RE - 0600022-21.2020.6.21.0032 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/07/2020 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. A eleitora foi intimada da decisão combatida, mediante carta, no dia 03.3.2020 (ID 5601333), e o recurso foi interposto em 06.3.2020, observando, portanto, o quinquídio previsto no art. 18, § 5º, da Resolução TSE n. 21.538/03.

Assim, igualmente preenchidos os demais pressupostos recursais, deve ser conhecido.

 

Mérito

A questão versa sobre a transferência de domicílio eleitoral, matéria disposta nos arts. 18 e 65 da Resolução TSE n. 21.538/03, verbis:

Art. 18. A transferência do eleitor só será admitida se satisfeitas as seguintes exigências:

I – recebimento do pedido no cartório eleitoral do novo domicílio no prazo estabelecido pela legislação vigente;

II – transcurso de, pelo menos, um ano do alistamento ou da última transferência;

III – residência mínima de três meses no novo domicílio, declarada, sob as penas da lei, pelo próprio eleitor (Lei nº 6.996/1982, art. 8º);

IV – prova de quitação com a Justiça Eleitoral.

 

Art. 65. A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

 

O domicílio eleitoral representa um conceito mais elástico do que o domicílio civil, admitindo-se a simples demonstração de vínculos de natureza afetiva, econômica, política, social ou comunitária entre o eleitor e o município, conforme já assentado na doutrina e na jurisprudência.

Neste passo, transcrevo a seguinte decisão:

ELEIÇÃO 2012. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. DEFERIMENTO. DOMICÍLIO ELEITORAL. ABRANGÊNCIA. COMPROVAÇÃO. CONCEITO ELÁSTICO. DESNECESSIDADE DE RESIDÊNCIA PARA SE CONFIGURAR O VÍNCULO COM O MUNICÍPIO. PROVIMENTO. 1) Na linha da jurisprudência do TSE, o conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e se satisfaz com a demonstração de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes. 2) Recurso especial provido para deferir o registro de candidatura.

(TSE - REspe: 37481 PB, Relator: Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, Data de Julgamento: 18.02.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 142, Data: 04.8.2014, Página 28/29.) (Grifei.)

 

Nesse trilhar, este Tribunal adota uma compreensão bastante flexível de domicílio eleitoral ao admitir provas que, apesar de não denotarem a noção estrita de residência, revelam relações das mais diversas com a localidade, tais como a demonstração de participação em campeonato esportivo e em associação recreativa local por tempo duradouro (RE n. 756, Santo Cristo - RS, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, Sessão: 30.8.2018) ou de residência dos sogros e cunhados no município (RE n. 2602, Relator: Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Sessão: 14.11.2017).

Com essa perspectiva, passo a demonstrar que sequer tal abrandamento ampara o caso sob exame, haja vista a ausência de sinceridade e, quiçá, de boa-fé na motivação do pedido.

Ainda, por oportuno, merece ser pontuado o recente julgado desta Corte Eleitoral, o RE n. 0600019-66, cuja ementa da decisão transcrevo a seguir:

RECURSO. REQUERIMENTO DE TRANSFERÊNCIA DE DOMICILIO ELEITORAL. INDEFERIMENTO. PROVA DE DOMICÍLIO FRÁGIL E DUVIDOSA. NÃO DEMONSTRADO O VÍNCULO COM O MUNICÍPIO PRETENDIDO. CIRCUNSTÂNCIAS INDICATIVAS DE TRANSFERÊNCIA FRAUDULENTA. DESPROVIMENTO.

Insurgência contra decisão que indeferiu requerimento de transferência de domicílio eleitoral, por ausência de prova idônea do vínculo residencial com a localidade.

A troca de domicílio eleitoral esta regulamentada pelos arts. 18 e 65 da Resolução TSE n. 21.538/03. De acordo com a doutrina e jurisprudência, o domicílio eleitoral representa um conceito mais elástico do que o domicílio civil, admitindo-se a simples demonstração de vínculos de natureza afetiva, econômica, política, social ou comunitária entre o eleitor e o município. Neste sentido, faculta-se ao cidadão a escolha de qual local funcionará como sede para o seu exercício do voto, consoante dicção do parágrafo único do art. 42 do Código Eleitoral.

Cumpre ao requerente demonstrar, por meios convincentes, seu vínculo com o município do qual pretende ser eleitor. Este Tribunal adota uma compreensão bastante flexível de domicílio eleitoral ao admitir provas que, apesar de não denotarem a noção estrita de residência, revelam relações das mais diversas com a localidade, tais como a demonstração de participação em campeonato esportivo e em associação recreativa local por tempo duradouro. Na hipótese, a prova de domicílio apresenta-se frágil e duvidosa, não servindo, por si só, para o deferimento da transferência eleitoral. Nenhuma das diversas situações passíveis de configurar o domicílio eleitoral foi minimamente demonstrada nos autos, não sendo suficiente a mera alegação da parte quanto aos vínculos profissionais ou familiares, para superar a precariedade da prova apresentada.

Indícios de não veracidade acerca das declarações prestadas pela eleitora e no contrato de locação apresentado. Diligências in loco determinadas pelo magistrado a quo. Confirmação de que a eleitora permanece com domicílio no município de origem. Elementos do instrumento contratual e do contexto do pedido de transferência a impor fundado descrédito sobre comprovante de residência. Circunstâncias indicativas de transferência fraudulenta.

Provimento negado.

(RE 0600019-66.2020.6.21.0032, Relator: Des. Eleitoral SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Sessão: 04.5.2020.)

 

Impende ressaltar que o julgado supracitado se assemelha, em quase tudo, ao caso dos autos, pois o contexto fático probatório revelou que se deram nas mesmas circunstâncias de modo, tempo, lugar e atuação similar de algumas das pessoas envolvidas, tendo se desdobrado em mais de um processo judicial. Desse modo, nesta ação judicial, não há outro raciocínio a ser seguido senão o já brilhantemente percorrido pelo ilustre Des. Eleitoral Sílvio Ronaldo Santos de Moraes no RE n. 0600019-66.

Dessarte, o presente processo judicial se amolda às especificações constantes na informação subscrita pelo Chefe de Cartório da 32ª Zona, conforme segue.

No dia 21.01.2020, a eleitora Schaiane Beutler compareceu ao Cartório Eleitoral, junto de Aldo do Prado Neris, Elaine Neris e Luana de Lima Neris, todos acompanhados do servidor municipal da prefeitura de Boa Vista das Missões Carlos Rogério dos Santos Bueno, a fim de solicitar a sua transferência eleitoral de Palmeira das Missões para Boa Vista das Missões (ID 5600983).

A recorrente apresentou contrato de locação como prova de residência, tendo nesse instrumento como locadora Eliane Aquino de Abreu Moreira e como locatários ela e seu marido Valdair, cujas assinaturas foram reconhecidas em tabelionato no dia 21.10.2019 (ID 5601083).

Entretanto, naquela oportunidade, ao ser indagada pelo servidor público Maicon de Quadros sobre questões de praxe, tanto Schaiane quanto os outros eleitores titubearam. Nessa situação, sobressaiu o comportamento da recorrente, pois quando perguntada acerca de sua residência, olhava, frequentemente, “em direção ao Sr. Carlos”. 

Diante dessas circunstâncias, o Chefe de Cartório fez constar as seguintes observações no documento dirigido ao Juiz Eleitoral:

A eleitora frequentemente olhava em direção ao Sr. Carlos quando perguntadas informações sobre seu domicílio.

Os demais eleitores frequentemente ou não sabiam informações sobre o endereço ou ficavam com dúvida, e buscavam auxílio do Sr. Carlos.

À vista dos indícios de não veracidade acerca das declarações prestadas pela eleitora, o magistrado a quo determinou diligências a fim de confirmar a autenticidade do domicílio informado (ID 5601133), com base no art. 65, § 4º, da Resolução TSE n. 21.538/03:

Art. 65. (...).

§ 4º Subsistindo dúvida quanto à idoneidade do comprovante de domicílio apresentado ou ocorrendo a impossibilidade de apresentação de documento que indique o domicílio do eleitor, declarando este, sob as penas da lei, que tem domicílio no município, o juiz eleitoral decidirá de plano ou determinará as providências necessárias à obtenção da prova, inclusive por meio de verificação in loco.

 

Em sequência, o Chefe de Cartório procedeu à verificação in loco (ID 5601183), dirigindo-se ao endereço antigo, em Palmeira das Missões, para dar cumprimento à ordem judicial, visando confirmar se os eleitores ainda residiam no município, lavrando, ao final, certidão com o seguinte teor:

Em vista que a dúvida residia sobre se, de fato, os eleitores residiam no município de Boa Vista das Missões, foi procedida a verificação, no endereço antigo, a fim de verificar se os eleitores ainda residiam no município sede.

Diante disso, me dirigi ao endereço Rua Mário Becker, 110, Bairro Franco I, em Palmeira das Missões, onde não encontrei residentes. Após questionar vizinhos, verificou-se que Valdair Rocha de Lima e Schaiane Beutler residem à Rua Mário Becker 165, Fundos, com informação prestada pelo Sr. Aldo do Prado Neris, que reside no local, bem como por este servidor, que, em diligência anterior na busca de Aldo do Prado Neris e Elaine Neris, foi atendido pela Sra. Schaiane.

Por oportuno, questionei sobre o tempo de residência dos eleitores em comento, pelo qual disseram que sempre moraram ali e não se mudaram recentemente.

 

Da verificação in loco, ficou apurado que não restou confirmado o endereço declarado pela eleitora no município de Boa Vista das Missões, localidade de destino da transferência.

Diante desta constatação, a recorrente argumentou que “possuía contrato de locação “há muito tempo”, e lá reside”. Ainda aduziu: “possui casa, mobiliada, no porão da residência, com todos os seus pertences”. E acrescentou: “também possui endereço em Palmeira das Missões, porém estava trabalhando em Boa Vista das Missões na época”. Logo, a insurgente busca concluir que a diligência não conduz ao resultado pela falta de vínculo com a nova circunscrição, querendo fazer crer não existir irregularidade na concomitância de residências de Palmeira da Missões e de Boa Vista das Missões.

Na linha do disposto nos arts. 71 e 72 do Código Civil, o esquadro normativo civilista reconhece a possibilidade da pluralidade de domicílios, nos quais a pessoa alternadamente viva ou constitua diferentes espécies de relações.

Por corolário, se a eleitora permanece com vínculos, inclusive com domicílio civil no município de Palmeira das Missões, não afasta, em tese, a possibilidade de constituição de um novo domicílio em Boa Vista das Missões.

Isso porque se faculta ao cidadão a escolha de qualquer desses como sede para o seu exercício do voto, consoante, inclusive, dicção do parágrafo único do art. 42 do Código Eleitoral: “é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas”.

Ocorre que, diante de todo o conteúdo fático probatório dos presentes autos, em especial as pertinentes averiguações determinadas pelo juízo a quo, entendo que a manutenção do domicílio familiar em Palmeiras das Missões associa-se a outros elementos informativos acostados aos autos para impor fundado descrédito sobre o instrumento locatício apresentado.

De fato, constata-se uma gama de indícios característicos do modus operandi da cooptação de pessoas para transferências fraudulentas, visando à construção artificial de um reduto ou “curral” eleitoral, prática ilícita que ganha especial relevo em anos de eleições municipais, especialmente em localidades de diminuto eleitorado, conforme averiguado nas circunstâncias que rodeiam o requerimento dessa transferência.

Destarte, no trilhar da manifestação exarada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, que também entendeu, por lógica razoável, seguir pareceres concatenados com os processos que possuem igual desdobramento fático, cabe destacar os seguintes aspectos que colocam fundada dúvida sobre a autenticidade da documentação oferecida, quais sejam:

1) embora a eleitora sustente manter vínculos familiares e profissionais com a localidade, a única prova oferecida foi o contrato de locação do imóvel de propriedade de Eliane Aquino de Abreu Moreira (ID 5601083);

2) no contrato, o endereço da locadora é o mesmo do imóvel locado (conta de luz - ID 5601083), porém delimitado o outro pavimento (recurso – ID 5600733);

3) o ajuste registra início de vigência em 15.10.2019 e teve assinaturas reconhecidas em 21.10.2019, ou seja, nos exatos três meses anteriores de domicílio legalmente exigidos para o requerimento de transferência e prevê a duração de um ano, findando em 14.10.2020, isto é, na semana posterior às eleições de 2020, sem cláusula de prorrogação;

4) a fatura de energia elétrica apresentada continua sob a titularidade da locadora e informa que o imóvel consiste em uma residência, sem unidades de consumo independentes (ID 5601083);

5) o Chefe de Cartório informou que o servidor da prefeitura, Carlos Rogério dos Santos Bueno, conduziu os eleitores ao Cartório Eleitoral e, inclusive, esclareceu detalhes sobre o endereço diante de dúvidas da declarante (ID 5600983); e,

6) posteriormente, o Chefe de Cartório certificou que, por ocasião do protocolamento do presente recurso, compareceram em cartório o procurador constituído e, novamente, o servidor Carlos Rogério (ID 5600783).

Ainda, releva destacar que, por meio de consulta ao Portal da Transparência da Prefeitura de Boa Vista das Missões (https://www.boavistadasmissoes.rs.gov.br/), é possível confirmar que Carlos Rogério dos Santos Bueno é servidor público efetivo lotado na Secretaria de Saúde.

Assim, no contexto exposto, entendo que a prova de domicílio apresentada é frágil e duvidosa, não servindo, por si só, para o deferimento da transferência eleitoral.

Importante salientar que é ônus da requerente a prova de seu vínculo com o município no qual pretende figurar como eleitora, cumprindo-lhe, portanto, apresentar documentos que efetivamente demonstrassem a existência de liames sociais, familiares, afetivos ou profissionais com a municipalidade, superando a precariedade do instrumento contratual apresentado, o qual - na expressão trazida pelo art. 55, § 1º, inc. III, do Código Eleitoral – deveria ter ofertado por “meios convincentes”.

Dessa maneira, como não restaram razoavelmente demonstrados os elementos mínimos a configurar o domicílio eleitoral, não há como dar guarida ao recurso, porquanto não basta a mera alegação da parte quanto aos vínculos profissionais ou familiares para superar a precariedade da prova relacionada a seu endereço residencial, mormente diante das diligências de ofício determinadas na origem.

Logo, estou convencido de que não há razões para modificar a decisão do perspicaz Juiz monocrático que indeferiu o requerimento de transferência eleitoral para o município de Boa Vista das Missões, inclusive no tocante à determinação de remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral para apuração de eventual prática criminal.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a decisão que indeferiu o alistamento eleitoral de SCHAIANE BEUTLER no município de Boa Vista das Missões/RS.

É como voto, senhor Presidente.