HC - 0600131-34.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/06/2020 às 14:00

VOTO

Preliminar de intempestividade recursal

A Procuradoria Regional Eleitoral suscita a preliminar de intempestividade recursal, apontando que o agravo interno foi interposto após o prazo de três dias da intimação da decisão agravada, previsto no art. 115, § 2º, do Regimento Interno do TRE-RS, com base nos seguintes fundamentos:

O impetrante foi intimado da decisão monocrática que indeferiu a petição inicial do habeas corpus no dia 14-05-2020, quinta-feira (ID 5732983), de modo que o tríduo para interposição do agravo interno teve início no dia imediatamente seguinte, 15-05-2020, sexta-feira, e findou no dia 17-05-2020, domingo, prorrogando-se até o primeiro dia útil subsequente, ou seja, 18-05-2020, segunda-feira.

Nessa época, a Portaria TSE n. 265, de 24 de abril de 2020, por seu art. 3º, caput3, já havia retomado o andamento dos prazos processuais (suspensos entre os dias 23-03 e 30-04-2020 pela Resolução TSE n. 23.615/2020 com objetivo de prevenir o contágio pelo COVID 19).

No entanto, colhe-se dos autos que o presente recurso somente foi interposto no dia 20-05-2020, quarta-feira (ID 5788533), dois dias depois do termo ad quem acima especificado, razão pela qual não deve ser conhecido.

Entretanto, a interposição é tempestiva, pois a partir da Resolução TRE-RS n. 338, de 18 de dezembro de 2019, esta Corte estabeleceu a obrigatoriedade de utilização do sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe) para a comunicação de atos direcionados às partes representadas por advogado, a qual é realizada diretamente no sistema, dispensada a publicação em diário eletrônico (art. 51).

Dessa forma, deve ser observado pelas partes o disposto no art. 5º da Lei n. 11.419/06 e no art. 2º da Portaria TRE-RS P n. 223/19, dispositivos que estabelecem ser considerada realizada a intimação pelo sistema no dia em que o destinatário efetivar a ciência do ato de expedição eletrônica da comunicação, passando, daí, a correr o prazo para manifestação.

No silêncio, será considerado o 10º dia da expedição eletrônica como data da intimação, iniciando-se no dia seguinte a contagem do prazo.

Na hipótese dos autos, o PJe aponta que a expedição eletrônica sobre a decisão recorrida ocorreu em 14.5.2020 (quinta-feira), e que o advogado da paciente registrou ciência em 20.5.2020 (quarta-feira), no 6° dia após a expedição, dentro, portanto, do período de até 10 dias de ciência, anteriores ao início da contagem automática do prazo recursal, que iniciou em 15.5.2020 e terminaria em 24.5.2020, às 23h59min.

O recurso foi interposto em 20.5.2020, mesma data do registro da ciência, sendo, portanto, tempestivo.

Com efeito, o prazo recursal de três dias passou a correr em 21.5.2020, uma quinta-feira, conforme o caput do art. 224 do Código de Processo Civil, findando-se no dia 23.5.2020, às 23h59min, um sábado, e prorrogando-se para o próximo dia útil até 23h59min, que foi segunda-feira, 25.5.2020, na forma do § 1º do art. 224 do CPC.

Assim, rejeito a preliminar e conheço do recurso, pois tempestivo.

Mérito

No mérito, a presente impetração pretende a suspensão dos efeitos da condenação realizada nos autos da AIJE n. 682-76.2016.6.21.0138, transitada em julgado em 06.9.2019, em que se determinou a cassação do diploma de vereadora expedido à paciente, a fixação de multa e a declaração da sua inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos.

O agravo interno foi interposto contra a decisão monocrática que indeferiu a inicial do habeas corpus por ser manifestamente incabível, uma vez impetrado para suspender o cumprimento e retomar a instrução probatória de ação cível cuja decisão transitou em julgado (ID 5721883).

Na decisão agravada, ressaltei que a ação não demonstra qualquer afronta à liberdade da paciente, restando ausente ilegalidade flagrante a caracterizar a concessão de ordem de habeas corpus, motivo pelo qual não deveria ser conhecido o pedido conforme jurisprudência consolidada sobre a matéria:

O habeas corpus, nos termos do art. 5º, LXVIII, da CF, dirige-se à salvaguarda do direito de locomoção lesado ou ameaçado de lesão, por ilegalidade ou abuso de poder, o que não se verifica na hipótese.

No caso dos autos, conforme o próprio impetrante alega, a ação foi impetrada contra condenação proferida em processo cível, a ação de investigação judicial eleitoral AIJE n. 682-76.2016.6.21.0138, cuja decisão transitou em julgado e encontra-se em fase de cumprimento de sentença.

Portanto, não se vislumbra qualquer afronta à liberdade da paciente, restando ausente ilegalidade flagrante a caracterizar a concessão de ordem de habeas corpus, motivo pelo qual não deve ser conhecido o remédio proposto nos termos da jurisprudência consolidada sobre a matéria:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. SUPOSTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONSISTENTE NO ARQUIVAMENTO DE DENÚNCIA FORMULADA CONTRA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. MANDAMUS IMPETRADO EM FACE DE ATO JURISDICIONAL DE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. WRIT MANIFESTAMENTE INCABÍVEL. SÚMULA Nº 606 DO STF. INEXISTÊNCIA DE ATO CONCRETO, ATUAL OU IMINENTE DE AMEAÇA OU RESTRIÇÃO ILEGAL DO DIREITO DE LOCOMOÇÃO, OBJETO ÚNICO DA TUTELA EM SEDE DE HABEAS CORPUS (ART. 5º, LXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ALEGADA PREVENÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O bem jurídico tutelado pelo Habeas Corpus é a liberdade de locomoção e tem como pressupostos constitucionais a sua efetiva vulneração, ou ameaça de lesão, em razão de ilegalidade ou abuso de poder. Precedentes: HC 129.822-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJE de 20/10/2015, RHC 124.715-AgR, Primeira Turma, Rel. Roberto Barroso, DJe de 19/05/2015. (...) 8. Agravo regimental desprovido.

(STF – AgR HC n. 146216 DF – DISTRITO FEDERAL 0007910-96.2017.1.00.0000, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 27.10.2017, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-257 13.11.2017.)

Dessa forma, considerando que a via do habeas corpus destina-se, primordialmente, a garantir a liberdade de ir e vir do cidadão, descabe o seu uso com a finalidade de obstar o prosseguimento do curso normal do cumprimento de sentença prolatada em sede de ação de investigação judicial eleitoral.

DIANTE DO EXPOSTO, indefiro a petição inicial e não conheço do pedido por ser manifestamente incabível, forte no parágrafo único do art. 33 do Regimento Interno do TRE-RS.

As razões agora vertidas no agravo interno em nada alteram meu convencimento.

Dispõe o art. 5º, inc. LXVIII, da CF: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Conforme corretamente ponderado pelo órgão ministerial, o bem jurídico tutelado pela norma constitucional é a liberdade de locomoção. Nesse sentido, para o exercício regular da ação de habeas corpus, é necessária a existência (ou a possibilidade) de ofensa ao bem jurídico tutelado.

O mandamus em questão foi impetrado contra ato de juiz eleitoral consistente na determinação de cumprimento de sentença em uma ação eleitoral de natureza cível (AIJE), que, por sua própria natureza, não tem o condão de causar embaraço à liberdade de locomoção. Inexistente a potencialidade de ofensa à liberdade de locomoção, inexistente também o interesse de agir.

Ausente o interesse de agir do agravante, a petição inicial deve ser indeferida. Assim dispõe o art. 330, inc. III, do Código de Processo Civil:

Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:

(...)

III – o autor carecer de interesse processual;

Nesse sentido, mantenho a decisão agravada por seus próprios fundamentos.

 

Ante o exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do agravo interno, nos termos da fundamentação.