E.Dcl. - 1441 - Sessão: 22/06/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) de VIAMÃO em face do acórdão que, por unanimidade, desproveu o recurso, afastando, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, por reconhecimento de sua inconstitucionalidade (fls. 178-182).

Em suas razões, o embargante sustenta a existência de omissões e contradição no acórdão. Alega violação ao princípio da não surpresa diante dos arts. 9º, 10 e 928 do CPC. Argumenta que, tendo havido apenas a transcrição da ementa do acórdão RE n. 35-92, não lhe foi possibilitada a discussão da decisão. Na sequência, aduz que, para fins de prequestionamento explícito, cabe a manifestação da Corte a respeito da inclusão dos fundamentos constantes do acórdão do RE n. 35-92, apontando aqueles que entendeu adotados como razão de decidir para definir-se pela inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95. Defende contradição na decisão, indicando as normas do art. 113 do ADCT, do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e dos arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18, por compreender inaplicáveis ao caso. Invoca o prequestionamento dos seguintes dispositivos legais: art. 275 do Código Eleitoral; arts. 9º, 10, 489, §1º, incs. IV e V, 948, e 1.022, caput, mais os incs. I e II, todos do CPC; art. 113 do ADCT; art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal; arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18; arts. 11 e 39 da Lei n. 4.320/64; arts. 3º e 5º da Lei n. 5.172/66; e o art. 55-D da Lei n. 9.096/95. Requer o conhecimento e o provimento do recurso, com o suprimento das omissões e da contradição, bem como o prequestionamento das matérias suscitadas (fls. 186-192v.).

É o breve relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

Os embargos de declaração são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

À vista disso, adianto que o recurso, que envolve tão somente a questão do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 13.831, de 17 de maio de 2019, não merece acolhimento.

O art. 1.022 do CPC estabelece que cabem embargos de declaração para esclarecer obscuridade, eliminar contradição ou suprir omissão sobre ponto ou questão acerca da qual devia se pronunciar o juiz.

Os embargos de declaração destinam-se ao esclarecimento dos vícios elencados pela legislação. Por lógica, tais incorreções devem ser inerentes ao acórdão e necessitam ser enfrentadas pelo mesmo órgão julgador para otimizar sua decisão, o que não se confunde com a revisão do julgado ou a reapreciação de seu mérito em razão da exegese de injustiça da decisão.

O embargante aduz que, ao manifestar-se no acórdão sobre o art. 55-D da Lei n. 9.096/95, em redação dada pela Lei n. 13.831/19, este Tribunal violou o princípio da não surpresa, insculpido no CPC, pois “em nenhum momento foi dada oportunidade ao embargante para que se manifestasse a respeito de eventual inconstitucionalidade da norma”.

Argumento de inviável acolhida. Senão, vejamos.

Esta Corte se manifestou sobre a pretensa aplicação do art. 55-D ao caso dos autos apenas porque a questão do recebimento de recursos oriundos de fonte vedada - doações ou contribuições feitas no exercício financeiro em questão por servidores públicos que exerciam função ou cargo de livre nomeação e exoneração – era, necessariamente, matéria a ser examinada no julgamento. Logo, cabia a apreciação do mencionado dispositivo.

Na hipótese em tela, é manifesto o inconformismo do embargante com a decisão que lhe foi desfavorável, pois este Tribunal, ao analisar a lei aplicável ao caso concreto – máxima expressão do princípio iura novit curia (o juiz conhece o Direito) –, concluiu pela inconstitucionalidade de dispositivo legal que, acaso considerado, seria favorável aos seus interesses.

Por essa razão, não se verifica qualquer omissão e/ou contradição no decisum, pois ao juízo não é imposto que consulte previamente as partes sobre as normas que entende aplicáveis ao processo.

Assim, o debate ora proposto, relativo à suposição de o resultado do julgamento ter violado princípios e dispositivos legais e constitucionais, é matéria a ser levada à apreciação da superior instância, não cabendo a esta Corte, na estreita via dos declaratórios, reapreciar a decisão.

Logo, diante dos elementos supracitados, o argumento de que a decisão, “ao transcrever tão somente a ementa do acórdão do RE 35-92 (...) não possibilitou ao embargante a discussão de seus fundamentos”, bem como a indagação sobre “se os fundamentos da decisão tomada no RE 35-92 estão incluídos no acórdão embargado, à sua totalidade ou não”, em verdade, estão juntamente a questionar sobre o que interpreta ser a justiça da decisão.

Sabe-se que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (art. 926 do Código de Processo Civil), além de observar a orientação do plenário do órgão (art. 927, inc. V, do mesmo diploma).

Nesse intuito, embora o acórdão embargado tenha apenas transcrito a ementa em referência ao precedente sobre a anistia instituída pela Lei n. 13.831/19, esta questão foi amplamente debatida e alcançou consenso no plenário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, RE n. 35-92.2016.6.21.0005, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS de 23.8.2019, de forma que, ao invocá-la, como feito no caso específico dos autos, faz integrar sua fundamentação e atende aos ditames da economia processual, da segurança jurídica e da busca pela racionalização da atividade jurisdicional.

Ademais, os argumentos formulados não foram bastantes para fins de alterar o convencimento deste julgador e vislumbrar a possibilidade de mudança de posição da Corte em relação ao tema.

Acerca do julgamento do incidente de inconstitucionalidade, peço vênia para transcrever a doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, especificamente sobre o ponto que aqui se examina – a necessidade de rediscussão quando declarada pelo plenário de tribunal a inconstitucionalidade de dispositivo:

Uma vez decidida a questão constitucional pelo Plenário ou Órgão Especial, os órgãos fracionários ficam obrigados perante a decisão tomada pelo órgão qualificado. O parágrafo único do art. 949 do CPC de 2015 é expresso no sentido de que os órgãos fracionários não ficam obrigados apenas diante de precedente do STF, mas também de decisão do Plenário ou Órgão Especial do Tribunal.

Não é apenas o órgão fracionário que submeteu a questão de constitucionalidade ao quorum qualificado que fica vinculado à decisão. Todas as Câmaras ou Turmas ficam obrigadas perante a decisão tomada pelo Plenário ou pelo Órgão Especial.

Assim, uma vez decidida a questão constitucional no Tribunal, as Câmaras ou Turmas não mais podem submeter a arguição de inconstitucionalidade ao Plenário ou ao Órgão Especial. Até porque estes estão proibidos de voltar a tratar da questão constitucional sem que presentes os requisitos hábeis a justificar a revogação de precedentes, como a transformação dos valores sociais ou da concepção geral do direito ou, ainda, erro manifesto. Aliás, é improvável que a decisão do Tribunal, sem ter chegado à análise do STF, possa estar sujeita a tais condições.

Advirta-se que a alteração da composição do órgão julgador não é suficiente para a revogação do precedente. Da mesma forma, os fundamentos que foram levantados quando do julgamento não podem simplesmente voltar a ser discutidos. O rejulgamento é viável apenas quando se tem consciência de que a manutenção do precedente constitui a eternização de um erro ou de uma injustiça, seja porque há equívoco grosseiro na decisão, seja porque a evolução da sociedade e do direito está a mostrar que a decisão primitiva não mais pode prevalecer.

Frise-se que todos os juízos – inclusive os de 1.º grau – subordinados ao Tribunal de Justiça ou Regional Federal ficam vinculados à decisão tomada pelo Plenário ou pelo Órgão Especial.

(Curso de direito constitucional – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017, edição eletrônica.)

 

O julgamento recente (que mitiga a possibilidade de ocorrência de evolução da sociedade e do direito) e a ausência dos requisitos hábeis a justificar a revogação de precedente, nos termos da valorosa doutrina mencionada, são obstáculos à rediscussão pleiteada pelo embargante.

LENZA, a propósito, cita voto de Ilmar Galvão, proferido no RE n. 190.175-8/PR, no qual o então Ministro do Supremo Tribunal Federal pondera que,

declarada a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada lei, pela maioria absoluta dos membros de certo Tribunal, soaria como verdadeiro despropósito, notadamente nos tempos atuais, quando se verifica de maneira inusitada, a repetência desmesurada de causas versantes da mesma questão jurídica, vinculadas à interpretação da mesma norma, que, se exigisse, em cada recurso apreciado, a renovação da instância incidental da arguição de inconstitucionalidade, levando as sessões da Corte a uma monótona e interminável repetição de julgados da mesma natureza.

(LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado - 19. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2015. P. 320.)

 

Nessa linha, como já houve manifestação desta Corte sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, a invocação dos termos do precedente ocorreu também no intuito de evitar a monótona e interminável repetição do entendimento consagrado por ocasião daquele julgado paradigma.

Nesse sentido, pretendeu o embargante invocar os termos do precedente, com a repetição de questões debatidas, como os fundamentos adotados como razões de decidir do acórdão RE n. 35-92, buscando rediscutir a decisão consagrada, integrando novos argumentos aos antigos, dentre eles:

a) a ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativas de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita, indicando como omissão a afrontar a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do ADCT;

b) a legislação infraconstitucional igualmente exigiria fosse comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e dos arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18;

c) a anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas, benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente, atentaria ao princípio da moralidade administrativa e desvirtuaria a natureza jurídica do instituto;

d) os valores glosados nos autos, por terem origem em contribuições realizadas por particulares aos partidos políticos, não possuiriam natureza tributária a violar o art. 114 da Lei de Responsabilidade Fiscal, e tampouco seriam receitas orçamentárias, para fins de aplicação do art. 113 do ADCT e dos arts. 114 e 116 da LOA, indicando contradição na decisão;

e) as determinações de recolhimento de valores ao Tesouro, nas glosas impostas pela Justiça Eleitoral em caso de recebimento irregular de recursos, não constariam em orçamento público, não se constituindo em receita orçamentária, sendo inviável estudo de impacto financeiro que possibilitasse serem anistiadas;

f) independente da natureza da glosa aplicada nos autos, nela não incidiriam as normas atinentes às receitas orçamentárias típicas;

g) os créditos decorrentes de determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em processo de prestação de contas, não seriam receita orçamentária, não cabendo a aplicação do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, inclusive porque esses créditos não poderiam ser cobrados com base na Lei de Execução Fiscal, pois executados por meio de cumprimento de sentença.

Entretanto, as questões retrorreferidas, indicadas enumeradamente pelo embargante, sobre os fundamentos adotados como razão de decidir do acórdão RE 35-92, para definir pela inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, como afirmado pelo próprio recorrente, estão expressamente admitidas pela Corte no precedente transcrito, de forma que os argumentos nesse ponto constituem apenas inconformismo com a tese que foi consagrada pelo Plenário.

Ademais, no controle de constitucionalidade, ainda que existam diversos aspectos sobre os quais a norma possa ser reputada válida, a existência de uma mácula é suficiente para a declaração de sua inconstitucionalidade – de modo que os outros argumentos trazidos pelo embargante não configuram razão para alterar o julgado.

No exame sobre a constitucionalidade da norma que constou na decisão recorrida estão reconhecidas as violações ao processo legislativo e ao princípio da moralidade administrativa. No exame pormenorizado do voto proferido no precedente é possível verificar o reconhecimento também da violação aos princípios da prestação de contas e da integridade legislativa.

Assim, mesmo que o art. 55-D da Lei dos Partidos Políticos fosse constitucional sob o ponto de vista das normas orçamentária, tributária e financeira, teses do embargante, o reconhecimento da falha no processo legislativo - pela não observância da apresentação da estimativa de impacto orçamentário – é suficiente para a declaração de inconstitucionalidade.

Nessa toada, não se vislumbra interesse da parte na realização de digressões sobre aspectos que não terão, por si sós, aptidão para influir no julgamento quando da existência de um fator preponderante.

Dessa forma, caracterizado o mero intuito de rejulgamento da lide, e ausentes obscuridade, omissão ou contradição no acórdão embargado, devem ser desacolhidos os aclaratórios.

Por fim, quanto ao pedido de prequestionamento, ressalto que o art. 1.025 do CPC estabelece que se consideram “incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade".

Ante o exposto, VOTO por conhecer e rejeitar os embargos de declaração.

É como voto, Senhor Presidente.