PC - 0603195-23.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/05/2020 às 14:00

VOTO

A impugnação atende aos pressupostos formais, de maneira que deve ser conhecida.

Há dois núcleos centrais de argumentação do impugnante. 1. O primeiro versa acerca da natureza das decisões em processos de prestações de contas (o peticionante entende tratar-se de decisão administrativa ou, quando muito, de jurisdição voluntária). Partindo de tal premissa, haveria o afastamento do instituto da coisa julgada (viabilizando a aplicação da Súmula n. 473 do STF, por exemplo) e, também, a caracterização do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional como se de “multa” se tratasse. 2. O segundo diz respeito à justiça (no caso, alegada injustiça) da decisão que determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, ao mérito da decisão prolatada. Dito de outro modo, ALCEU BARBOSA VELHO defende ter comprovado a origem lícita das quantias depositadas em sua conta de campanha eleitoral - mediante a apresentação de documento bancário, com números e datas - e demonstrado, ainda, que os referidos R$ 103.000,00 se originaram de seus proventos de aposentadoria.

À análise.

Não há como concordar com as teses.

De início, gizo que não é possível afastar, do caso posto, (1) a natureza jurídica da dívida que é cobrada (não se trata de multa administrativa) e (2) o caráter (jurisdicional) dos processos de prestação de contas.

A uma, a ordem de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional não se trata de sanção, mas, sim, de consectário da prática da irregularidade. Destaco, nessa senda, as redações do art. 22, §§ 1º e 3º, e do art. 34, ambos da Resolução TSE n. 23.553/17:

Art. 22. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

[...]

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 34 desta resolução.

Art. 34. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

[...]

§ 3º Incidirão atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

§ 4º O disposto no § 3º não se aplica quando o candidato ou o partido político promove espontânea e imediatamente a transferência dos recursos para o Tesouro Nacional, sem deles se utilizar.

§ 5º O candidato ou o partido político pode retificar a doação, registrando-a no SPCE, ou devolvê-la ao doador quando a não identificação decorra do erro de identificação de que trata o inciso III do § 1º e haja elementos suficientes para identificar a origem da doação.

§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional.

Ora, tanto não se trata de multa administrativa que a legislação de regência chega a prever, como preferencial (§ 5º do art. 34), a retificação da doação, ou a devolução dos valores ao doador.

Em outras palavras, a ordem de devolução de valores ao Tesouro Nacional ocorreu por não ter sido esclarecida, em ação judicial de prestação de contas transitada em julgado, a origem dessas quantias. Não tendo se desincumbido do ônus, cabe o recolhimento pelo prestador, donde se afasta o argumento de “enriquecimento ilícito da União”.

Ora, os processos de prestações de contas têm natureza jurisdicional – neles, são assegurados o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal. Aliás, já há algum tempo o ponto deixou de ser polêmico, pois a mudança se iniciou a partir do texto do art. 37, § 6º, da Lei n. 9.096/95, trazido pela Lei n. 12.034, de 2009.

E a mudança ocorreu exatamente porque alguns dos atores das eleições não davam às prestações de contas a importância merecida, como instrumento de transparência perante a sociedade. Não por acaso, o precedente trazido pelo impugnante foi publicado em 2007 (e a doutrina citada data do ano de 2008).

Portanto, os processos de prestação de contas são também acobertados pelo manto da coisa julgada, aqui ocorrida em 22.01.2019, conforme certidão, ID 1804583, constante nestes autos virtuais (Processo PC n. 0603195-23.2018.6.21.0000), sendo inviável endereçar, à situação posta, o verbete n. 473 do STF.

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

Eleições 2014. Agravo regimental. Preliminar de nulidade. Inércia. Jurisdição. Devido processo legal. Ofensa. Inexistência. Recurso especial. Prestação de contas de candidato. Eleições 2014. 1. A reconsideração de decisão monocrática que deu provimento ao recurso especial para permitir a análise da matéria pelo Plenário não impede que nova decisão monocrática venha a ser proferida pelo relator, em virtude de o tema de fundo ter sido examinado pela Corte em outro feito, sem prejuízo de a matéria decidida ser levada ao conhecimento e análise do Plenário pela via do agravo regimental. 2. Nos processos de prestação de contas, cuja natureza é jurisdicional, impera a regra da preclusão. Dada oportunidade prévia para a parte apresentar documentos, não é possível suprir a falha em momento posterior ao do julgamento. 3. A situação dos autos revela que a Corte Regional entendeu presente situação excepcional, cuja explicitação não foi objeto de embargos de declaração na origem. A ausência da oposição do recurso de integração impede o reenquadramento da situação fática definida que entendeu presente exceção que afasta a regra geral [...]”. Grifei.

(Ac de 19.4.2016 no AgR-REspe n. 539553, rel. Min. Henrique Neves.)

Aliás, a peça de resposta da AGU traz, também, recente decisão do TSE, a PC n. 31449, relator o Min. Admar Gonzaga, cujo acórdão foi publicado em 29.5.2019, no qual se entendeu preclusa determinada questão, ante a inércia da parte.

Impraticável, igualmente, a comparação intentada pelo agravante – prestação de contas do candidato Darci Pompeo de Mattos (PC n. 0602423-60.2018.6.21.0000).

Ora, Darci Pompeo de Mattos recebeu pareceres favoráveis da Secretaria de Controle Interno e Auditoria (ID 852783) e da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 896433) não porque agiu da mesma forma que o requerente, mas, sim, porque logrou esclarecer, ao tempo e no bojo dos autos judiciais da prestação de contas, as irregularidades apontadas.

Não foi o que ocorreu com o peticionante, o qual poderia ter apresentado recurso contra o acórdão lavrado em 13.12.2018 para recolocar em discussão a justiça da decisão – o que só faz agora, tardia e indevidamente.

Há certa complexidade contábil, de fato, nos processos de prestação de contas. Contudo, trata-se de circunstância indistintamente a todos imposta, e que há de servir, também, como preâmbulo para o manejo de valores públicos durante eventual exercício do cargo eletivo, acaso o candidato logre ser eleito.

A matéria foi processada e julgada, tornando imutável a decisão posta em fase cognitiva.

Dessa forma, o acolhimento da tese apresentada pelo prestador em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, no que foi secundado pelo douto agente ministerial no parecer retro, implicaria ferir de morte a coisa julgada e, em absoluto distanciamento da melhor técnica processual, estaria a ensejar fosse revisitado o mérito já decidido na fase de conhecimento e mudada diametralmente a decisão que a extinguiu, com apreciação do mérito. Diga-se, aliás, decisão esta que restou coberta pelo manto da coisa julgada, tanto material como formal, sem que o prestador a ela tenha se oposto via manejo de remédio recursal, cujo prazo de interposição fluiu em branco, apesar da regular intimação que lhe oportunizou fazê-lo.

Impugnações tais, desnecessário dizer, tecnicamente não são sede adequada para reforma de julgados, prestando-se, conforme numerus clausus prevê o codex processual civil, a restritas hipóteses, como a nulidade de citação na etapa cognitiva ou o excesso de execução, que não se verificam no caso em exame.

Convém ter bem presente que esta Corte vem posicionando-se constante e monoliticamente pelo respeito, incondicional, à estrita observância de prazos por parte de prestadores de contas – candidatos e agremiações políticas – em homenagem à segurança jurídica, aos compromissos de tais atores para com o cumprimento de todas as obrigações que lhe impõem as leis e demais regramentos eleitorais, como lhes é naturalmente exigível nessa ambiência em que devem sempre prevalecer a transparência, a lisura de procedimentos e o interesse público, indissociáveis que são da cena eleitoral e da democracia próprias do Estado de Direito.

Nesse diapasão, permitindo-me o exagero apenas para ilustrar o raciocínio argumentativo, pontuo que, em acolhendo a extemporânea tese defensiva do prestador, este colegiado deveria até, por compromisso ético e de equidade, revisar de ofício as inúmeras prestações de contas recentemente julgadas, em que a preclusão foi rigorosamente respeitada e observada, inadmitidos esclarecimentos ou juntadas de novos documentos em escoados os prazos legais destinados a tanto, convindo lembrar que a maioria expressiva dos prestadores praticou os atos tendentes ao atendimento dessa obrigação no devido tempo, de modo que não há justificativa razoável para tratamentos diferenciados e que poderiam, inclusive, ser interpretados como indevido beneficiamento de uns, sem a extensão do benefício a outros.

Dessarte, o instituto da coisa julgada não constitui um “óbice”, de maneira que o argumento altamente subjetivo, filosoficamente controverso e historicamente pendular de “justiça” não pode relativizar um dos cânones do Estado de Direito, apenas para o caso posto, quando há tantas situações idênticas julgadas por este Tribunal, mesmo que se considerem apenas as eleições do ano de 2018.

Penso que abrir tal exceção substanciaria sinalizar aos eventuais candidatos das eleições vindouras no sentido de que eles podem atuar de forma desidiosa relativamente às respectivas prestações de contas, o que é pouco recomendável.

Em suma, não há se falar em injustiça para com o prestador; injustiça praticar-se-ia, isto sim, com os demais candidatos prestadores de contas, fosse o ora impugnante isentado da sanção objetivamente prevista nos regramentos aplicáveis à espécie. E não só com os que, como dito, atenderam aos comandos, mas também com aqueles que, sancionados, inclusive procederam ou procederão aos recolhimentos, alguns até mediante parcelamentos, muitas vezes comprometendo suas rendas e patrimônios e enfrentando dificuldades financeiras.

Se ordens de recolhimento impostas a outros prestadores de contas possuem valores inferiores ao que ora se discute, é também porque a grande massa de candidatos é formada por pessoas de baixo poder aquisitivo. Ou seja, naquelas esferas financeiras talvez detenham a mesma, ou maior importância, do que a quantia destes autos.

O que não pode haver é fundamentação jurídica diversa, tratamento destacado aqui ou acolá, pois as normas de regência determinam que o não esclarecimento, ao devido tempo, da origem dos valores depositados irregularmente na conta de campanha de candidato enseja o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

Que a causa do recolhimento fique clara: o prestador de contas não esclareceu, no tempo devido, a origem de recursos. Veio tardiamente aos autos pretender reabrir a instrução, apresentando depósitos e proventos de aposentadoria, quando tal análise já não é mais viável.

Esse é o caso, como tantos outros aqui julgados.

No que diz respeito à irresignação pelo emprego da taxa SELIC para a atualização dos valores devidos, igualmente não assiste razão ao impugnante.

Note-se que a disciplina – Resolução TSE n. 23.553/17 expressamente indica, art. 34, § 3º, que “incidirão atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional”, em procedimento que especifica também no art. 33, § 4º, e art. 82, § 2º, sempre do mesmo normativo.

Finalmente, no que toca ao valor de R$ 624,60, cujo depósito o impugnante sinalizou nos autos da PET n. 35-82.2019.6.21.0136, o pagamento há, de fato, de ser reconhecido e abatido da quantia total devida, ressalvada a necessidade de o devedor apresentar o comprovante de recolhimento nos presentes autos de cumprimento de sentença, perante o juízo próprio, uma vez que não se trata de matéria de impugnação – ao contrário, como o próprio impugnante indica, houve renúncia à discussão de tal valor.

Ante o exposto, VOTO pela improcedência da impugnação ao cumprimento de sentença ajuizada por ALCEU BARBOSA VELHO.