RE - 0600003-22.2019.6.21.0041 - Voto Vista - Sessão: 22/06/2020 às 14:00

Pedi vista dos autos para uma melhor reflexão acerca da preliminar de nulidade parcial da sentença, suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral em face da omissão do juízo sentenciante quanto à aplicação de penalidade prevista em lei.

No caso, o magistrado de primeiro grau desaprovou as contas da agremiação e determinou o recolhimento da quantia total de R$ 14.797,19 ao Tesouro Nacional, acrescida de multa de 5%, relativamente a recursos de fontes vedadas e de origem não identificada. Porém, silenciou quanto à suspensão das quotas do Fundo Partidário, determinada pelo art. 36, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95.

Defende a Procuradoria Regional Eleitoral que a aplicação da sanção nesta instância, ainda que inexistente recurso do Ministério Público Eleitoral, na origem, não implicaria ofensa ao princípio da non reformatio in pejus, por se tratar de questão de ordem pública.

Conforme mencionei na sessão em que pedi vista dos autos, não ignorando os precedentes desta Corte acerca do tema, a proibição de reformatio in pejus, a meu ver, não encerra um princípio absoluto.

Todavia, depois de analisar a jurisprudência desta Casa, em especial os fundamentos vertidos nos Recursos Eleitorais números 21-98, 402-57, 15-94 e 18-95, perfeitamente alinhada ao entendimento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, vou acompanhar o eminente relator.

Com efeito, o TSE tem negado provimento aos recursos aviados pelo órgão ministerial tendentes a piorar a situação do prestador de contas quando esse foi o único recorrente.

É bem verdade que o Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, ao julgar o RE n. 422-29.2016.6.21.0128, interposto pela PRE/RS contra decisão deste Tribunal, acolheu a tese do recorrente e determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, mesmo inexistindo insurgência do Ministério Público Eleitoral contra a sentença de primeiro grau, em decisão transitada em julgado em 05.9.2018.

Ocorre que, na sessão de 05 de setembro de 2019, aquela Corte, aprofundando a discussão sobre o tema a partir de divergência inaugurada pelo próprio Ministro Tarcísio, consignou a impossibilidade de agravar a situação do recorrente, dada a natureza jurisdicional do processo de prestação de contas, conforme ementa que passo a transcrever:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CANDIDATA. DESAPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO. AUSÊNCIA DE RECURSO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. TESE DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS. PROCEDÊNCIA. PROVIMENTO.
1. As contas da candidata relativas à sua campanha eleitoral de 2012 foram desaprovadas pelo juízo de primeiro grau. O TRE/SP, ao confirmar a sentença, determinou de ofício o recolhimento ao Erário dos valores de origem não identificada recebidos pela agravante.
2. Desde a inserção do § 6º ao art. 37 da Lei dos Partidos Políticos pela Lei nº 12.034/2009, o processo de prestação de contas passou a ostentar natureza jurisdicional, de modo que não há espaço para modificação que agrava a situação do recorrente no âmbito do seu próprio recurso.
3. Configura reformatio in pejus o agravamento da pena imposta quando não houve recurso da parte contrária sobre a matéria.
4. Agravo provido para dar provimento ao recurso especial e afastar a determinação de recolhimento de recurso ao Tesouro Nacional.
(Agravo de Instrumento nº 74785, Acórdão, Relator(a) Min. Og Fernandes, Redator para o acórdão Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto; Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 216, Data 08/11/2019, Página 93) (Grifei)

 

A partir de então, o TSE passou a negar, por unanimidade, provimento aos recursos da Procuradoria Regional Eleitoral, consoante se pode observar pelo teor da ementa relativa ao Recurso Especial Eleitoral nº 65793, publicada na última sexta-feira, 20.06.2020:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL NÃO IMPOSTO NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE RECURSO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECLUSÃO DA MATÉRIA. PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS. NEGATIVA DE PROVIMENTO.
1. Configura reformatio in pejus a determinação, de ofício, de recolhimento ao Tesouro Nacional de valores irregulares (art. 18, § 3º, da Res.-TSE 23.463/2015) na hipótese em que essa providência não foi imposta na sentença e não houve recurso no particular pelo Ministério Público. Precedente: AI 747-85/SP, redator para acórdão Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 8/11/2019.
2. Na espécie, inexistindo recurso contra a sentença na parte em que não impôs a devolução ao Tesouro Nacional, correto o entendimento do TRE/RS no particular.
3. Inviável conhecer da alegação acerca da eficácia executiva da sentença declaratória com esteio no art. 515, I, do CPC/2015, porquanto inaugurada apenas em sede de agravo interno, caracterizando indevida inovação recursal. Ademais, o tema não foi objeto de prequestionamento (Súmula 72/TSE).
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(Recurso Especial Eleitoral nº 65793, Acórdão, Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 19/06/2020, Página 74-77) (Grifei)

 

Esse entendimento do TSE quanto à impossibilidade de agravar a situação do único recorrente resta sedimentado tanto em questões relativas a recolhimento de recursos ao Tesouro Nacional – que seria decorrência lógica da impossibilidade de utilização, por exemplo, de recursos de fonte vedada e de origem não identificada –, como no caso dos precedentes acima referidos, quanto em casos de suspensão de recursos do Fundo Partidário, que é uma sanção, propriamente dita. No processo ora em julgamento discute-se a possibilidade de fixação, de ofício, da suspensão de recursos do Fundo Partidário.

Nessa toada, para ilustrar, transcrevo trecho de decisão monocrática da lavra do Ministro Luis Roberto Barroso, proferida em 17.04.20, nos autos do RESPE nº 060007860 (ALVORADA D'OESTE – RO):

No recurso especial, ainda foi requerida a aplicação da sanção prevista no art. 25 da Lei nº 9.504/1997, combinado com o art. 77, § 6º, da Res.–TSE nº 23.553/2017, a saber, a imposição da sanção de suspensão do recebimento de cotas do Fundo Partidário em razão da desaprovação das contas. Neste caso, contudo, isso não é possível, porque a sanção não fora imposta na sentença de primeiro grau que julgou as contas desaprovadas (ID 19491138) e contra a decisão somente foi interposto recurso pela agremiação. Assim, uma vez que o Ministério Público Eleitoral não impugnou a omissão perante aquele juízo, a imposição da sanção pelo Tribunal, como resultado do recurso especial, caracterizaria reformatio in pejus”.
(Grifei.)

 

E em igual sentido, a decisão do Ministro Sérgio Banhos (RE N° 555-24.2016.6.18.0009 - CLASSE 6 - FLORIANO – PIAUÍ), datada de 02.4.2020, da qual extraio o seguinte excerto: “(…) Diante disso, o recurso especial deve ser provido parcialmente, apenas para afastar a reformatio in pejus, configurada por meio da imposição da sanção de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de um mês” (grifei).

Logo, com essas breves considerações, o meu voto é no sentido de acompanhar o relator.