de regularização de contas julgadas não prestadas com relação ao pleito de 2014 prescindiria do efetivo recolhimento de valores irregularmente movimentados durante a campanha, bastando a simples apresentação da contabilidade para que o candidato tivesse a sua situação cadastral regularizada para fins de quitação eleitoral.

Todavia, seguindo as lições de LARENZ1, embora a primeira orientação da atividade hermenêutica seja a acepção literal extraída do texto normativo, a qual delimita o campo percorrível pelo intérprete, este não deve se descuidar do contexto significativo da lei, dentro do qual as disposições normativas singulares devem dialogar e concordar materialmente entre si dentro do sistema conceitual que lhe é subjacente, de modo a preservar tanto as finalidades perseguidas pelo legislador histórico quanto os fins objetivos da ordem jurídica, sintetizados no ideal de resolução justa de conflitos, para o qual a segurança e a equidade constituem princípios ético-jurídicos fundamentais.

Desse modo, ainda que sujeita às limitações semânticas do texto normativo, a atividade cognitiva do magistrado permite-lhe introduzir juízos valorativos à sua interpretação, eventualmente completando o texto da lei, notadamente nas hipóteses de lacunas e antinomias, para evitar as consequências iníquas ou indesejáveis da sua aplicação em desconformidade com o seu alcance e propósito2.

Seguindo essa ordem de ideias, o conteúdo da norma extraído a partir da interpretação literal do § 1º do art. 54 da Resolução TSE n. 23.406/14 revela-se demasiadamente amplo, permitindo que nele sejam subsumidos, indistintamente, todos os pedidos de regularização de contas julgadas não prestadas, sem diferenciar os casos em que a movimentação de recursos financeiros durante a campanha se deu em conformidade com o ordenamento jurídico-eleitoral daqueles em que há o dever de recolhimento, devido à ilicitude na arrecadação ou destinação de receitas, para fins de obtenção de quitação eleitoral.

A regra extraída da literalidade do dispositivo em comento, indubitavelmente aplicável aos pedidos de regularização atinentes ao pleito de 2014 – porquanto não se cogita de incidência de diploma legal diverso daquela vigente à época dos fatos, em atenção ao princípio tempus regit actum, referendado em inúmeros precedentes do Tribunal Superior Eleitoral e desta Casa –, não se ajusta, entretanto, segundo a sua significação e finalidade, aos casos em que se reconhece o dever jurídico de transferência de valores ao erário, o qual constitui uma especificidade relevante no processo de valoração judicial em processos dessa natureza.

O desajuste da norma a tais casos importa reconhecer a existência de uma lacuna oculta dentro do sistema normativo, que deve ser colmatada com observância da intenção reguladora e dos fins do legislador, bem como dos critérios perseguidos objetivamente dentro da ordem jurídica3.

O preenchimento dessa lacuna oculta, antes de implicar a usurpação de competência legislativa, ou a declaração de invalidade da norma, constitui manifestação do conhecimento criativo do juiz no desenvolvimento do Direito, por meio do qual pode buscar a preservação da sua integridade e validade dentro do sistema, valendo-se do processo de redução teleológica, estudado por LARENZ4, e também referido por ENGISCH5, sob a denominação de interpretação teleológica restritiva.

Recorrendo a esses processos hermenêuticos de integração de lacunas, estou propondo que o § 1º do art. 54 da Resolução TSE n. 23.406/14 seja interpretado restritivamente para abranger apenas as hipóteses em que inexistem valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, derivados de movimentações ilícitas de recursos financeiros durante a campanha, autorizando o candidato, ao término da legislatura, ou, findo o seu prazo, após suprir sua omissão, a obter a quitação eleitoral com a simples apresentação das contas à Justiça Eleitoral.

Diversamente, nos casos em que se constata a obrigatoriedade de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, afasta-se a aplicação da consequência jurídica delineada no § 1º do art. 54 da Resolução TSE n. 23.406/14, aplicando-se o § 2º do art. 54, c/c os arts. 28, § 1º, 29, caput, e 57, parágrafo único, do mesmo diploma, os quais devem ser integralmente cumpridos pelo candidato para que possa sanar a sua situação de inadimplência e obter a quitação eleitoral em sede de pedido de regularização de contas julgadas como não prestadas.

No § 2º do art. 54 da Resolução TSE n. 23.406/14, o legislador eleitoral colocou em evidência o seu escopo de fiscalizar e controlar movimentações ilícitas com recursos derivados de fonte vedada, de origem não identificada ou do Fundo Partidário, ao prever uma fase específica e obrigatória para essa finalidade no procedimento do pedido de regularização de contas julgadas como não prestadas:

Art. 54. (...)

§ 2º Na hipótese do parágrafo anterior, as contas apresentadas serão submetidas a exame técnico tão somente para verificação de eventual existência de recursos de fontes vedadas, de origem não identificada e da ausência de comprovação ou irregularidade na aplicação de recursos oriundos do Fundo Partidário, com posterior encaminhamento ao Ministério Público.

E, nos arts. 28, § 1º, 29, caput, e 57, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.406/14, explicitou a obrigatoriedade de recolhimento dessas receitas no processo de prestação de contas:

Art. 28. É vedado a candidato, partido político e comitê financeiro receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de (Lei nº 9.504/97, art. 24, I a XI):

(...)

§ 1º Os recursos recebidos por candidato, partido ou comitê financeiro que sejam oriundos de fontes vedadas deverão ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), por quem os receber, tão logo sejam identificados, observando-se o limite de até 5 dias após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas de campanha.

(...)

Art. 29. Os recursos de origem não identificada não poderão ser utilizados pelos candidatos, partidos políticos e comitês financeiros e deverão ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), tão logo seja constatada a impossibilidade de identificação, observando-se o prazo de até 5 dias após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas de campanha.

(...)

Art. 57. A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicada em até 8 dias antes da diplomação (Lei nº 9.504/97, art. 30, § 1º).

Parágrafo único. Na hipótese de gastos irregulares de recursos do Fundo Partidário ou da ausência de sua comprovação, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional, no prazo de 5 dias após o seu trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para fins de cobrança. (Grifei.)

Dessa maneira, entendo que o sentido imanente à norma do art. 54, § 1º, da Resolução TSE n. 23.406/14 não corresponde àquele derivado da sua interpretação literal, por destoar da intenção regulatória do legislador, seja do ponto de vista histórico, seja sob a perspectiva da teleologia objetiva da ordem jurídico-eleitoral, assim como, em última análise, não se amolda ao imperativo da interpretação conforme a Constituição Federal.

Destaco, nesse contexto, que a lisura na aplicação de recursos financeiros ao longo da campanha é condição indissociável da normalidade e legitimidade das eleições, bens jurídicos tutelados constitucionalmente quando prevê a possibilidade de o mandato eletivo ser impugnado nos casos de abuso do poder econômico, corrupção e fraude (art. 14, § 10), os quais, costumeiramente, se apresentam à Justiça Eleitoral em perfeito entrelaçamento à desobediência das normas infraconstitucionais regulatórias da arrecadação e dos gastos nas campanhas eleitorais, aferível, inclusive, mas não somente, por meio dos processos de prestação de contas.

No plano infraconstitucional, reflete-se, expressamente, idêntica tutela ao processo eleitoral íntegro e legítimo nas disposições da LC n. 64/90 e na Lei n. 9.504/97, quando normatizam a ação de investigação judicial eleitoral e as representações especiais, voltadas a restabelecer o equilíbrio político-eleitoral quando verificados desvio ou abuso de poder político e econômico ou do poder de autoridade, ou, ainda, o uso indevido dos meios de comunicação social, além da captação ilícita de votos e de recursos com finalidade eleitoral e doações acima do limite legal, todas condutas associadas a práticas ilícitas no financiamento das campanhas, com seus visíveis efeitos deletérios não apenas na seara eleitoral.

Fixadas essas premissas, considero inviável interpretar a lacuna oculta existente na norma descrita no art. 54, § 1º, da Resolução TSE n. 23.406/14 como uma manifestação do silêncio eloquente do legislador – insuscetível de integração ou colmatação pelo intérprete –, por meio do qual teria optado, de modo intencional, por não incluir, no bojo da sua disciplina, o recolhimento de quantias indevidamente utilizadas durante a campanha como requisito ao deferimento dos pedidos de regularização e, via de consequência, à quitação eleitoral, justamente porque interpretação circunscrita à literalidade desse dispositivo representaria uma incongruência principiológica e finalística dentro do sistema de normas eleitorais.

Ressalto que a omissão legislativa foi expressamente sanada pelo Tribunal Superior Eleitoral com a edição das resoluções que regulamentaram o gerenciamento de recursos nas eleições de 2016, 2018 e 2020, em sentido compatível com aquele que já era perfeitamente esperado e apreensível dentro do ordenamento jurídico-eleitoral ao tempo do pleito de 2014.

Esse dado demonstra ter havido uma evolução normativa, circunstância que também valida o processo de aperfeiçoamento do sentido imediatamente deduzido da norma do art. 54, § 1º, da Resolução TSE n. 23.406/14, com a evidenciação de conteúdo implícito à sua gênese, a partir da ponderação entre os bens jurídicos tutelados pela ordem eleitoral e os deveres e direitos conferidos aos candidatos, assegurando, ao sistema, como um todo, uma formatação sem rupturas conceituais ou principiológicas.

A Resolução TSE n. 23.463/15 foi a primeira a explicitar a indispensabilidade do efetivo recolhimento de valores indevidamente movimentados e do cumprimento das sanções, eventualmente impostas, para o levantamento da situação de inadimplência de candidatos e órgãos partidários, cujas contas foram julgadas como não prestadas, conforme o seu art. 73, § 5º:

Art. 73

A decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarreta:

I - ao candidato, o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral até o final da legislatura, persistindo os efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação das contas;

II - ao partido político, a perda do direito ao recebimento da cota do Fundo Partidário.

§ 1º Após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas como não prestadas, o interessado pode requerer a regularização de sua situação para evitar a incidência da parte final do inciso I do caput ou para restabelecer o direito ao recebimento da cota do Fundo Partidário.

(...)

§ 3º Caso constatada impropriedade ou irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo Partidário ou no recebimento dos recursos de que tratam os arts. 25 e 26, o órgão partidário e os seus responsáveis serão notificados para fins de devolução ao Erário, se já não demonstrada a sua realização.

§ 4º Recolhidos os valores mencionados no § 3º, a autoridade judicial julgará o requerimento apresentado, aplicando ao órgão partidário e aos seus responsáveis, quando for o caso, as sanções previstas no § 3º do art. 68.

§ 5º A situação de inadimplência do órgão partidário ou do candidato somente deve ser levantada após o efetivo recolhimento dos valores devidos e o cumprimento das sanções impostas na decisão prevista nos incisos I e II do caput e § 2º. (Grifei.)

Na sequência, a Resolução TSE n. 23.553/17 manteve essa proposição normativa, como se depreende da leitura do seu art. 83, § 5º:

Art. 83. A decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarreta:

I - ao candidato, o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral até o final da legislatura, persistindo os efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação das contas;

II - ao partido político, a perda do direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário e a suspensão do registro ou da anotação do órgão de direção estadual ou municipal.

§ 1º Após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas como não prestadas, o interessado pode requerer, na forma do disposto no § 2º deste artigo, a regularização de sua situação para:

I - no caso de candidato, evitar que persistam os efeitos do impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral após o final da legislatura; ou

II - no caso de partido político, restabelecer o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário e reverter a suspensão do registro ou da anotação do órgão de direção estadual ou municipal.

(...)

§ 3º Caso constatada impropriedade ou irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou no recebimento dos recursos de que tratam os arts. 33 e 34 desta resolução, o órgão partidário e os seus responsáveis serão intimados para fins de devolução ao erário, se já não demonstrada a sua realização.

§ 4º Recolhidos os valores mencionados no § 3º, a autoridade judicial julgará o requerimento apresentado, decidindo pela regularização ou não da omissão, aplicando ao órgão partidário e aos seus responsáveis, quando for o caso, as sanções previstas no § 4º do art. 77 desta resolução.

§ 5º A situação de inadimplência do órgão partidário ou do candidato somente deve ser levantada após:

I - o efetivo recolhimento dos valores devidos; e

II - o cumprimento das sanções impostas na decisão prevista nos incisos I e II do caput e no § 4º deste artigo. (Grifei.)

Para o pleito que será realizado no corrente ano eleitoral, a Resolução TSE n. 23.607/19 preservou a prescrição normativa no seu art. 80, §§ 3º a 5º:

Art. 80. A decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarreta:

(...)

§ 3º Caso constatada impropriedade ou irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou no recebimento dos recursos de que tratam os arts. 31 e 32 desta Resolução, o candidato ou o órgão partidário e os seus responsáveis serão intimados para fins de devolução ao erário, se já não demonstrada a sua realização.

§ 4º Recolhidos os valores mencionados no § 3º deste artigo, ou na ausência de valores a recolher, a autoridade judicial deve decidir sobre o deferimento, ou não, do requerimento apresentado, decidindo pela regularização, ou não, da omissão, aplicando ao órgão partidário e aos seus responsáveis, quando for o caso, as sanções previstas no § 5º do art. 74 desta Resolução.

§ 5º A situação de inadimplência do órgão partidário ou do candidato somente deve ser levantada após:

I - o efetivo recolhimento dos valores devidos; e

II - o cumprimento das sanções impostas na decisão prevista nos incisos I e II do caput e no § 4º deste artigo. (Grifei.)

Em complementação ao debate, trago à colação recente acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo, no julgamento da PC n. 1364-88, no qual indeferiu o pedido de regularização de candidato que disputou o pleito de 2014, devido à falta de recolhimento de receitas de origem não identificada ao Tesouro Nacional:

PEDIDO DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÃO CADASTRAL. CONTAS NÃO PRESTADAS. ELEIÇÕES 2014. ART. 54, § 2º, DA RESOLUÇÃO TSE 23.406/14. IMPOSSIBILIDADE. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE REGULARIZAÇÃO. PEDIDO INDEFERIDO.

1. Conquanto as contas apresentadas extemporaneamente não sejam objeto de novo julgamento, para o fim de regularização da situação do candidato omisso, os dados financeiros por ele encaminhados por intermédio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE) são submetidos a exame técnico para o fim de aferição de eventual recebimento de recursos de fontes vedadas, de origem não identificada e da ausência de comprovação ou irregularidade na aplicação de recursos oriundos do Fundo Partidário (art. 54, § 2º, da Resolução TSE nº 23.406/14).

2. Na hipótese, constatou-se a omissão na declaração de recebimento de recurso de origem não identificada, bem como a ausência de sua devolução ao Tesouro Nacional, mesmo após regular intimação.

3. Pedido de regularização indeferido, mantendo-se a vedação de obter a certidão de quitação eleitoral até que as contas sejam regularmente prestadas, conforme enunciado sumular de nº 42 editado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

(PC n. 136488, Relatora Wilma Chequer Bou-Habib, DJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do ES, Data: 26.6.2019, p. 07). (Grifei.)

Nesse ponto, teço, ainda, algumas observações a respeito do Enunciado da Súmula n. 42 do Tribunal Superior Eleitoral, utilizado como fundamento decisório no aresto cuja ementa reproduzi acima:

Súmula TSE – n. 42

A decisão que julga não prestadas as contas de campanha impede o candidato de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu, persistindo esses efeitos, após esse período, até a efetiva apresentação das contas.

Nada obstante uma primeira leitura pudesse induzir à conclusão de que a Corte Superior teria uniformizado o seu entendimento, exigindo apenas a apresentação das contas como requisito para a regularização cadastral, após o julgamento da contabilidade do candidato como não prestada, é importante lembrar que esse verbete sumular foi editado em 10.5.2016, ou seja, em data anterior à da publicação da Resolução TSE n. 23.553, em 18.12.2017, que reafirmou a necessidade do recolhimento de valores ao erário como condição indispensável à obtenção de quitação eleitoral, introduzida expressamente no texto da Resolução TSE n. 23.463, de 15.12.2015.

Ademais, a análise dos precedentes que levaram à uniformização da jurisprudência da Corte Superior, nos moldes do citado enunciado, demonstra que neles não estavam sendo discutidos os requisitos necessários à regularização de situação de inadimplência gerada pelo julgamento de contas de campanha como não prestadas, dentre os quais o recolhimento de valores ao erário.

Ao contrário, a discussão travada em tais precedentes judiciais estava centralizada no prazo de duração dos efeitos do julgamento das contas de campanha como não prestadas, vedando o restabelecimento da quitação eleitoral, enquanto condição de elegibilidade para o exercício dos direitos políticos, durante o curso do mandato do cargo público eletivo, disputado anteriormente, e, após esse período, até a apresentação das contas à Justiça Eleitoral, com o objetivo de instar o cumprimento desse dever legal, ainda que de forma extemporânea pelo candidato (RESPE n. 74673/DF, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicado em Sessão, Data: 30.9.2014; RESPE n. 27376/MT, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicado em Sessão, Data: 23.9.2014; PET n. 25760, Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE, Tomo 165, Data: 26.8.2016, pp. 126-127).

Em acréscimo à abordagem interpretativa da norma do art. 54, § 1º, da Resolução TSE n. 23.406/14, relembro os ensinamentos de PONTES DE MIRANDA6, de acordo com os quais a quitação (de natureza eleitoral, inclusive) constitui uma manifestação de conhecimento, com uma carga preponderante de enunciado de fato – em termos de foi, não foi; é, não é; ou, simplesmente: de que estou convencido de que foi, de que não foi, ou de que é ou de que não é –.

A manifestação de conhecimento com carga predominantemente enunciativa faz a quitação ingressar na classe dos atos jurídicos em sentido estrito, os quais, embora tenham a sua prática impulsionada pela vontade e ação humanas, se revestem de um conteúdo preestabelecido pela lei, prescindindo da declaração de vontade para a geração dos seus efeitos, ao contrário do que ocorre nos negócios jurídicos, marcadamente orientados pela manifestação de vontade das partes quanto ao seu conteúdo e consequências jurídicas, desde que reconhecidos pelo Direito.

Com essas ponderações, alinhando-me à diretriz do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 4245533), conquanto verificado, em 31.12.2018, o término da legislatura para a qual disputou o cargo de deputada estadual no pleito de 2014, estou encaminhando meu voto no sentido de indeferir o presente pedido de regularização, uma vez que a requerente, apesar de intimada para responder ao laudo pericial da unidade técnica de exame deste Regional (ID 4030283), não se manifestou, tampouco comprovou o recolhimento da quantia de R$ 7.000,00, recebida sem identificação de sua origem durante a campanha.

Diante do exposto, VOTO pelo indeferimento do pedido de regularização formulado por JAQUELINE PEREIRA SILVEIRA relativamente à sua situação de inadimplência, registrada no Cadastro Nacional de Eleitores, em virtude do julgamento de suas contas como não prestadas quanto às eleições de 2014, nos termos da fundamentação.

 

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1 Metodologia da Ciência do Direito. 3ª ed., Editora Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1991, pp. 450-479. Disponível em https://docplayer.com.br/20936264-Karl-larenz-metodologia-da-ciencia-do-direito-3-a-edicao-traducao-de-jose-lamego-fundacao-calouste-gulbenkian-i-lisboa.html, acesso em 21.6.2020.

2 PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito, 1ª ed., Editora Martins Fontes, São Paulo, 1996, pp. 489-491 e 503.

3 LARENZ, Karl. Op. Cit., pp. 521-524 e 535.

4 LARENZ, Karl. Op. Cit., p. 556.

5 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Editora Calouste Gulbenkian, 2001, pp. 337-340.

6 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo II, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1954, pp. 454-455.

Calouste Gulbenkian, 2001, pp. 337-340.