RE - 0600019-66.2020.6.21.0032 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/05/2020 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. A eleitora foi intimada da decisão combatida, mediante carta, no dia 03.03.2020 (ID 5602833), e o recurso foi interposto em 06.03.2020, observando, portanto, o quinquídio previsto no art. 18, § 5º, da Resolução TSE n. 21.538/03.

Assim, igualmente preenchidos os demais pressupostos recursais, deve ser conhecido.

Mérito

O tema em apreço versa sobre a transferência de domicílio eleitoral, matéria regulamentada pelos arts. 18 e 65 da Resolução TSE n. 21.538/03, que assim dispõem:

Art. 18. A transferência do eleitor só será admitida se satisfeitas as seguintes exigências:

I – recebimento do pedido no cartório eleitoral do novo domicílio no prazo estabelecido pela legislação vigente;

II – transcurso de, pelo menos, um ano do alistamento ou da última transferência;

III – residência mínima de três meses no novo domicílio, declarada, sob as penas da lei, pelo próprio eleitor (Lei nº 6.996/1982, art. 8º);

IV – prova de quitação com a Justiça Eleitoral.

Art. 65. A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

Conforme já assentado na doutrina e na jurisprudência, o domicílio eleitoral representa um conceito mais elástico do que o domicílio civil, admitindo-se a simples demonstração de vínculos de natureza afetiva, econômica, política, social ou comunitária entre o eleitor e o município.

Neste trilhar, destaco o seguinte julgado:

ELEIÇÃO 2012. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. DEFERIMENTO. DOMICÍLIO ELEITORAL. ABRANGÊNCIA. COMPROVAÇÃO. CONCEITO ELÁSTICO. DESNECESSIDADE DE RESIDÊNCIA PARA SE CONFIGURAR O VÍNCULO COM O MUNICÍPIO. PROVIMENTO. 1) Na linha da jurisprudência do TSE, o conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e se satisfaz com a demonstração de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes. 2) Recurso especial provido para deferir o registro de candidatura.

(TSE - REspe: 37481 PB, Relator: Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, Data de Julgamento: 18.02.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 142, Data 04.08.2014, Página 28/29.) (Grifei.)

Na mesma senda, este Tribunal adota uma compreensão bastante flexível de domicílio eleitoral ao admitir provas que, apesar de não denotarem a noção estrita de residência, revelam relações das mais diversas com a localidade, tais como a demonstração de participação em campeonato esportivo e em associação recreativa local por tempo duradouro (RE n. 756, Santo Cristo - RS, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, Sessão: 30/08/2018) ou de residência dos sogros e cunhados no município (RE n. 2602, Relator: Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Sessão: 14/11/2017).

Nem mesmo tal abrandamento ampara o caso em exame, haja vista a ausência de sinceridade e, quiçá, de boa-fé na motivação do pedido, como se passa a demonstrar.

Consoante informação subscrita pelo chefe do cartório da 32ª Zona, no dia 21.01.2020, a eleitora Elaine Neris compareceu ao cartório eleitoral, com seu marido e sua filha, acompanhados do servidor da Prefeitura de Boa Vista das Missões Carlos Rogério dos Santos Bueno, a fim de solicitar a sua transferência eleitoral de Palmeira das Missões para Boa Vista das Missões (ID 5602433).

Como prova de residência, a recorrente apresentou contrato de locação, figurando como locador Velcindo Lowe de Oliveira e como locatários o marido e a filha da eleitora requerente, cujo instrumento teve assinaturas reconhecidas em tabelionato no dia 21.10.2019 (ID 5602533).

Ocorre que durante a assistência que lhe foi prestada no Cartório Eleitoral, ao ser indagada pelo servidor público Carlos Rogério sobre questões de praxe, tanto Elaine quanto os demais eleitores titubearam, incluindo seu próprio endereço residencial que pediram a Carlos que informasse.

Tais fatos fizeram com que o chefe de cartório, no documento dirigido ao Juiz Eleitoral, fizesse constar as seguintes observações:

A eleitora Elaine quando questionada sobre a rua e bairro onde morava, apresentava dúvida, chegando a confirmar dados com o Sr. Carlos.

Os demais eleitores frequentemente ou não sabiam informações sobre o endereço ou ficavam com dúvida, e buscavam auxílio do Sr. Carlos.

Diante dos indícios de não veracidade acerca das declarações prestadas pela eleitora, o Magistrado a quo, determinou diligências a fim de confirmar a autenticidade do domicílio informado (ID 5602633), conforme preceitua o art. 65, § 4º, da Resolução TSE n.

Art. 65. (...).

§ 4º Subsistindo dúvida quanto à idoneidade do comprovante de domicílio apresentado ou ocorrendo a impossibilidade de apresentação de documento que indique o domicílio do eleitor, declarando este, sob as penas da lei, que tem domicílio no município, o juiz eleitoral decidirá de plano ou determinará as providências necessárias à obtenção da prova, inclusive por meio de verificação in loco.

Em cumprimento à ordem, o chefe de cartório procedeu à verificação in loco, dirigindo-se ao endereço antigo, em Palmeira das Missões, visando confirmar se os eleitores ainda residiam no município, lavrando, ao final, certidão com o seguinte teor:

Diante disso, me dirigi ao endereço Rua Mário Becker, 165, Bairro Franco I, em Palmeira das Missões, onde encontrei com Schaiene Beutler, esposa de Valdair Rocha de Lima, que confirmou residirem na residência Aldo do Prado Neris e Elaine Neris. Foi questionado a residente sobre se os eleitores moraram sempre ali, bem como se mudaram recentemente para outro município, pelo que foi indicado que não.

Em ato contínuo, procedi a busca do endereço Rua Mário Becker, 185, não encontrando a residência. Ao questionar vizinho, morador da Rua Mário Becker, 180, este indicou que Luana de Lima Neris reside junto a seus pais, na Rua Mário Becker, 165.

Como se observa, a apuração não contemplou o endereço declarado pela eleitora no Município de Boa Vista das Missões, localidade de destino da transferência.

Com base nesta circunstância, a recorrente argumenta que a diligência não conduz à conclusão pela não existência de vínculo com a nova circunscrição, pois não há ilicitude na concomitante permanência da residência em Palmeira das Missões com o estabelecimento de novo domicílio eleitoral em Boa Vista das Missões.

É certo que a ordem civil reconhece a possibilidade da pluralidade de domicílios, nos quais a pessoa alternadamente viva ou nos quais constitua diferentes espécies de relações, na linha estabelecida pelos arts. 71 e 72 do Código Civil.

Desse modo, a conclusão de que a eleitora permanece com vínculos, inclusive com domicílio civil, no município de Palmeira das Missões não afasta, em tese, a possibilidade de constituição de um novo domicílio em Boa Vista das Missões.

Nesta hipótese, faculta-se ao cidadão a escolha de qualquer desses como sede para o seu exercício do voto, consoante, inclusive, dicção do parágrafo único do art. 42 do Código Eleitoral: “é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.”

Contudo, diante das pertinentes averiguações determinadas pelo Juízo a quo, entendo que a manutenção do domicílio familiar em Palmeiras das Missões associa-se a outros elementos informativos acostados aos autos para impor fundado descrédito sobre o instrumento locatício apresentado.

Com efeito, nas circunstâncias que rodeiam o requerimento de transferência, constata-se uma miríade de indícios característicos do modus operandi da cooptação de pessoas para transferências fraudulentas, visando à construção artificial de um reduto ou “curral” eleitoral, prática ilícita que ganha especial vulto em anos de eleições municipais, especialmente em localidades de diminuto eleitorado.

Assim, na esteira do parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, cabe destacar os seguintes aspectos, que colocam fundada dúvida sobre a autenticidade da documentação oferecida, quais sejam:

1) embora a eleitora sustente manter vínculos familiares e profissionais com a localidade, a única prova oferecida foi o contrato de locação do imóvel de propriedade de Velcindo Lowe de Oliveira (ID 5602533);

2) no contrato, o endereço do locador é o mesmo do imóvel locado, porém delimitado ao “segundo pavimento”;

3) o ajuste registra o início de vigência em 1º.10.2019 e teve assinaturas reconhecidas em 21.10.2019, ou seja, nos exatos três meses anteriores de domicílio legalmente exigidos para o requerimento de transferência, e prevê a duração de um ano, findando em 30.09.2020, isto é, na semana imediatamente anterior ao dia das eleições de 2020, sem cláusula de prorrogação;

4) a fatura de energia elétrica apresentada continua sob a titularidade do locador e informa que o imóvel consiste em uma casa, sem unidades de consumo independentes (ID 5602533);

5) o chefe de cartório informou que o servidor da prefeitura Carlos Rogério dos Santos Bueno conduziu os eleitores ao cartório eleitoral e, inclusive, esclareceu detalhes sobre o endereço diante de dúvidas da declarante (ID 5602433); e,

6) posteriormente, o chefe de cartório certificou que, por ocasião do protocolamento do presente recurso, novamente lá compareceram a eleitora Elaine Neris, seu procurador constituído e o servidor Carlos Rogério (ID 5602283).

Em simples consulta ao Portal Transparência da Prefeitura de Boa Vista das Missões (https://www.boavistadasmissoes.rs.gov.br/), é possível confirmar que Carlos Rogério dos Santos Bueno é servidor público efetivo lotado na Secretaria de Saúde. Além disso, no mesmo banco público de dados, observa-se que Velcindo Lowe de Oliveira também consta como servidor efetivo da Câmara de Vereadores.

Desse modo, no contexto exposto, entendo que a prova de domicílio apresentada é frágil e duvidosa, não servindo, por si só, para o deferimento da transferência eleitoral.

Sendo ônus da requerente a prova de seu vínculo com o município do qual se pretende eleitora cumpria-lhe apresentar, por “meios convincentes” - na expressão trazida pelo art. 55, § 1º, inc. III, do Código Eleitoral -, documentos que efetivamente demonstrassem a existência de vínculos sociais, familiares, afetivos ou profissionais com a municipalidade, superando a precariedade do instrumento contratual apresentado.

No entanto, nenhuma das diversas situações passíveis de configurar o domicílio eleitoral foi minimamente demonstrada nos autos. Não basta a mera alegação da parte quantos aos vínculos profissionais ou familiares para superar a precariedade da prova relacionada a seu endereço residencial,  mormente diante das diligências de ofício determinadas na origem.

Destarte, não há razões para modificar a decisão que indeferiu o requerimento de transferência eleitoral para o Município de Boa Vista das Missões, inclusive no tocante à determinação de remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral para apuração de eventual prática criminal.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a decisão que indeferiu o alistamento eleitoral de ELAINE NERIS ao Município de Boa Vista das Missões/RS.