PC - 0602683-40.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/06/2020 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

Conheço dos embargos, porque tempestivos.

Mérito

CAJAR ONÉSIMO RIBEIRO NARDES opõe embargos declaratórios (ID 5225183 e 5225383) em face do acórdão deste Tribunal (ID 5091983), que desaprovou as contas do embargante relativas ao pleito de 2018, determinando, ainda, a transferência da quantia de R$ 200.000,00 ao Tesouro Nacional, em virtude da aplicação irregular de valores recebidos do Fundo Especial de Campanha (FEFC).

A decisão atacada considerou que o prestador, ora embargante, recebeu verba do referido Fundo sem comprovar o benefício à campanha da doadora, candidata ao cargo de senador, contrariando o art. 19, §§ 5º e 6º, da Resolução TSE n. 23.553/17. 

Em suas razões, alega a existência de omissões no aresto, diante da ausência de manifestação quanto a documentos juntados aos autos, os quais comprovariam o benefício à campanha feminina, e da falta de pronunciamento sobre a ausência de norma que preceitue a responsabilidade da candidata em gerir os recursos que lhe são reservados, quando do pagamento de despesas comuns com candidatos homens.

De início, cumpre consignar que os embargos de declaração têm como finalidade específica esclarecer obscuridade ou contradição, sanar omissão ou corrigir erro material existente na decisão judicial, consoante expressamente dispõe o art. 1.022 do Código de Processo Civil.

No acórdão embargado não se verifica nenhum desses vícios.

A pretensão aqui exposta demonstra com clareza o inconformismo da parte com o resultado desfavorável à sua demanda e a tentativa de rejulgamento da causa.

Acertado o entendimento exarado na decisão embargada no sentido de não conhecer dos documentos apresentados pelo prestador, por incidência da regra da preclusão.

Ressalto que o prestador, na oportunidade que teve para se manifestar sobre os apontamentos destacados pela unidade técnica do Tribunal, restringiu sua justificativa à explicação de existência de “dobradinha” realizada entre o ora embargante e a candidata ao cargo de senador, sem apresentar documentação apta a comprovar o benefício auferido pela campanha feminina. 

Somente quando os autos já estavam conclusos para julgamento, requereu a juntada de documentos para o fim de retificar as irregularidades presentes na sua contabilidade eleitoral.

No contexto, observo que o não conhecimento dos documentos foi fundamentado, de modo escorreito, conforme se extrai do seguinte trecho do acórdão atacado:

Quando os autos já se encontravam conclusos para julgamento, o prestador requereu a juntada de documentação para saneamento da falha assinalada pela SCI (ID 4289483). 

Ressalto, entretanto, que documentos apresentados intempestivamente não podem ser conhecidos, por incidência da regra da preclusão, nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (AgR-REspe n. 773-55, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 28.4.2016) e desta Corte (PC n. 0601791-50, Rel. Miguel Antônio Silveira Ramos, julgado em 05.8.2019). (Grifo nosso)

Dessa forma, inexiste a suposta omissão por não terem sido considerados os materiais gráficos que, no dizer do embargante, comprovariam a “dobradinha”, bem como as notas fiscais que demonstrariam o benefício exigido pelo já mencionado art. 19, § 6º, da Resolução TSE n. 23.553/17.

Ademais, o embargante argui omissão no que diz respeito à falta de pronunciamento acerca da inexistência de norma legal que imponha às candidatas a obrigatoriedade de gerenciar os recursos que lhes são reservados, quando do pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino.

O acórdão embargado está devidamente fundamentado com as razões e o dispositivo legal correspondentes à irregularidade em análise, inexistindo omissão também no ponto em destaque.

Explico.

A irregularidade assinalada no parecer conclusivo concretizou-se quando o candidato CAJAR ONÉSIMO RIBEIRO NARDES deixou de comprovar o uso legítimo dos recursos advindos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), provenientes de candidata do gênero feminino.

Como já expressado no acórdão, não há ilicitude na transferência dos valores entre os candidatos, uma vez que a candidata está autorizada a realizar doações dos recursos recebidos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para candidatos do gênero masculino, desde que sejam utilizados para as despesas comuns e seja resguardado o objetivo da norma de incentivo à campanha feminina.

Como visto, o desrespeito à resolução não está atrelado à gestão dos valores do FEFC recebidos pela candidata, visto que ela está autorizada a transferi-los para candidatos homens. 

A irregularidade, no caso sob exame, encontra-se na desobediência à principiologia da norma, embasada na preocupação do legislador em garantir uma finalidade específica para a movimentação dos valores provenientes do FEFC. A possibilidade de repasse de valores da candidata para candidato do gênero masculino condiciona-se ao cumprimento da destinação própria representada pelas ações afirmativas relacionadas às mulheres.

Transferir recurso para candidato do gênero masculino sem que seja comprovada a satisfação da condicionante legal representa o total esvaziamento do conteúdo da norma e o desvio da finalidade legal.

No mais, a prova do preenchimento dos requisitos impostos pela resolução – benefício à campanha feminina – deve ser corroborada tanto nos autos da prestação de contas da candidata doadora como na contabilidade do candidato que usufruiu do financiamento público.

No ponto, pedindo vênia ao eminente relator, Des. El. Gustavo Diefenthäler, transcrevo o seguinte excerto do acórdão proferido por este Tribunal por ocasião do julgamento da Prestação de Contas da candidata doadora, Ana Carla Varela do Nascimento - PC 0602780-40, o qual enfrenta diretamente a questão:

(...)

Aqui, o ponto mais sensível da presente prestação de contas.

A então candidata recebeu do FEFC a quantia de R$ 650.000,00 (ID 2730583), link constante na fl. 42 dos autos virtuais. O total de receitas de campanha foi de R$ 651.000,00, pois houve uma doação estimável da ordem de R$ 1.000,00.

Contudo, e como esmiuçado em planilha elaborada pela operosa SCI deste Tribunal (ID 3905983), realizou-se o repasse direto, em dinheiro, do total de R$ 390.547,00, a candidatos do gênero masculino – um total de 11 (onze) homens.

Para uma melhor descrição do panorama posto, apenas para o candidato Cajar Onésimo Ribeiro Nardes houve o repasse de R$ 200.000,00.

Conduta altamente irregular, em manobra que desobedece ao emprego dos recursos públicos repassados a candidatas, pois o art. 19 da Resolução TSE n. 23.553/17, em seus §§ 5º e 7º, preceitua:

Art. 19. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º).

[…]

§ 5º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC), destinada ao custeio das candidaturas femininas, deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas. (Incluído pela Resolução nº 23.575/2018)

[...]

§ 7º O emprego ilícito de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) nos termos dos §§ 5º e 6º deste artigo sujeitará os responsáveis e beneficiários às sanções do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis. (Incluído pela Resolução nº 23.575/2018.) (Grifei.)

A redação tem clareza solar: os recursos do FEFC destinados ao custeio de candidaturas femininas devem ser aplicados pela candidata, sendo ilícito o emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.

E não é possível se entender que o repasse aos 11 homens venha a se tratar de “aplicação pela candidata”.

Inviável. Tal exegese permitiria deturpar todo o manancial de incentivo às candidaturas femininas erguidas paulatinamente pelas normas de regência de direito eleitoral e, também, pela jurisprudência dos tribunais.

Em relação à irregularidade apontada, o argumento defensivo é de que o repasse dos valores aos candidatos homens ter-se-ia dado com o intuito de estabelecer “dobradinhas”, nome popularmente dado à propagação de campanha eleitoral de mais de um candidato no mesmo material de campanha eleitoral.

No caso, a candidata ao cargo de senador, ANA VARELA, teria construído “dobradinhas” com onze candidatos aos cargos de deputado estadual e de deputado federal e, por isso, transferido valores em espécie, oriundos do FEFC.

Argumento incabível.

Isso porque nem com esforço se vislumbra, e muito menos a candidata logrou demonstrar (porquanto apenas alegara), a existência de qualquer espécie de benefício à sua candidatura ao repassar quase quatrocentos mil reais a candidatos homens.

(...)

Houve, no caso, nítida tentativa de desvio da finalidade da norma inclusiva.

Dito de outro modo, uma situação seria a candidata efetuar despesa na própria campanha eleitoral para elaborar material de campanha que compusesse “dobradinha” com outros candidatos, desde que gerisse tais despesas no âmbito de sua própria prestação de contas.

Contudo, ao repassar valores a outros candidatos, ANA CARLA (i) perdeu o controle sobre os recursos públicos direcionados à sua candidatura, (ii) criou dificuldades à rastreabilidade dos valores pela Justiça Eleitoral (pois espalhou recursos públicos a outras onze prestações de contas) e, ainda, (iii) afastou, logicamente, o argumento de benefício à própria candidatura, pois não é possível entender que a candidata não pudesse fazer, com o dinheiro público que recebera, campanha mais adequada aos seus interesses do que aquela realizada por outros candidatos.

No lugar de “benefício”, houve, em verdade, nítido prejuízo: as transferências de valores e a realização de campanha eleitoral por candidatos homens apenas diminuíram e reforçaram o lamentável estigma que as candidaturas femininas possuem, historicamente, no panorama eleitoral brasileiro.

Candidatura satélite, secundária.

E o material juntado pela própria prestadora demonstra o quão periférica e em segundo plano a posição de sua candidatura ficou relegada nas multicitadas “dobradinhas”: sempre, sem exceção, o candidato homem (cargos de deputado estadual ou federal) recebeu posição de destaque, com foto maior e centralizada, ao passo que as referências à candidatura de ANA CARLA posicionavam-se na lateral, em tamanho menor.

E tudo financiado com recursos públicos destinados à candidatura feminina.

Nesse passo, a ordem de recolhimento do valor de R$ 390.547,00 ao Tesouro Nacional é medida que se impõe, tendo em vista a desobediência aos arts. 19, § 6º e § 7º, caracterizando o gasto eleitoral em desacordo com o art. 37, todos da Resolução TSE n. 23.553/17.

(...)

Além disso, o objetivo exclusivo dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) é o custeio das eleições, e por essa razão os arts. 19, § 2º, da Resolução TSE n. 23.553/17 e 16-C, § 11, da Lei n. 9.504/97 preveem que os valores eventualmente não utilizados em campanha devem ser integralmente devolvidos ao Tesouro Nacional, sendo vedada, ainda, a sua distribuição para outros partidos ou candidaturas, se o partido ou a coligação não apresentarem candidaturas próprias (art. 19, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17).

Nessa perspectiva axiológica, não há como acolher o entendimento do embargante de considerar omissa a decisão da Corte por não ter se pronunciado sobre falta de norma legal que imponha às candidaturas femininas a obrigatoriedade de gerenciar os recursos que lhes são atribuídos, quando do pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino.

O dispositivo defendido pelo embargante não possui relevância para alterar o resultado do julgamento, vez que o descumprimento do prestador está atrelado à não comprovação da finalidade normativa referente ao benefício que deve ser garantido às candidatas mulheres em suas campanhas eleitorais. Violação para além da responsabilidade de gestão de recursos eleitorais.

Com essas considerações, entendo não restarem configuradas as hipóteses de cabimento dos aclaratórios, devendo o acórdão impugnado, entretanto, ser integralizado com os fundamentos acima, mantendo a desaprovação das contas e o dever de recolhimento da quantia de R$ 200.000,00 ao Tesouro Nacional.

Por essas razões, estou encaminhando o meu voto pelo conhecimento e acolhimento parcial dos embargos declaratórios, para o fim de integralizar o acórdão, nos termos da fundamentação supra, mas sem efeito infringente.

Por derradeiro, no que respeita ao pedido de prequestionamento, de acordo com o art. 1.025 do Código de Processo Civil, todos os dispositivos legais invocados na petição dos embargos, ainda que estes sejam inadmitidos ou rejeitados, consideram-se incluídos no acórdão, dispensando-se pronunciamento desta Corte nesse sentido.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial acolhimento dos embargos declaratórios opostos por CAJAR ONÉSIMO RIBEIRO NARDES, apenas para agregar ao acórdão embargado os esclarecimentos apresentados, os quais são incapazes de modificar a sua conclusão.