RE - 0600021-36.2020.6.21.0032 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/07/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo.

A recorrente foi intimada da decisão, mediante carta, no dia 27.02.2020 (ID 5602083), e o recurso interposto em 06.03.2020.

Entretanto, não há qualquer informação sobre a data de juntada aos autos do correspondente aviso de recebimento, termo inicial da contagem do prazo (art. 231, inc. I, CPC).

Dessa forma, na ausência de certidão em contrário, o recurso deve ser presumido tempestivo.

No mérito, reputa-se domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente e, verificado ter o alistando mais de um, poderá ser assim considerado qualquer deles. Portanto, o conceito de domicílio eleitoral é muito mais elástico e flexível que o de domicílio civil.

Contudo, para o deferimento da transferência de inscrição eleitoral, é necessário que o eleitor demonstre a existência de vínculo (profissional, patrimonial, familiar, social) com o município no qual pretende fixar seu domicílio eleitoral.

No presente caso, no dia 21.01.2020, a recorrente compareceu ao Cartório Eleitoral, acompanhada de seus pais e de um servidor da Prefeitura de Boa Vista das Missões (Sr. Carlos Rogério dos Santos Bueno), a fim de solicitar a sua transferência eleitoral do município de Palmeira das Missões para Boa Vista das Missões (ID 5601683).

Na ocasião, foi apresentado contrato de locação que comprovaria o domicílio eleitoral da recorrente. Conforme consta no documento (ID 5601833), o locador é o sr. Velcindo Lowe de Oliveira, os locatários são Luana de Lima Neris e Aldo do Prado Neris (pai de Luana).

Observe-se, todavia, o que referiu o sr. chefe de cartório no documento dirigido ao juiz eleitoral (ID 5601683):

A eleitora Luana respondeu com incerteza quando inquirida sobre informações como o endereço, tempo de domicílio, profissão, inclusive tendo ficado receosa ao informar seu número de telefone. Por diversas vezes olhava em direção ao Sr. Carlos ao ser questionada.

Em atenção ao art. 65, § 4º, da Resolução TSE n. 21.538/03, entendeu o magistrado por determinar diligência para que fosse conferida a veracidade das informações prestadas. Em cumprimento à ordem, o chefe de cartório procedeu à verificação in loco e certificou a seguinte situação (ID 5601933):

CERTIFICO QUE, em cumprimento a ordem judicial contida nas informações 01 a 05, procedi a verificação in loco do endereço dos eleitores contidos nos espelhos de Cadastro, em 06.02.2020, às 11h30min.

Em vista que a dúvida residia sobre se, de fato, os eleitores residiam no município de Boa Vista das Missões, foi procedida a verificação no endereço antigo, a fim de verificar se os eleitores ainda residiam no município sede.

Diante disso, me dirigi ao endereço Rua Mário Becker, 165, Bairro Franco I, em Palmeira das Missões, onde encontrei com Schaiene Beutler, esposa de Valdair Rocha de Lima, que confirmou residirem na residência Aldo do Prado Neris e Elaine Neris. Foi questionado à residente sobre se os eleitores moraram sempre ali, bem como se mudaram recentemente para outro município, pelo que foi indicado que não.

Em ato contínuo, procedi à busca do endereço Rua Mário Becker, 185, não encontrando a residência. Ao questionar vizinho, morador da Rua Mário Becker, 180, este indicou que Luana de Lima Neris reside junto a seus pais, na Rua Mário Becker, 165.

Dessa forma, evidenciado que a eleitora, ora recorrente, ainda reside no domicílio de origem, qual seja, rua Mario Becker, n. 165, Franco I, em Palmeira das Missões/RS, não demonstrando qualquer vínculo em Boa Vista das Missões.

O único documento apresentado para comprovar a residência da eleitora no município de Boa Vista das Missões consiste em um contrato de locação, cujo conteúdo não é digno de veracidade, conforme muito bem examinado pelo douto Procurador Eleitoral (ID 5632283):

De fato, a única prova de vínculo da eleitora com o município de Boa Vista das Missões é o contrato de locação (ID 5601833, fls. 1-3) firmado, de um lado, por Velcindo Lowe de Oliveira e, de outro, por Aldo do Prado Neris e Luana de Lima Neris, e que tem como objeto a locação do imóvel situado no segundo pavimento da Av. Horácio José Ignácio, nº 830, em Boa Vista das Missões.

No referido contrato, também chamam a atenção: a) o endereço do locador, que é no mesmo local, porém no térreo; b) a data de início da locação em 01.10.2019 e seu término em 30.09.2020, logo antes das eleições municipais deste ano, sem previsão de prorrogação do contrato; c) o reconhecimento de firma em 21.10.2019, exatos três meses antes do requerimento de transferência de domicílio.

Cumpre destacar que a conta de luz juntada (ID 5601833, fl. 4), referência do mês 12/2019, está em nome do proprietário Velcindo Lowe de Oliveira, e que, na descrição do endereço, consta Av. Horácio Jose Ignacio, 830, Centro, em Boa Vista das Missões, bem como o termo “CASA”. Portanto, perante a companhia de energia elétrica, o local é uma casa, bem como não apresenta divisões em mais de uma unidade imobiliária.

Importa salientar, ainda, a afirmação, nas razões recursais, de que a eleitora “possui casa, mobiliada, no porão da residência (...)”.

Assim, sobejam elementos para se colocar em dúvida a veracidade do contrato de locação firmado pela eleitora.

Registro que, em 04.5.2020, foi apreciado, nesta Corte, recurso eleitoral idêntico ao versado nestes autos relativo à mãe da recorrente, Elaine Neris, da relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes (RE n. 0600019-66.2020.6.21.0032), cujas razões de voto peço licença para incorporar:

Com efeito, nas circunstâncias que rodeiam o requerimento de transferência, constata-se uma miríade de indícios característicos do modus operandi da cooptação de pessoas para transferências fraudulentas, visando à construção artificial de um reduto ou “curral” eleitoral, prática ilícita que ganha especial vulto em anos de eleições municipais, especialmente em localidades de diminuto eleitorado.

Assim, na esteira do parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, cabe destacar os seguintes aspectos que colocam fundada dúvida sobre a autenticidade da documentação oferecida, quais sejam:

1) embora a eleitora sustente manter vínculos familiares e profissionais com a localidade, a única prova oferecida foi o contrato de locação do imóvel de propriedade de Velcindo Lowe de Oliveira (ID 5602533);

2) no contrato, o endereço do locador é o mesmo do imóvel locado, porém delimitado ao “segundo pavimento”;

3) o ajuste registra início de vigência em 01.10.2019 e teve assinaturas reconhecidas em 21.10.2019, ou seja, nos exatos três meses anteriores de domicílio legalmente exigidos para o requerimento de transferência e prevê a duração de um ano, findando em 30.09.2020, isto é, na semana imediatamente anterior ao dia das eleições de 2020, sem cláusula de prorrogação;

4) a fatura de energia elétrica apresentada continua sob a titularidade do locador e informa que o imóvel consiste em uma casa, sem unidades de consumo independentes (ID 5602533);

5) o Chefe de Cartório informou que o servidor da Prefeitura Municipal Carlos Rogério dos Santos Bueno conduziu os eleitores ao Cartório Eleitoral e, inclusive, esclareceu detalhes sobre o endereço diante de dúvidas da declarante (ID 5602433); e,

6) posteriormente, o Chefe de Cartório certificou que, por ocasião do protocolamento do presente recurso, novamente, compareceram em cartório a eleitora Elaine Neris, seu procurador constituído e o servidor Carlos Rogério (ID 5602283).

Em simples consulta ao Portal Transparência da Prefeitura Municipal de Boa Vista das Missões (https://www.boavistadasmissoes.rs.gov.br/), é possível confirmar que Carlos Rogério dos Santos Bueno é servidor público efetivo lotado na Secretaria de Saúde. Além disso, no mesmo banco público de dados, observa-se que Velcindo Lowe de Oliveira consta também como sendo servidor efetivo da Câmara Municipal de Vereadores.

Desse modo, no contexto exposto, entendo que a prova de domicílio apresentada é frágil e duvidosa, não servindo, por si só, para o deferimento da transferência eleitoral.

Sendo ônus da requerente a prova de seu vínculo com o município do qual se pretende eleitora cumpria-lhe apresentar, por “meios convincentes” - na expressão trazida pelo art. 55, § 1º, inc. III, do Código Eleitoral -, documentos que efetivamente demonstrassem a existência de vínculos sociais, familiares, afetivos ou profissionais com a municipalidade, superando a precariedade do instrumento contratual apresentado.

Por derradeiro, colaciono a ementa do julgado acima referido, que bem sintetiza o caso em exame (RE n. 0600019-66.2020.6.21.0032):

RECURSO. REQUERIMENTO DE TRANSFERÊNCIA DE DOMICILIO ELEITORAL. INDEFERIMENTO. PROVA DE DOMICÍLIO FRÁGIL E DUVIDOSA. NÃO DEMONSTRADO O VÍNCULO COM O MUNICÍPIO PRETENDIDO. CIRCUNSTÂNCIAS INDICATIVAS DE TRANSFERÊNCIA FRAUDULENTA. DESPROVIMENTO.

Insurgência contra decisão que indeferiu requerimento de transferência de domicílio eleitoral, por ausência de prova idônea do vínculo residencial com a localidade.

A troca de domicílio eleitoral esta regulamentada pelos arts. 18 e 65 da Resolução TSE n. 21.538/03. De acordo com a doutrina e jurisprudência, o domicílio eleitoral representa um conceito mais elástico do que o domicílio civil, admitindo-se a simples demonstração de vínculos de natureza afetiva, econômica, política, social ou comunitária entre o eleitor e o município. Neste sentido, faculta-se ao cidadão a escolha de qual local funcionará como sede para o seu exercício do voto, consoante dicção do parágrafo único do art. 42 do Código Eleitoral.

Cumpre ao requerente demonstrar, por meios convincentes, seu vínculo com o município do qual pretende ser eleitor. Este Tribunal adota uma compreensão bastante flexível de domicílio eleitoral ao admitir provas que, apesar de não denotarem a noção estrita de residência, revelam relações das mais diversas com a localidade, tais como a demonstração de participação em campeonato esportivo e em associação recreativa local por tempo duradouro. Na hipótese, a prova de domicílio apresenta-se frágil e duvidosa, não servindo, por si só, para o deferimento da transferência eleitoral. Nenhuma das diversas situações passíveis de configurar o domicílio eleitoral foi minimamente demonstrada nos autos, não sendo suficiente a mera alegação da parte quanto aos vínculos profissionais ou familiares, para superar a precariedade da prova apresentada.

Ineficácia do contrato de locação para os efeitos buscados. Diligências in loco determinadas pelo magistrado a quo. Confirmação de que a eleitora permanece com domicílio no município de origem. Elementos do instrumento contratual e do contexto do pedido de transferência a impor fundado descrédito sobre comprovante de residência. Circunstâncias indicativas de transferência fraudulenta.

Provimento negado. (grifo nosso)

 

Portanto, diante dos elementos probatórios colhidos, não se pode considerar como válida a informação de que a eleitora residia ou possuía moradia em Boa Vista das Missões. Ao contrário, há fortes indícios de que o contrato de locação apresentado seja inautêntico, contendo informação falsa acerca de seu conteúdo, o que deverá ser apurado pelo Ministério Público Eleitoral com atuação na respectiva circunscrição.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a decisão que indeferiu o alistamento eleitoral de LUANA DE LIMA NERIS no município de Boa Vista das Missões/RS.

Comunique-se a presente decisão ao Ministério Público Eleitoral com atuação na 32ª Zona.