RE - 0600041-27.2020.6.21.0032 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/07/2020 às 14:00

VOTO

O objeto deste processo versa sobre a transferência de domicílio eleitoral, matéria disposta nos arts. 42 e 55 do Código Eleitoral, c/c os arts. 18 e 65 da Resolução TSE n. 21.538/03, verbis:

Art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor. Parágrafo único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

Art. 55. Em caso de mudança de domicílio, cabe ao eleitor requerer ao juiz do novo domicílio sua transferência, juntando o título anterior.

§ 1º A transferência só será admitida satisfeitas as seguintes exigências:

I – entrada do requerimento no cartório eleitoral do novo domicílio até 100 (cem) dias antes da data da eleição;

II – transcorrência de pelo menos 1 (um) ano da inscrição primitiva;

III – residência mínima de 3 (três) meses no novo domicílio, atestada pela autoridade policial ou provada por outros meios convincentes.

Art. 18. A transferência do eleitor só será admitida se satisfeitas as seguintes exigências:

I – recebimento do pedido no cartório eleitoral do novo domicílio no prazo estabelecido pela legislação vigente;

II – transcurso de, pelo menos, um ano do alistamento ou da última transferência;

III – residência mínima de três meses no novo domicílio, declarada, sob as penas da lei, pelo próprio eleitor (Lei nº 6.996/1982, art. 8º);

IV – prova de quitação com a Justiça Eleitoral.

Art. 65. A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

De fato, o conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que a definição de domicílio civil, admitindo-se a simples demonstração de vínculos de natureza afetiva, econômica, política, social ou comunitária entre o eleitor e o município, conforme já assentado na doutrina e na jurisprudência. Esse, inclusive, é o entendimento desta Corte, manifestado em voto da relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann:

RECURSO. ALISTAMENTO ELEITORAL. TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO ELEITORAL. DEFERIDO. PROVIMENTO. O conceito de domicílio eleitoral é mais amplo que o do Código Civil e está caracterizado com a prova do vínculo social, afetivo, profissional, econômico ou político com o município. Demonstrada a participação em campeonato esportivo e em associação recreativa local por tempo duradouro, evidenciando relações sociais na localidade. Domicílio eleitoral caracterizado. Recurso provido. Transferência de domicílio deferida.

(TRE-RS – RE: 756 SANTO CRISTO – RS, Relator: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 30.8.2018, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 160, Data: 03.9.2018, Página 7.)

Contudo, o que se demonstra nos autos é evidente falta de boa-fé no pedido do recorrente diante da apresentação de prova frágil e duvidosa.

Conforme descrito na certidão elaborada pelo chefe do cartório eleitoral de Palmeira das Missões (fl. 02 do ID 5834233), o demandante, sua esposa, Elaine Neris, sua filha, Luana de Lima Neris, e Schaiane Beutler compareceram ao cartório acompanhados do servidor municipal de Boa Vista das Missões, Carlos Rogério dos Santos Bueno, solicitando a transferência de seus domicílios eleitorais do município de Palmeira das Missões para Boa Vista das Missões. O recorrente apresentou, como documentos comprobatórios de residência, um contrato de locação, tendo como locador Velcindo Lowe de Oliveira e como locatários ele e sua filha, e uma conta de luz em nome do locador. Quando inquirido pelo servidor sobre seu endereço residencial, o demandante declarou rua diversa da apresentada no contrato de locação. Após ser informado de que os endereços não eram iguais, ao ser questionado sobre o número da residência e sobre o local de votação mais indicado, em todos esses momentos se reportou ao senhor Carlos para obter as respostas. Por fim, o demandante disse que trabalha no Supermercado Battisti, em Palmeira das Missões.

Diante dos indícios de inveracidade acerca das declarações prestadas pelo recorrente, o magistrado a quo determinou diligências a fim de confirmar a autenticidade do domicílio informado (fl. 10 do ID 5834233), nos termos do art. 65, § 4º, da Resolução TSE n. 21.538/03:

Art. 65. (...).

§ 4º Subsistindo dúvida quanto à idoneidade do comprovante de domicílio apresentado ou ocorrendo a impossibilidade de apresentação de documento que indique o domicílio do eleitor, declarando este, sob as penas da lei, que tem domicílio no município, o juiz eleitoral decidirá de plano ou determinará as providências necessárias à obtenção da prova, inclusive por meio de verificação in loco.

Da verificação in loco realizada pelo chefe de cartório, o qual se dirigiu ao suposto antigo endereço contido no espelho de cadastro – na rua Mário Becker, n. 165, Bairro Franco I, em Palmeira das Missões –, por meio da declaração de Schaiene Beutler, uma das eleitoras que compareceram com o recorrente para transferir o domicílio eleitoral e que foi encontrada no local, restou evidenciado que o recorrente residia naquele endereço e não havia se mudado.

A Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, trouxe outros elementos importantes acerca da falta de verossimilhança das informações sobre alteração de domicílio eleitoral do recorrente, quais sejam:

1) embora o eleitor sustente que mantinha vínculos profissionais com a localidade de Boa Vista das Missões à época da locação, a única prova oferecida foi o contrato de locação do imóvel de propriedade de Velcindo Lowe de Oliveira;

2) no contrato, o endereço do locador é o mesmo do imóvel locado, porém no térreo;

3) a fatura de energia elétrica apresentada continua sob a titularidade do locador e informa que o imóvel consiste em uma residência, sem unidades de consumo independentes;

4) o ajuste registra início de vigência em 01.10.2019 e teve assinaturas reconhecidas em 21.10.2019, ou seja, nos exatos três meses anteriores de domicílio legalmente exigidos para o requerimento de transferência e prevê a duração de um ano, findando em 30.9.2020, isto é, na semana anterior às eleições de 2020, sem cláusula de prorrogação;

5) o contrato possui mesma data de reconhecimento de firma, mesma formatação e quase idêntico conteúdo do contrato de locação apresentado em idênticas circunstâncias por Valdair Rocha Lima e Shaiane Beutler, respectivamente, nos processos n. 0600040-42.2020.6.21.0032 (ID 5833983, fls. 5-6) e n. 0600022-21.2020.6.21.0032 (ID 5601083, fls. 1-2);

6) na qualificação do demandante, na procuração que constituiu seus advogados (ID 5834133), consta o seu endereço como sendo na rua Mario Becker, n. 165, em Palmeira das Missões; e

7) o recorrente assinou o recebimento da carta de intimação da sentença no endereço na rua Mario Becker, n. 165, em Palmeira das Missões (ID 5834233, fl. 17), em 05.5.2020, uma terça-feira, portanto, dia útil.

Neste sentido, cumpre destacar que esta egrégia Corte, recentemente, negou provimento ao recurso de Elaine Neris, esposa do recorrente, que requereu a transferência eleitoral na mesma oportunidade e nas mesmas circunstâncias que o demandante. Veja-se o teor da ementa do acórdão:

RECURSO. REQUERIMENTO DE TRANSFERÊNCIA DE DOMICILIO ELEITORAL. INDEFERIMENTO. PROVA DE DOMICÍLIO FRÁGIL E DUVIDOSA. NÃO DEMONSTRADO O VÍNCULO COM O MUNICÍPIO PRETENDIDO. CIRCUNSTÂNCIAS INDICATIVAS DE TRANSFERÊNCIA FRAUDULENTA. DESPROVIMENTO. Insurgência contra decisão que indeferiu requerimento de transferência de domicílio eleitoral, por ausência de prova idônea do vínculo residencial com a localidade. A troca de domicílio eleitoral esta regulamentada pelos arts. 18 e 65 da Resolução TSE n. 21.538/03. De acordo com a doutrina e jurisprudência, o domicílio eleitoral representa um conceito mais elástico do que o domicílio civil, admitindo-se a simples demonstração de vínculos de natureza afetiva, econômica, política, social ou comunitária entre o eleitor e o município. Neste sentido, faculta-se ao cidadão a escolha de qual local funcionará como sede para o seu exercício do voto, consoante dicção do parágrafo único do art. 42 do Código Eleitoral. Cumpre ao requerente demonstrar, por meios convincentes, seu vínculo com o município do qual pretende ser eleitor. Este Tribunal adota uma compreensão bastante flexível de domicílio eleitoral ao admitir provas que, apesar de não denotarem a noção estrita de residência, revelam relações das mais diversas com a localidade, tais como a demonstração de participação em campeonato esportivo e em associação recreativa local por tempo duradouro. Na hipótese, a prova de domicílio apresenta-se frágil e duvidosa, não servindo, por si só, para o deferimento da transferência eleitoral. Nenhuma das diversas situações passíveis de configurar o domicílio eleitoral foi minimamente demonstrada nos autos, não sendo suficiente a mera alegação da parte quanto aos vínculos profissionais ou familiares, para superar a precariedade da prova apresentada. Ineficácia do contrato de locação para os efeitos buscados. Diligências in loco determinadas pelo magistrado a quo. Confirmação de que a eleitora permanece com domicílio no município de origem. Elementos do instrumento contratual e do contexto do pedido de transferência a impor fundado descrédito sobre comprovante de residência. Circunstâncias indicativas de transferência fraudulenta. Provimento negado. (TRE-RS, 0600019-66.2020.6.21.0032, Relator Silvio Ronaldo dos Santos Moraes, julgado em 04.05.2020)

Portanto, conforme todos os elementos probatórios colhidos, não se pode considerar como válida a informação de que o recorrente possui domicílio para fins eleitorais em Boa Vista das Missões, em razão da existência de fortes indícios de fraude.

Nesse ponto, muito oportunas as considerações feitas pelo órgão ministerial:

“Por outro lado, a Justiça Eleitoral tem de estar ciente de que transferências eleitorais baseadas em vínculos tênues, pouco consistentes, servem muitas vezes para partidos mal intencionados alterarem o quadro de eleitores em cidades cujo eleitorado é diminuto, de forma a ganhar uma eleição em detrimento ao princípio da democracia representativa.

Basta ver que, na maioria dos casos de pedido de transferência em que o eleitor não reside no município, a transferência é pedida de um município maior para um menor. Isto porque a capacidade de influência do voto no resultado do pleito aumenta à medida em que diminui o eleitorado.”

Ainda, importante salientar que é ônus do requerente a prova de seu vínculo com o município em que pretende figurar como eleitor,  cumprindo-lhe, portanto, apresentar documentos que efetivamente demonstrassem a existência de laços sociais, familiares, afetivos ou profissionais com a municipalidade.

Diante de todo o exposto, não vejo razões para modificar a decisão do juízo da 32ª Zona Eleitoral, inclusive no tocante à determinação de remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral para apuração de eventual prática criminal.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a decisão que indeferiu a transferência do domicílio eleitoral de ALDO DO PRADO NERIS para o município de Boa Vista das Missões/RS.