Cta - 0600075-98.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/05/2020 às 14:00

VOTO

Cuida-se de consulta efetuada por diretório estadual de partido político, nomeadamente o PSB/RS.

A legislação prevê a consulta ao Tribunal Regional Eleitoral, observados os requisitos do art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral:

Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:

[...]

VIII – responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político. (Grifei.)

Como se vê, a legislação exige a formulação da consulta sem contornos a possibilitarem a identificação de caso concreto. Tal comando evita que o Tribunal se adiante em eventual apreciação jurisdicional sem que tenha havido dilação probatória adequada.

No caso presente, a consulta é formulada por partido político, órgão regional, o qual detém legitimidade para atuar perante o Tribunal Regional Eleitoral, conforme dispõe o art. 11, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95:

Art. 11.

Parágrafo único. Os delegados credenciados pelo órgão de direção nacional representam o partido perante quaisquer Tribunais ou Juízes Eleitorais; os credenciados pelos órgãos estaduais, somente perante o Tribunal Regional Eleitoral e os Juízes Eleitorais do respectivo Estado, do Distrito Federal ou Território Federal; e os credenciados pelo órgão municipal, perante o Juiz Eleitoral da respectiva jurisdição.

Logo, o consulente atende ao requisito subjetivo, ao deter legitimidade para realizar a consulta, pois se trata do Diretório Estadual do Partido Socialista Brasileiro no Rio Grande do Sul – PSB/RS.

Quanto ao requisito objetivo, a indagação pode ser considerada em tese, eis que genericamente formulada. Dito de outro modo, todo e qualquer competidor eleitoral pode valer-se da resposta a ser apresentada pela Corte quanto à consideração dos convênios de débitos automáticos para fins de enquadramento no permissivo previsto no art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

Ainda, cumprido o requisito temporal, porquanto a consulta se deu fora do período eleitoral.

Assim, conheço da consulta. 

Como questão de fundo, conforme referido, o consulente propõe a seguinte hipótese:

Os convênios de débitos em conta são considerados transferências eletrônicas para fins de enquadramento no permissivo previsto no Art.8º, §3º, da Resolução n. 23.604/2019?

A Resolução TSE n. 23.604/19 é o normativo que dispõe sobre as finanças e a contabilidade dos partidos políticos, contendo a previsão relativa ao recebimento de doações pelas agremiações partidárias. Este esquadro legal está disposto nos seguintes termos:

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual ou distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e da respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (art. 39, § 1º, da Lei nº 9.096/95).

§ 1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político, transferência eletrônica, depósito bancário diretamente na conta do partido político, mecanismo disponível em sítio do partido na internet que permita o uso de cartão de crédito, cartão de débito, emissão on-line de boleto bancário ou, ainda, convênios de débitos em conta e outras modalidades, desde que atenda aos requisitos previstos no art. 7º, § 1º, desta Resolução, devendo ser registradas na prestação de contas de forma concomitante à sua realização com a inclusão da respectiva documentação comprobatória.

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deve ser realizado na conta "Doações para Campanha" ou na conta "Outros Recursos", conforme sua destinação, sendo admitida a efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou do contribuinte ou o CNPJ, no caso de partidos políticos ou candidatos, seja obrigatoriamente identificado.

§ 3º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

De fato, em seu § 1º, a norma de regência estipula a modalidade dos “convênios de débitos em conta” dentre as formas em que as doações em recursos financeiros à agremiação devem ser efetuadas.

Entretanto, ao dar sequência ao regramento, reza o § 3º que “somente” podem ser recebidas doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 por meio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário, ou cheque cruzado e nominal. Efetivamente, da leitura dos dispositivos – caput e seus parágrafos –, vislumbra-se necessária integração, de forma que reste claro se os convênios de débito em conta são considerados transferências eletrônicas.

Sobre a realização dos convênios de débito em conta, a Resolução BACEN n. 4.649/18 estipula os seguintes requisitos:

Art. 1º - É vedado aos bancos comerciais, aos bancos múltiplos com carteira comercial e às caixas econômicas limitar ou impedir, de qualquer forma, o acesso de instituições de pagamento e de outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil aos seguintes produtos e serviços:

I - débitos autorizados pelo titular de conta de depósitos ou de conta de pagamento mantidas nas instituições mencionadas no caput, inclusive débitos comandados pelo titular da conta por meio de instituições de pagamento ou de outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil;

(...)

Art. 2º - As autorizações para débito em conta de que trata o inciso I do art. 1º, comandadas pelo titular da conta por meio de instituições de pagamento ou de outras instituições autorizadas pelo Banco Central do Brasil, devem observar os seguintes requisitos:

I - a instituição financeira detentora da conta a ser debitada deve confirmar com o cliente, por meio eletrônico, a autorização de débito recebida, no prazo máximo de um dia útil;

II - a instituição detentora da conta a ser debitada deve comunicar à instituição remetente da autorização de débito o recebimento da autorização, a confirmação e o acatamento da ordem de débito, bem como cancelamento que tenha sido solicitado pelo cliente, no prazo máximo de dois dias úteis contados da data do recebimento da confirmação;

III - a remessa da autorização de débito e a comunicação de recebimento e acatamento da ordem, bem como o seu cancelamento, devem ser realizadas por meio eletrônico, com todas as informações necessárias à realização do débito e à transferência dos recursos; e

IV - no caso de autorização para débitos relativos a pagamentos sucessivos, a autorização deve ser acatada, pela instituição detentora da conta a ser debitada, em caráter permanente.

(Ministério da Fazenda. BACEN, Resolução n. 4.649, de 28 de março de 2018. DOU de 02/04/2018 n. 62, Seção 1, pág. 24.) (Grifei.)

Ou seja, o titular de conta-corrente formaliza um contrato de prestação de serviços com a instituição financeira para receber créditos oriundos de outra(s) conta(s), daquela ou de outras instituições financeiras que, mediante autorização de débito, anuíram com a cobrança, perfectibilizando a prestação do serviço.

Portanto, cabe observar que toda a operação de transferência dos valores nos convênios de débitos em conta ocorre por meio eletrônico do sistema bancário, ou seja, pela utilização de instrumentos e canais remotos para comunicação e troca de informações, sem contato presencial entre  os clientes e as instituições financeiras, nos termos da Resolução BACEN n. 4.480/16 (in DOU de em: 2604/2016, Ed. n. 78, S. 1, pág. 15).

Desse modo, para a realização de doações por meio de convênios de débito em conta, resta estabelecido um ajuste de interesses recíprocos entre os envolvidos (instituições financeiras e os titulares das contas-correntes debitadas e creditadas).

Ademais, esta relatoria efetuou consulta, pela forma telemática, à Secretaria de Controle Interno desta Corte. Em síntese, a unidade examinadora de contas esclareceu que, na prática, a operacionalização ocorre da seguinte forma:

1. O partido faz um convênio com o banco para cobrança por débito na conta dos clientes.

2. O partido envia um arquivo ao banco, nominando os clientes e valores a serem debitados.

3. Os clientes autorizam os débitos e, no dia programado, o banco debita o valor do correntista.

4. Após o débito (de cada um dos clientes), o banco credita o valor total na conta bancária do partido.

5, Ou seja, em um dia do mês o partido terá crédito único, resultado da soma de todos dos débitos realizados.

6. Como é um registro único, o banco não faz este detalhamento no extrato bancário de depósito à agremiação.

7. Sabe-se, todavia, que o banco pode disponibilizar um arquivo ou controle para o partido com as informações relativas aos débitos realizados ou pendências (ausências de fundo, por exemplo).

8. Tais informações da instituição bancária, com a identificação individual dos doadores, poderia fazer aceitarem-se as doações como regulares, por haver segurança da origem.

De tal roteiro, exsurge absolutamente relevante que o partido político apresente, perante a atividade fiscalizatória da Justiça Eleitoral, informações completas que identifiquem o valor da contribuição de cada doador com o respectivo CPF. A corroborar esse entendimento, cite-se a determinação da al. “a” do § 3º do art. 39 da Lei n. 9.096/95, litteris:

Art. 39.

(...)

§ 3º As doações de recursos financeiros somente poderão ser efetuadas na conta do partido político por meio de: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

I - cheques cruzados e nominais ou transferência eletrônica de depósitos;

II – depósitos em espécie devidamente identificados;

III - mecanismo disponível em sítio do partido na internet que permita o uso de cartão de crédito, cartão de débito, emissão on-line de boleto bancário ou, ainda, convênios de débitos em conta, no formato único e no formato recorrente, e outras modalidades, e que atenda aos seguintes requisitos: (Redação dada pela Lei nº 13.877, de 2019)

a) identificação do doador; (incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

b) emissão obrigatória de recibo eleitoral para cada doação realizada. (Grifei.)

Sem tais dados, não há segurança de origem.

Portanto, gizo, novamente, que compete à agremiação fazer o gerenciamento pormenorizado das operações para apresentar na prestação de contas, onde o valor cobrado de cada doador é identificado, individualmente, pelo CPF, independentemente da instituição bancária vir a creditar o valor total dos débitos em registro único, sem detalhamento no extrato bancário.

Igualmente, é importante ressaltar que o partido não poderá delegar a responsabilidade de identificação individualizada à instituição bancária. Quem têm o dever de prestar contas à Justiça Eleitoral são os partidos políticos (art. 17 da CF), e não os bancos.

Cumpridos os requisitos acima especificados, para os fins da presente Consulta, cabe entender o convênio de débito em conta como uma espécie do gênero denominado “transferência eletrônica” e, tomadas as medidas indicadas, pode-se compreender que o convênio de débito em conta enquadra-se no permissivo regulamentar, aliás, na esteira do posicionamento externado pelo d. Procurador Regional Eleitoral, no sentido de que  "[...]  o convênio de débito em conta com a instituição bancária permite a comprovação do doador por parte do sistema da própria instituição financeira, pois o numerário será retirado da conta bancária do doador. Assim, entendemos que essa modalidade de doação atende à finalidade do § 3º do art. 8º da Resolução TSE nº 23.604/2019, que é a identificação pelo próprio sistema bancário e não com base em informações unilaterais prestadas pelo partido ou por eventual depositante."

Segue o Parquet com a ressalva, com a qual concordamos, de que, "[...] em havendo opção por essa modalidade de débito em conta, cumpre ao partido, em sua prestação de contas, acostar documento fornecido pela instituição financeira informando o CPF de todos os doadores com a relação dos respectivos débitos em conta e a data da operação."

E a jurisprudência do TSE segue tal entendimento:

CONSULTA. DOAÇÃO. RECURSOS FINANCEIROS. PARTIDO POLÍTICO. CONHECIMENTO EM PARTE.

[...]

1ª Pergunta: "As hipóteses de doações elencadas nos dispositivos legais ora em destaque […] tratam de rol exaustivo ou rol exemplificativo?" Resposta: os instrumentos descritos nos arts. 39, § 3º, da Lei 9.096/95 e 8º, § 1º, da Res.-TSE 23.464 - quais sejam, cheque cruzado em nome do partido, depósito bancário diretamente na conta da agremiação, transferência eletrônica de depósitos, depósitos em espécie devidamente identificados, mecanismo disponível em sítio do partido na internet que permita inclusive o uso de cartão de crédito ou de débito e que atenda aos requisitos de identificação do doador e emissão obrigatória de recibo eleitoral - constituem rol taxativo, de modo que somente eles podem ser utilizados para se efetuar doações de recursos financeiros a partidos políticos, ressalvados os meios de transação bancária que se enquadrem na previsão do § 2º da citada resolução.

2ª Pergunta: "Os convênios bancários de 'débito automático em conta corrente' realizados com partidos políticos e respectivos doadores devidamente identificados estão contemplados como meio legal de doações financeiras aos partidos políticos, conforme o teor dos dispositivos legais ora em destaque?" Resposta: Sim, nos seguintes termos: a doação de recursos financeiros a partido político pode ser efetuada por meio de débito automático em conta, desde que seja obrigatoriamente identificado o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, na forma prevista no § 2º do art. 8º da Res. TSE 23.464, cabendo ao partido donatário o ônus de comprovar a origem dos recursos recebidos, não podendo tal encargo ser transferido a terceiros.

[...]

(Consulta n. 060299972.2017.6.00.0000- Brasília/DF, Acórdão, Relator Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 52, Data 15.03.2018.)

 

A título de desfecho, relembro apenas o caráter não vinculante das consultas efetuadas às Cortes eleitorais.

Diante do exposto, VOTO no sentido de que a consulta seja respondida nos seguintes termos:

Para fins de enquadramento no permissivo previsto no art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/19, a doação de recursos financeiros a partido político, de valor igual ou superior a R$ 1.064,10, pode ser efetuada por meio de débito automático em conta celebrado em convênio, desde que acostada pelo partido político, ao processo de prestação de contas, documentação, emitida pela instituição financeira, que contenha o detalhamento do CPF dos doadores, os valores e as datas individualizadas das respectivas operações de transferência.