RE - 1764 - Sessão: 20/04/2020 às 14:00

Parabenizando o ilustre Relator, acompanho integralmente o exaustivo e criterioso Voto, destacando as judiciosas razões que fundamentam a declaração incidental de inconstitucionalidade dos arts. 55-A e 55-C da Lei n. 9.096/95, introduzidos pela Lei n. 13.831/19, que anistiam partidos que não investiram sequer 5% dos recursos do Fundo Partidário para promoção da participação política feminina.

A exigência de um percentual mínimo de investimento insere-se numa política de ação afirmativa, que tem o objetivo de reduzir a histórica desigualdade de gênero e o papel subalterno que se tem relegado à mulher na política, muito embora represente mais da metade do eleitorado nacional.

O alcance da igualdade de gênero na política tem conquistado importantes instrumentos, dentre os quais figura a previsão do art. 44, inc. V, da Lei n. 9.096/95, cabendo mencionar, ainda, a recente decisão do STF, no julgamento da ADI 5617, em 15.03.2018, que equiparou o patamar legal mínimo de candidaturas femininas ao mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes serem destinados para eleições majoritárias e proporcionais.

Por outro lado, a combinação dos arts. 55-A e 55-C da Lei n. 9.096/95 resulta na impossibilidade de desaprovação das contas partidárias por descumprimento da aplicação de recursos prevista no mencionado art. 44, inc. V, da mesma Lei nos exercícios anteriores a 2019.

Não se pode ignorar a insuficiente democracia interna, o quadro de misoginia e a cultura de afastamento da mulher das decisões centrais que percebemos na maioria dos diretórios partidários, do que resulta na reiterada inobservância do fomento à participação feminina, ainda que sujeitando as siglas à desaprovação de suas contas, dentre outras sanções.

Em minha trajetória neste Tribunal tenho me debatido acerca da importância desse tema, pedindo vênia para mencionar julgados de minha relatoria que bem exemplificam o ponto:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO NO PERÍODO EM QUE A GREI ESTAVA CUMPRINDO PENA DE SUSPENSÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTES VEDADAS. LICITUDE DAS CONTRIBUIÇÕES ORIUNDAS DE DETENTORES DE MANDATO ELETIVO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESTINAÇÃO OBRIGATÓRIA DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE PROGRAMAS DE PROMOÇÃO E DIFUSÃO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES. SUSPENSÃO DO REPASSE DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS DESAPROVADAS.

(…).

 

4. Ausência de comprovação de gasto mínimo de 5% dos recursos recebidos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas para promover e difundir a participação política das mulheres. Providência que não poderia ser atendida somente pelo Diretório Nacional, conforme alegam os prestadores em sua defesa, pois em todos os âmbitos de sua atuação o partido deve efetuar o referido investimento, conforme expressa dicção do art. 22 da Resolução TSE n. 23.432/14.

(…).

 

6. Desaprovação.

(PC 55-98.2016.6.21.0000, sessão de 17.10.2018)

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. FUNDO PARTIDÁRIO. DESPESA NÃO COMPROVADA. APLICAÇÃO DE RECURSO EM PROGRAMA DE INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. NÃO REALIZADO. RECEBIMENTO DE RECURSO. FONTE VEDADA. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. SUSPENSÃO QUOTAS FUNDO PARTIDÁRIO.

(…).

 

3. Não houve a comprovação da aplicação do percentual mínimo de recursos do Fundo Partidário em programas de promoção e difusão da participação feminina na política. Inobservância do art. 44, inc. V, c/c § 5º, da Lei n. 9.096/95 e art. 22 da Resolução TSE n. 23.432/14.

 

4. Recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional. Suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de dois meses.

Desaprovação.

(PC 76-74.2016.6.21.0000, sessão de 05.09.2017)

Por certo, no panorama político e cultural brasileiro, no qual os programas para a igualdade de gênero ainda estão em incipiente fase de construção, a presente anistia represente um grave estímulo ao descumprimento da norma e um duro golpe ao papel pedagógico e simbólico das citadas medidas legais e jurisdicionais na mudança da mentalidade social em relação ao papel mulher no exercício do poder.

Assim, como bem acentuado, tanto no ilustrado parecer da Procuradoria Eleitoral quanto no brilhante voto do Relator, não se pode retroceder na promoção da igualdade de gênero, pois a democracia representativa somente será realizada quando as mulheres participarem, de forma concreta e com igualdade de oportunidades, dos cargos e das decisões políticas que guiam nosso país.

É com orgulho, pois, em poder chancelar e ratificar decisão que pugna por valorizar a criação e manutenção de programas promovendo e difundindo a participação das mulheres na política, com a obrigatoriedade anual de os partidos, em todas as instâncias, aplicarem o percentual mínimo de 5% dos recursos do Fundo Partidário afeto a essa finalidade, e que a mesmo tempo afasta alterações legislativas espúrias, imorais e flagrantemente inconstitucionais para que se isentem os partidos dessa responsabilidade, é que acompanho integralmente o voto do E. Relator em seu erudito voto.

 

Demais julgadores de acordo com o Relator.