RE - 0600010-51.2019.6.21.0158 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/04/2020 às 14:00

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

1. Preliminar

Inicio por examinar a questão preliminar relativa à aplicação do art. 55-D, introduzido na Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.831, de 17 de maio de 2019, com o seguinte teor:

Art. 55-D. Ficam anistiadas as devoluções, as cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político.

Como a questão do recebimento de recursos oriundos de fonte vedada – doações ou contribuições feitas no exercício financeiro em questão por servidores públicos que exerciam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração – será examinada neste julgamento, cabe a apreciação incidental da constitucionalidade do mencionado dispositivo.

Em relação ao recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, neste momento considerado como decorrência possível acaso identificada concretamente a irregularidade, esta Corte Eleitoral já se manifestou sobre a existência de vício na instituição da anistia, tendo reconhecido, à unanimidade, a inconstitucionalidade do dispositivo legal em comento, consoante ementa que transcrevo no ponto que interessa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. (...) (Grifo nosso)

[...]

(TRE/RS, Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, RE n. 35-92.2016.6.21.0005, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS de 23.08.2019.) (Grifou-se.)

Pelas razões acima elencadas, o art. 55-D da Lei n. 9.096/95 é inconstitucional, por instituir hipótese de incidência destoante das normas extraídas da Constituição Federal, devendo ser afastada sua aplicação no caso concreto.

Assim, declaro incidentalmente a inconstitucionalidade do dispositivo.

2. Mérito

Passando ao exame do mérito, consigno que a decisão a quo desaprovou as contas relativas ao exercício de 2017 do DIRETÓRIO MUNICIPAL do MDB de PORTO ALEGRE, por considerar duas irregularidades, no valor total de 21.275,00, acrescido de multa de 20%, sendo que:

a) identificou o recebimento de recursos de origem não identificada, no montante de R$ 6.975,00; e

b) verificou o aporte de receita oriunda de fonte vedada, na quantia de R$ 14.300,00.

Passo, então, a enfrentar individualmente os apontamentos.

2.1. Do recebimento de recursos de origem não identificada

No parecer conclusivo, a unidade técnica apontou irregularidade, consistente na existência de recursos de origem não identificada mediante depósito na conta bancária da agremiação (ID 4629483 – fls. 117-126). Vejamos:

[…] 3.2) Receitas sem identificação no extrato bancário: com base nos extratos bancários foram observados recursos de origem não identificada na conta-correte 62277000.6, agência 100 – Banco Banrisul e conta-corrente 1787, agência 432 – Caixa Econômica Federal, no montante de R$ 27.412,00.

Posteriormente, após consulta aos extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE, houve retificação do parecer conclusivo (ID 4629483 – fls. 132-139), reduzindo de R$ 27.412,00 para R$ 6.975,00 o valor total tido como de origem não identificada, por falta de esclarecimentos em relação a dois valores, de R$ 4.500,00 e de R$ 2.475,00:

A legislação eleitoral estabelece que as doações ou contribuições somente podem ser depositadas na conta bancária do partido com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e, se realizadas por diferentes níveis de órgãos partidários, com a individualização do doador originário, com CNPJ, no caso de recursos provenientes de outro partido ou de candidatos.

Nesse sentido é a previsão contida nos arts. 5º, inc. IV, 7º, 8º, § 2º, e 11, inc. III, da Resolução TSE n. 23.464/15. Vejamos:

Art. 5º Constituem receitas dos partidos políticos:

[…]

IV – doações de pessoas físicas e de outras agremiações partidárias, destinadas ao financiamento de campanhas eleitorais e das despesas ordinárias do partido, com a identificação do doador originário;

Art. 7.º As contas bancárias somente poderão receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido ou de candidatos. […]

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

§1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político (Lei nº 9.096/95, art. 39, § 3º).

§2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deve ser realizado nas contas "Doações para Campanha" ou "Outros Recursos", conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, sejam obrigatoriamente identificados.

Art. 11. Os órgãos partidários de qualquer esfera devem emitir, no prazo máximo de três dias contados do crédito na conta bancária, recibo de doação para:

[…]

III – as transferências financeiras ou estimáveis em dinheiros realizados entre níveis de direção partidária do mesmo partido político, com a identificação do doador originário;

Embora o recorrente tenha alegado que as operações bancárias ocorreram para o pagamento do salário dos funcionários, não trouxe aos autos documentação que comprove suas explicações.

Ademais, sustenta haver uma “correlação” na origem dos recursos. Entretanto, o exame do órgão técnico não a comprovou, verbis: (…) esta unidade técnica já tentou efetuar essa “correlação” mas restou prejudicada em virtude da falta de informação dos doadores” (ID 4629483 – fl. 183).

Consequentemente, não merece acolhida a insurgência do recorrente, porquanto não reconhecida a procedência da captação dos valores constantes na conta bancária da grei, permanecendo a falha de ausência de identificação dos doadores nos extratos e, via de consequência, restando caracterizadas as contribuições como de origem não identificada.

Logo, malgrado a agremiação tenha sustentado a aplicação do princípio da verdade real no processo eleitoral ao caso em tela, não cabe afastar a irregularidade para acatar a tese defensiva, haja vista que a prestação de contas é regida pelo princípio da transparência, não se podendo conceber um juízo de aprovação quando pairarem dúvidas quanto às receitas e despesas e à correta arrecadação e aplicação de recursos.

Dessa maneira, tal como bem referido pelo douto Procurador Regional Eleitoral, “sendo a prestação de contas regida pelo princípio da transparência, isto é, da máxima publicidade, não pode ser aprovada quando restarem dúvidas acerca da contabilização de todas as receitas e despesas, bem como da correta arrecadação e aplicação de recursos.”

Portanto, a hipótese dos autos configura o recebimento de recursos de origem não identificada, enquadrando-se na previsão contida no art. 13, parágrafo único, inc. I, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 13. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

Parágrafo único. Constituem recursos de origem não identificada aqueles em que:

I – o nome ou a razão social, conforme o caso, ou a inscrição no CPF do doador ou contribuinte, ou no CNPJ, em se tratando de partidos políticos ou candidatos:

a)não tenham sido informados; ou

b) se informados, sejam inválidos, inexistentes, nulos, cancelados ou, por qualquer outra razão, não sejam identificados;

II – não haja correspondência entre o nome ou a razão social e a inscrição no CPF ou CNPJ informado; e

III – o bem estimável em dinheiro que tenha sido doado ou cedido temporariamente não pertença ao patrimônio do doador ou, quando se tratar de serviços, não sejam produtos da sua atividade.

Somado a isso, conforme previsão do art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15, a utilização de recursos de origem não identificada constitui irregularidade grave, cuja consequência é a desaprovação das contas:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta Resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

[...]

§ 3º O não recolhimento dos recursos no prazo estabelecido neste artigo ou a sua utilização constitui irregularidade grave a ser apreciada no julgamento das contas.

Desse modo, constatado o recebimento de recursos de origem não identificada, no total de R$ 6.975,00 (seis mil, novecentos e setenta e cinco reais).

2.2. Do recebimento de recursos de fonte vedada

De acordo com o exame das contas, confirmado pela sentença vergastada, foram recebidas, no exercício financeiro de 2017, receitas identificadas nos extratos bancários como oriundas de autoridades ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, no valor total de R$ 14.300,00.

No ponto, ficou consignado na sentença o reconhecimento das doações para a agremiação como provenientes de fonte vedadas, sem atribuição de efeito suspensivo quanto às inovações legislativas trazidas pela Lei n. 13.488/17.

A agremiação sustenta serem as doações advindas de filiados ao partido. Entretanto, a própria unidade técnica reconhece a existência dessa filiação, como se pode observar no quadro nominal por ela elaborado (ID 4629483 - fls. 126 e 135).

Outrossim, o recorrente afirma que não houve dolo ou má-fé no recebimento dos valores. No entanto, nesse ponto, cumpre dizer que, diante do regime jurídico aplicável, não cabe indagar o caráter de liberalidade da doação ou qualquer outra circunstância de cunho subjetivo em relação ao ingresso das aludidas receitas, uma vez que a regra proibitiva incide objetivamente, bastando a ocorrência do aporte dos recursos.

Desse modo, com acerto a decisão a quo também em relação à análise das contribuições de fontes vedadas, pelos fundamentos que passo a expor.

É incontroverso que os cargos comissionados ocupados pelos doadores ao tempo das liberalidades inserem-se no conceito de autoridade pública previsto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, com a redação vigente ao tempo dos fatos, conforme regulamentação insculpida no art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

IV– autoridades públicas.

[…]

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta. (Grifei.)

De fato, o originário art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, coibia aos partidos o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

Tal entendimento foi solidificado na Resolução TSE n. 23.464/15, cujas disposições disciplinam o exercício financeiro de 2017:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

[…]

Ainda, quanto à aplicação retroativa das disposições previstas pela Lei n. 13.488/17, é pacífico o entendimento de que as prestações de contas são regidas pela lei vigente à época dos fatos – tempus regit actum, em prol, resumidamente, dos princípios da isonomia e da segurança jurídica.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. DIRETÓRIO ESTADUAL DE PARTIDO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXECUÇÕES. INVIÁVEL O PARCELAMENTO MEDIANTE DESCONTOS DOS REPASSES DO FUNDO PARTIDÁRIO. POSSIBILIDADE COM RECURSOS PRÓPRIOS. ART. 44 DA LEI 9.096/95. RESOLUÇÃO TSE N. 21.841/04. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012.

1. As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15 ao art. 37 da Lei 9.096/95 não se aplicam às prestações de contas partidárias de exercícios anteriores. A nova redação dada retirou a suspensão de quotas do Fundo Partidário e estabeleceu exclusivamente a imposição de multa de até 20% sobre o valor a ser recolhido. Tratando-se de prestação de contas do exercício financeiro de 2012, devem ser observadas as normas de direito material previstas na Resolução TSE n. 21.841/04.

2. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17, in casu, por ser processo de exercício anterior a sua vigência. Obediência aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

3. Agremiação condenada a recolher valores ao Fundo Partidário e ao Tesouro Nacional. Possibilidade de parcelamento. Vedado o uso de recursos do Fundo Partidário na medida em que o art. 44 da lei 9.096/95 prevê hipóteses taxativas de sua aplicação.

4. Negado provimento. (TRE-RS, PC n. 6380, Acórdão de 31.01.2018, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS.)

No caso específico dos autos, observa-se que as contribuições foram repassadas ao partido no período entre janeiro e dezembro de 2017 por pessoas filiadas à agremiação e ocupantes de cargos de chefia e direção na administração pública de Porto Alegre, dentre os quais diretor e chefe, consoante se pode observar pelo quadro elaborado pela unidade técnica, abaixo:

As contribuições decorrentes de fontes vedadas comporiam o valor total de R$ 14.300,00, de acordo com o quadro nominal da ID 4629483 (fls. 126 e 135). Entretanto, pela análise do quadro, percebe-se que a maioria das contribuições foram efetivadas a partir de 06.10.2017 e, portanto, estariam abrangidas pelas disposições da Lei n. 13.488/17.

Explica-se.

A Lei n. 13.488/17 entrou em vigor no dia 06.10.2017, revogando a vedação absoluta de doações advindas de autoridades públicas ao acrescentar o inc. V ao art. 31 da Lei n. 9.096/95, com a seguinte redação:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei n. 13.488, de 2017)

Dessarte, em relação ao exercício financeiro em exame, há um duplo tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na administração pública, em decorrência da sucessão legislativa.

Relativamente às contribuições anteriores ao dia 06.10.2017, deve ser observada a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedavam as contribuições, ainda que provenientes de filiados a partidos políticos.

Contudo, se realizadas a partir de 06.10.2017, cumpre aplicar o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 em sua nova redação, que ressalva a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados a partidos políticos. Com esse entendimento os seguintes precedentes deste TRE:

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA A PRELIMINAR DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. MÉRITO. RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES. IRREGULARIDADES QUE SOMAM O PERCENTUAL DE 9,86% DAS RECEITAS AUFERIDAS PELA GREI NO EXERCÍCIO FINANCEIRO EM ANÁLISE, POSSIBILITANDO O JUÍZO DE APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADAS AS PENALIDADES DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DE MULTA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas. É vedado aos partidos políticos receber doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, quando ostentarem a condição de autoridades.

2. Inviável reconhecer a aduzida inconstitucionalidade do art. 65, inc. III, da Resolução TSE n. 23.546/17 por mostrar-se incompatível com o art. 60, § 4º, inc. III, da Constituição Federal. Embora o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 13.488/17, considere regular as doações realizadas por autoridades públicas com vínculo partidário, essa regra alcança, tão somente, as doações efetuadas após a data da sua publicação, qual seja, 06.10.2017, não sendo aplicável a todo o exercício financeiro de 2017. Incidência da legislação vigente à época em que efetivadas as doações por autoridades públicas.

3. Irregularidades que somam o percentual de 9,86% da totalidade das receitas arrecadadas pela agremiação no exercício financeiro em análise, possibilitando o juízo de aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral, igualmente adotada no âmbito deste Tribunal.

4. Redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional e afastadas as penalidades de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário e de multa.

5. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, RE n. 1526, Rel. Desa. Marilene Bonzanini, DEJERS 17.5.2019.) (Grifei.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTE VEDADA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 31, INC. II, DA LEI N. 9.096/95. REJEITADA. IRRETROATIVIDADE DAS DISPOSIÇÕES DA LEI N. 13.488/17. DUPLO TRATAMENTO JURÍDICO DAS DOAÇÕES DE PESSOAS FÍSICAS DETENTORAS DE CARGOS DE CHEFIA E DIREÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO ENTRE DETENTORES DE MANDATO ELETIVO E OCUPANTES DE CARGOS DE CHEFIA OU DIREÇÃO. RETIFICADA A QUANTIA A SER RECOLHIDA AO TESOURO NACIONAL. REDUZIDOS O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO E O PERCENTUAL DA MULTA APLICADA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Alegada inconstitucionalidade do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em sua redação original. Os dispositivos constantes em leis ordinárias possuem presunção de constitucionalidade até manifestação do Poder Judiciário em sentido contrário, seja em sede de controle difuso, seja em controle concentrado. Na hipótese, a norma, editada nas linhas do devido processo legislativo, ostenta presunção de constitucionalidade, devendo ser preservada e aplicada em todos os seus efeitos desde a sua vigência.

2. Identificado o recebimento de doações de recursos financeiros de ocupantes de funções de direção e chefia. No caso dos autos, aplicado duplo tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na administração pública, em decorrência da sucessão legislativa. Em relação às contribuições anteriores ao dia 06.10.2017, devem ser observadas a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos e as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedavam as contribuições provenientes de autoridades, independentemente de serem ou não filiados ao partido donatário. Contudo, em relação às doações realizadas a partir daquela data, cumpre aplicar a nova redação, que ressalta a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados.

3. Esta Corte assentou entendimento pela impossibilidade de equiparação entre os detentores de mandatos políticos e os ocupantes de cargos comissionados de chefia ou direção, uma vez que somente estes últimos podem figurar como instrumento do aparelhamento financeiro dos partidos, sendo taxativamente considerados fonte proscrita de receita pela norma eleitoral.

4. Irregularidade que representa 36,5% do total de recursos arrecadados no exercício, não sendo aplicáveis os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.

5. Penalidades. Mantida a desaprovação das contas. Retificada a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional. Reduzidos o período de suspensão das quotas do Fundo Partidário para 4 meses e a multa a ser aplicada para o índice de 7% da quantia irregular.

6. Provimento parcial.

(TRE-RS, RE n. 2368, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DEJERS 17.5.2019.) (Grifei.)

Logo, de todas as contribuições indicadas no quadro nominal, podem ser consideradas irregulares, porque provenientes de fontes vedadas, apenas aquelas indicadas nas datas de 06.6.2017, 01.8.2017 e 04.9.2017, nos valores, respectivamente, de R$ 450,00, R$ 250,00 e R$ 250,00, no total de R$ 950,00, efetuadas por Fernando Fraga Mendes Ribeiro.

Ressalta-se que todas as demais contribuições apontadas no quadro nominal (ID 4629483 – fls. 126 e 135) ocorreram a partir de 06.10.2017. Assim, cumpre aplicar o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, em sua nova redação, de forma a reconhecer a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados a partidos políticos, na quantia de R$ 13.350,00, que deve ser abatida do total indicado como de fonte vedada no montante de R$ 14.300,00, sendo devido apenas o valor de R$ 950,00, oriundo de doações irregulares para a agremiação.

Assim, diante de todo o exposto, em relação às duas irregularidades caracterizadas (R$ 950,00 de fontes vedadas e R$ 6.975,00 de origem não identificada), tem-se o montante irregularmente recebido em R$ 7.925,00 (sete mil, novecentos e vinte e cinco reais), representando 5,16% da receita arrecadada no exercício financeiro, de R$ 153.461,75 (fl. 138).

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admite a superação de falhas nas contas quando seu valor, em números absolutos, atinge pequena monta, ou, alternativamente, alcança percentual inferior a 10% da arrecadação ou dos gastos de campanha eleitoral. Para se aferir o caráter ínfimo ou irrisório das irregularidades, usa-se o valor de que trata o art. 27 da Lei n. 9.504/97 (1.000 UFIR ou RS 1.064,10).

In casu, há a possibilidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que tal valor representa 5,16% do somatório de recursos arrecadados, quantia que, proporcionalmente, admite a superação de irregularidades nas contas, por não ostentar gravame capaz de maculá-las.

Assim, pela jurisprudência, por não perfazer percentual apto a prejudicar a transparência e a confiabilidade das contas, cabe conduzir à aprovação da contabilidade com ressalvas, mantendo-se, todavia, a necessidade do recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

3. Sanções: do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional acrescido de multa

Diante do recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas e de origem não identificada, tem-se que, nos termos do art. 37 da Lei n. 9.096/95, bem como dos arts. 14, § 1º, e 49, ambos da Resolução TSE n. 23.464/15, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional acrescidos de até 20%, in verbis:

Art. 37.  A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento). (art. 37 da Lei n. 9.9096/1995 com a redação dada pela Lei n. 13.165, de 2015)

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput deste artigo também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Art. 49.  A desaprovação das contas do partido implicará a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento) (Lei nº 9.096/95, art. 37).

Assim, considerando que o juízo a quo desaprovou as contas do recorrente, a aplicação da multa foi fixada como decorrência lógica da decisão, no patamar de 20%, grau máximo de penalidade.

In casu, trata-se de irregularidade no valor total de R$ 7.925,00 (sete mil, novecentos e vinte e cinco reais) e que representa 5,16% do total da receita arrecadada no exercício financeiro (R$ 153.461,75 – fl. 138), de modo que as contas devem ser aprovadas com ressalvas, com a determinação de recolhimento da quantia apontada como irregular, porém, sem a imposição da multa.

Pelas razões acima elencadas na preliminar, o art. 55-D da Lei n. 9.096/95 é inconstitucional, por instituir hipótese de incidência destoante das normas extraídas da Constituição Federal, devendo ser afastada sua aplicação no caso concreto. Assim, não há falar em anistia.

ANTE O EXPOSTO, declaro, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. No mérito, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas do exercício financeiro de 2017 do DIRETÓRIO MUNICIPAL do  MDB de PORTO ALEGRE e determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 7.925,00 (sete mil, novecentos e vinte e cinco reais), nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhora Presidente.