Cta - 0600076-83.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/06/2020 às 14:00

VOTO

Cuida-se de consulta efetuada por diretório estadual de partido político, nomeadamente o PSB/RS.

A legislação prevê a consulta ao Tribunal Regional Eleitoral, observados os requisitos do art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral:

Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:

[...]

VIII – responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político. (Grifei.)

Como se vê, a legislação exige a formulação da consulta sem contornos a possibilitarem a identificação de caso concreto. Tal comando evita que o Tribunal se adiante em eventual apreciação jurisdicional, sem que tenha havido dilação probatória adequada.

No caso presente, a consulta foi apresentada por partido político, órgão regional, o qual detém legitimidade para atuar perante o Tribunal Regional Eleitoral, conforme dispõe o art. 11, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95:

Art. 11.

Parágrafo único. Os delegados credenciados pelo órgão de direção nacional representam o partido perante quaisquer Tribunais ou Juízes Eleitorais; os credenciados pelos órgãos estaduais, somente perante o Tribunal Regional Eleitoral e os Juízes Eleitorais do respectivo Estado, do Distrito Federal ou Território Federal; e os credenciados pelo órgão municipal, perante o Juiz Eleitoral da respectiva jurisdição.

Logo, o consulente atende ao requisito subjetivo, ao deter legitimidade para realizar a consulta, pois se trata do Diretório Estadual do Partido Socialista Brasileiro no Rio Grande do Sul – PSB/RS.

Quanto ao requisito objetivo, a indagação pode ser considerada em tese, eis que genericamente formulada. A matéria pode encerrar situação vivenciada por um grande número de agremiações partidárias.

Dito de outro modo, todo e qualquer competidor eleitoral pode se valer da resposta a ser apresentada pela Corte, sobre a viabilidade ou não de o partido receber doações oriundas de filiados à agremiação diversa da destinatária dos recursos, em função da disposição do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Ainda, cumprido o requisito temporal, porquanto a consulta foi formulada fora do período eleitoral.

Assim, conheço da consulta.

Como questão de fundo, conforme referido, o consulente propõe a seguinte hipótese:

Questiona-se se a filiação do doador, para que seja considerada regular e não vedada, necessariamente precisa ser no mesmo partido que esteja doando, ou admitir-se-ia doações oriundas de filiados em um partido diverso?

O art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 é o normativo que contém a previsão relativa ao recebimento de doações, pelas agremiações partidárias, oriundas de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, filiados a partido político. O dispositivo legal está expresso nos seguintes termos:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

A leitura do dispositivo legal acima transcrito não deixa dúvidas de que a legislação estabeleceu uma regra geral, qual seja: a regularidade das contribuições de filiados aos partidos políticos, oriundas de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário.

Entretanto, a ressalva a doações advindas de filiados a partido político, prevista pela norma em seu inc. V, não esclarece quais os contribuintes são efetivamente abrangidos pelo permissivo:

a) os filiados a uma agremiação e doadores de recursos financeiros a este mesmo partido político a que estão vinculados;

b) os filiados a uma agremiação, mas doadores de recursos financeiros a partido político diverso.

Logo, relevante restar clara essa diferenciação, a fim de que a atividade partidária não tenha prejuízos quanto ao recebimento regular de suas doações e, por outro ângulo, permita à Justiça Eleitoral aferir a licitude das aludidas receitas.

Portanto, vislumbra-se necessária a interpretação da norma enquanto integrante de um sistema jurídico regente que possui, em sua estruturação, regras gerais e regras específicas.

No caso, basilares princípios estabelecem que as exceções devem receber uma interpretação restritiva, em especial quando a norma específica foi editada em razão de uma situação peculiar. Dessa maneira, não pode essa regra jurídica ser ampliada de forma extensa, sob pena de contrariar o próprio sentido da norma geral.

Nessa linha, relembro a lição de Carlos Maximiliano, a ser mais uma vez citado por esta Corte em consulta hermenêutica, litteris:

Estriba-se a regra numa razão geral, a exceção, numa particular;

(...)

271 - O Código Civil explicitamente consolidou o preceito clássico - Exceptiones sunt strictissimoe interpretationis ('interpretam-se as exceções estritissimamente') no art. 6° da antiga Introdução, assim concebido: 'A lei que abre exceção a regras gerais, ou restringe direitos, só abrange os casos que especifica'.

(...)

272 - As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 183-194).

E a jurisprudência segue tal linha de raciocínio:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO DA MULTA POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA (ART. 600, III, DO CPC/1973).

A multa por ato atentatório à dignidade da Justiça previsto no art. 600, III, do CPC/1973 constitui punição cuja aplicabilidade restringe-se aos atos do executado em procedimento executivo.

(…)

Nesse viés, o STJ apresenta entendimento sobre a utilização do método restritivo de interpretação das normas que estabelecem penalidades, e a aplicação da interpretação restritiva não se refere apenas à parte que pode praticar o ato (no caso, o executado), mas também à "espécie de processo" no qual há resistência ao cumprimento da ordem judicial. Não caberia, portanto, ao intérprete querer estender a incidência do art. 600 do CPC/1973 às ações do processo de conhecimento, cautelar e aos procedimentos especiais. Assim, a regra é taxativa. Precedentes citados: REsp 758.270-RS, Primeira Turma, julgado em 8/5/2007, DJ 04/6/2007; REsp 1459154-RJ, Terceira Turma, julgado em 4/9/2014, DJe 11/9/2014. (REsp 1.231.981-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/12/2015, DJe 3/3/2016.) (Grifei.)

Desse modo, a norma que institui a licitude da doação por filiados a partidos políticos, quando oriundas de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, constitui exceção no ordenamento jurídico eleitoral, sendo necessária interpretação restritiva ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95.

Em vista disso, por ser regra excepcional que desafia interpretação restritiva, cabe excluir de seu sentido todo e qualquer entendimento que possibilite que filiados a uma agremiação possam doar recursos financeiros a partido político diverso daquele ao qual estão vinculados.

Nesse contexto legal, cumpre destacar a disposição do art. 22, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95, que veda a coexistência de mais de uma filiação partidária, a corroborar a congruência argumentativa supracitada.

Em síntese, conforme as regras de hermenêutica jurídica, não se pode dar interpretação ampliativa à norma restritiva.

Dessarte, compartilho do entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral de que:

Importante referir que, em princípio, no caso de doação a partido por pessoa filiada a outra agremiação, até mesmo a finalidade da doação de recursos ao partido político resta distorcida, pois se o objetivo é custear a atividade partidária para que um específico ideário logre difusão e sucesso eleitoral, não se entende porque uma pessoa vá efetivar doações a outro partido diferente daquele em que inscrito. Convém observar, no ponto, que o art. 22, parágrafo único, da Lei nº 9.096/95, veda a coexistência de mais de uma filiação partidária. Assim, na hipótese cogitada nos autos, o uso imoral da nomeação para cargo, função ou emprego público fica ainda mais patente, pois a única razão que se verifica na doação para sustentar ideário político diverso do seu consiste na já propalada utilização do cargo público como moeda de troca.

A título de desfecho, relembro apenas o caráter não vinculante das consultas efetuadas às Cortes eleitorais.

Diante do exposto, VOTO no sentido de que a consulta seja respondida com o seguinte teor:

Nos termos do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, somente é permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação.