Pet - 0600040-41.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/04/2020 às 14:00

VOTO

Ressalto que determinei a remessa dos autos à douta Procuradoria Regional Eleitoral para parecer, diante da relevância do tema, com reflexos nos registros de candidaturas do pleito 2020, ainda que, regimentalmente, não haja previsão específica de participação ministerial nos agravos internos.

O recurso é tempestivo e merece conhecimento.

A discussão travada nestes autos está relacionada à eficácia (ex tunc ou ex nunc) das decisões que reconhecem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Especificamente, cuida-se de examinar os efeitos em relação às condenações à sanção de suspensão de registro dos diretórios municipais ou regionais, que transitaram em julgado antes da concessão da medida cautelar exarada nos autos da ADI 6.032 em 20.5.2019, posteriormente referendada por decisão emanada do Plenário da Suprema Corte.

O tema é controvertido e diz respeito à executoriedade de decisão judicial, transitada em julgado, que contraria entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal quanto à constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou de interpretação, ou seja, a chamada coisa julgada inconstitucional. Deveras, em que pese à regra da imutabilidade dos efeitos da coisa julgada, ela é passível de revisão quando a Suprema Corte verificar ofensa ao texto constitucional.

Após refletir de forma mais verticalizada sobre o tema, tenho que a decisão por mim anteriormente proferida merece reforma, consoante adiante demonstrarei.

Inicialmente, sintetizo a controvérsia jurídica posta nos autos.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.032, de Relatoria do Min. Gilmar Mendes, em 05.12.2019, assim se manifestou:

Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, conheceu da ação direta, vencido parcialmente o Ministro Roberto Barroso, que dela conhecia em menor parte e, por unanimidade, converteu o julgamento do referendo em medida cautelar em julgamento definitivo de mérito. Na sequência, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido para conferir interpretação conforme a Constituição às normas do art. 47, ‘caput’ e § 2º, da Res./TSE 23.432/2014; do art. 48, ‘caput’ e § 2º, da Res./TSE 23.546/2017; e do art. 42, ‘caput’, da Res./TSE 23.571/2018, afastando qualquer interpretação que permita que a sanção de suspensão do registro ou anotação do órgão partidário regional ou municipal seja aplicada de forma automática, como consequência da decisão que julga as contas não prestadas, assegurando que tal penalidade somente pode ser aplicada após decisão, com trânsito em julgado, decorrente de procedimento específico de suspensão de registro, conforme o art. 28 da Lei 9.096/1995, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia, que julgavam improcedente a ação, e o Ministro Roberto Barroso, que, na parte conhecida, também julgava-a improcedente. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 05.12.2019. (Grifo nosso)

Transcrevo os dispositivos legais que receberam interpretação conforme do Supremo Tribunal Federal, de modo a afastar qualquer entendimento que possa conduzir à suspensão automática da anotação do registro, sem o devido procedimento específico previsto no art. 28 da Lei n. 9.096/95:

Resolução TSE n. 23.432/14

Art. 47. A falta de prestação de contas implica a proibição de recebimento de recursos oriundos do partidário, enquanto não for regularizada a situação do partido político.

[…]

§ 2º Julgadas não prestadas as contas dos órgãos regionais, municipais ou zonais, serão eles e os seus responsáveis considerados, para todos os efeitos, inadimplentes perante a Justiça Eleitoral e o registro ou anotação dos seus órgãos de direção e ficará suspenso até a regularização da sua situação.

Resolução TSE n. 23.546/17

Art. 48. A falta de prestação de contas implica a proibição de recebimento de recursos oriundos do Fundo Partidário, enquanto não for regularizada a situação do partido político.

§ 2º O órgão partidário, de qualquer esfera, que tiver as suas contas julgadas como não prestadas fica obrigado a devolver integralmente todos os recursos provenientes do Fundo Partidário que lhe forem entregues, distribuídos ou repassados, bem como terá suspenso o registro ou a anotação, no caso de órgão de direção estadual ou municipal.

Resolução TSE n. 23.571/18

Art. 42. Será suspenso o registro ou a anotação do órgão de direção estadual ou municipal que tiver suas contas partidárias julgadas como não prestadas, devendo o órgão ser inativado e novas anotações indeferidas até que seja regularizada a situação. (grifo nosso).

Esses dispositivos resultam da atividade normativa do Tribunal Superior Eleitoral, que inaugurou no sistema jurídico eleitoral, repita-se, exclusivamente por meio de Resoluções, a possibilidade de suspensão do registro do órgão partidário, em nível estadual ou municipal, como sanção decorrente de contas julgadas como não prestadas pela Justiça Eleitoral.

Isso porque a Lei dos Partidos Políticos dispôs sobre o cancelamento (natureza jurídica diversa da suspensão) do registro civil do estatuto dos órgãos nacionais apenas após decisão com trânsito em julgado, conforme se depreende do art. 28 da Lei n. 9.096/95, verbis:

Art. 28. O Tribunal Superior Eleitoral, após trânsito em julgado de decisão, determina o cancelamento do registro civil e do estatuto do partido contra o qual fique provado:

[…]

III - não ter prestado, nos termos desta Lei, as devidas contas à Justiça Eleitoral;

[…]

§ 1º A decisão judicial a que se refere este artigo deve ser precedida de processo regular, que assegure ampla defesa.

§ 2º O processo de cancelamento é iniciado pelo Tribunal à vista de denúncia de qualquer eleitor, de representante de partido, ou de representação do Procurador-Geral Eleitoral. (grifo nosso)

Dessa forma, a Justiça Eleitoral, por força das suas Resoluções, vinha sancionando os órgãos municipais e regionais com a suspensão da anotação dos seus registros, como decorrência do julgamento das contas como não prestadas.

Na ADI n. 6.032, o Supremo Tribunal Federal assentou apenas ser possível impor a sanção de suspensão do registro dos órgãos regionais ou municipais se observado o procedimento específico previsto no art. 28 da Lei n. 9.096/95, ou seja, após o trânsito em julgado de decisão judicial precedida de processo regular, em que se assegure a ampla defesa e o contraditório. Oportuno esclarecer que até o momento inexiste esse procedimento, seja como produto de ato legislativo em sentido formal, seja por meio de ato normativo.

Então, em síntese: todas, absolutamente todas, as decisões judiciais que transitaram em julgado antes ou depois da decisão do Supremo Tribunal Federal não observaram procedimento específico à incidência da suspensão do órgão. A controvérsia está em definir se a decisão da ADI n. 6.032 tem efeito automático e retroativo em relação aos processos que sancionaram os partidos com a suspensão do registro antes da medida cautelar deferida em 20.5.2019 ou se, diversamente, deve prevalecer a coisa julgada, a despeito de ter sido formada com base em lei ou ato considerado inconstitucional.

Cuida-se, assim, de fixar se os efeitos da ADI são ex tunc ou ex nunc.

No ponto, a matéria reveste-se de complexidade, pois há divisão doutrinária e jurisprudencial em duas teses: a) aqueles que, inspirados pelo sistema tradicional americano, defendem a retroatividade em face de todas as situações jurídicas constituídas com fulcro na lei ou ato normativo considerado inconstitucional (ex tunc). O controle de constitucionalidade estaria no plano da validade; b) aqueles que, orientados pelo sistema alemão de controle da constitucionalidade, sustentam a prevalência da coisa julgada até o momento do reconhecimento da inconstitucionalidade (ex nunc). Para estes, o controle de constitucionalidade atuaria no plano da eficácia.

Como defensor da primeira corrente, confira-se os ensinamentos sempre didáticos do doutrinador e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso:

Como consignado em tópicos anteriores, a questão da constitucionalidade das leis situa-se no plano de validade dos atos jurídicos: lei inconstitucional é lei nula. Dessa premissa teórica resultam duas consequências práticas importantes.

A primeira: a decisão que reconhece a inconstitucionalidade limita-se a constatar uma situação preexistente, estabelecendo acerca dela uma certeza jurídica. Sua natureza, portanto, é declaratória.

A segunda: sendo o vício de inconstitucionalidade, como regra, congênito à lei, os efeitos da decisão que o pronuncia retroagem ao momento de seu ingresso no mundo jurídico, isto é, são ex tunc. (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 160.)

Inconstitucionalidade da norma equivale ao reconhecimento de uma situação preexistente (natureza declaratória) de nulidade.

A regra, no controle abstrato de constitucionalidade brasileiro, é o reconhecimento da nulidade da norma inconstitucional, com eficácia ex tunc, ressalvadas as hipóteses de modulação dos efeitos previstas no art. 27 da Lei n. 9.868/99.

No caso concreto, não houve modulação de efeitos pelo Supremo Tribunal Federal. Nessas situações, verifiquei que, em decisão recente da Primeira Turma e em precedente de 2012 do Pleno, ambos do STF, a posição sufragada foi essa: se não houver modulação de efeitos, aplica-se a decisão de forma retroativa, de modo a desconstituir a coisa julgada formada sob a égide da lei considerada inconstitucional:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. CONCURSO PÚBLICO PARA CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS OU SERVIDORES PÚBLICOS. OBRIGATORIEDADE. PRECEDENTES. DISPOSITIVOS DA LEI 9.868/1999. ADI 1717-6. EFEITOS EX TUNC.

1. O órgão julgador pode receber, como agravo interno, os embargos de declaração que notoriamente visam a reformar a decisão monocrática do Relator, sendo desnecessária a intimação do embargante para complementar suas razões quando o recurso, desde logo, exibir impugnação específica a todos os pontos da decisão embargada. Inteligência do art. 1.024, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015.

2. O Juízo de origem não divergiu da jurisprudência desta CORTE firmada no sentido de que os conselhos de fiscalização profissional estão submetidos aos preceitos do artigo 37, II, da Constituição Federal, sendo necessária a realização de concurso público para contratação de servidores ou empregados públicos.

3. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei 9.868/1999, analisados na ADI 1717-6 são ex tunc, uma vez que não houve ressalva quanto à modulação de efeitos por parte desta CORTE.

4. Embargos de Declaração recebidos como Agravo Interno, ao qual se nega provimento.

(STF - RE 1112332 ED, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 18/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-111 DIVULG 05-06-2018 PUBLIC 06-06-2018) (grifo nosso)

 

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE QUALQUER DOS VÍCIOS PREVISTOS NO ART. 535 DO CPC. REJEIÇÃO. EFEITOS REFERENTES À DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. REGRA. EX TUNC. EXCEÇÃO. EFEITOS PROSPECTIVOS.

1. O inconformismo, que tem como real escopo a pretensão de reformar o decisum, não há como prosperar, porquanto inocorrentes as hipóteses de omissão, contradição, obscuridade ou erro material, sendo inviável a revisão em sede de embargos de declaração, em face dos estreitos limites do art. 535 do CPC.

2. In casu, conforme se extrai da leitura do voto condutor, o constituinte estadual “estabelece uma nova forma de anistia, mais ampla e abrangente que aquela prevista na Constituição Federal”, e ainda, “Por isso mesmo, em se tratando de indenização por atos de exceção, vale somente as regras estritas dos arts. 8º e 9º do ADCT, sem possibilidade de ampliação do benefício.”

3. A regra referente à decisão proferida em sede de controle concentrado é de que possua efeitos ex tunc, retirando o ato normativo do ordenamento jurídico desde o seu nascimento.

4. A Lei nº 9.868/99, pelo seu art. 27, permite ao Supremo Tribunal Federal, modular efeitos das decisões proferidas nos processos objetivos de controle de constitucionalidade, in verbis:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

5. Embargos de declaração rejeitados.

(STF - ADI 2639 ED, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 20/10/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-068 DIVULG 03-04-2012 PUBLIC 09-04-2012) (grifo nosso)

Entretanto, há posição contrária a esse entendimento, no sentido de que a lei inconstitucional não é nula ab initio, tendo por fundamento teórico a matriz alemã de controle de constitucionalidade. Equipara-se à defesa da anulabilidade da lei inconstitucional, temperamento feito em razão da segurança jurídica.

Essa é a linha de entendimento esposada no parecer da lavra da douta Procuradoria Regional Eleitoral, ao consignar ser “pacífica a jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura de ação autônoma de impugnação (ação rescisória) observado seu prazo decadencial.”

Sustenta que esse entendimento jurisprudencial está em consonância com o pensamento de doutrinadores de escol, como José Joaquim Gomes Canotilho e Uadi Lammêgo Bulos.

De fato, os precedentes do Supremo Tribunal Federal, de relatoria do sempre saudoso Ministro Teori Zavascki, orientam-se nesse sentido, qual seja, de limitar a executoriedade de sentenças inconstitucionais transitadas em julgado, sendo objeto do tema 733 da sistemática da repercussão geral, originário do julgamento do RE n. 730.462, que estabelece a necessidade de ajuizamento de ação rescisória para desconstituir sentença transitada em julgado antes da decisão em ADI:

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE PRECEITO NORMATIVO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EFICÁCIA NORMATIVA E EFICÁCIA EXECUTIVA DA DECISÃO: DISTINÇÕES. INEXISTÊNCIA DE EFEITOS AUTOMÁTICOS SOBRE AS SENTENÇAS JUDICIAIS ANTERIORMENTE PROFERIDAS EM SENTIDO CONTRÁRIO. INDISPENSABILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO OU PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA PARA SUA REFORMA OU DESFAZIMENTO.

1. A sentença do Supremo Tribunal Federal que afirma a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo gera, no plano do ordenamento jurídico, a consequência (= eficácia normativa) de manter ou excluir a referida norma do sistema de direito.

2. Dessa sentença decorre também o efeito vinculante, consistente em atribuir ao julgado uma qualificada força impositiva e obrigatória em relação a supervenientes atos administrativos ou judiciais (= eficácia executiva ou instrumental), que, para viabilizar-se, tem como instrumento próprio, embora não único, o da reclamação prevista no art. 102, I, “l”, da Carta Constitucional.

3. A eficácia executiva, por decorrer da sentença (e não da vigência da norma examinada), tem como termo inicial a data da publicação do acórdão do Supremo no Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999). É, consequentemente, eficácia que atinge atos administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, não os pretéritos, ainda que formados com suporte em norma posteriormente declarada inconstitucional.

4. Afirma-se, portanto, como tese de repercussão geral que a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado.

5. No caso, mais de dois anos se passaram entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto reconhecendo, incidentalmente, a constitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41 (que acrescentou o artigo 29-C na Lei 8.036/90) e a superveniente decisão do STF que, em controle concentrado, declarou a inconstitucionalidade daquele preceito normativo, a significar, portanto, que aquela sentença é insuscetível de rescisão.

6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(RE 730462 RG, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 29.05.2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-123 DIVULG 24.06.2014 PUBLIC 25.06.2014 .) (Grifo nosso)

A declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade seria dotada de duas cargas de eficácia: uma normativa, que tem o condão de manter ou excluir a norma do sistema de direito, e outra de natureza executiva, que reveste o julgado de uma qualificada força impositiva e obrigatória em relação a supervenientes atos administrativos ou judiciais.

Esse entendimento está em harmonia com o Código de Processo Civil, que distingue duas situações, conforme o trânsito em julgado seja anterior ou posterior à decisão do Supremo Tribunal Federal. Se esta for anterior à formação da coisa julgada, a questão deve ser suscitada e decidida em sede de impugnação ao cumprimento de sentença; se, ao contrário, a decisão do Supremo Tribunal Federal for posterior à formação da coisa julgada, a questão deve ser arguida e resolvida por meio de ação rescisória, com prazo contado a partir do trânsito em julgado da decisão do Supremo Tribunal Federal. Transcrevo o texto processual:

Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

[…]

§ 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:

[…]

III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

[…]

§ 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

§ 13. No caso do § 12, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, em atenção à segurança jurídica.

§ 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda.

§ 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. (grifo nosso)

Esses dispositivos do Código de Processo Civil foram considerados constitucionais pelo STF na ADI 2.418, igualmente de relatoria do Ministro Teori Zavaski.

Na espécie, a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n. 6.032 é posterior ao trânsito em julgado da sentença que suspendeu a anotação partidária, de modo que, a partir da premissa desenvolvida, caberia ação rescisória para desconstituir as condenações à suspensão da anotação do órgão partidário.

Nessa linha de intelecção, cumpre examinar quais as hipóteses de cabimento da ação rescisória na Justiça Eleitoral.

Para responder a questão, a norma fundamental vem disposta no art. 15 do CPC:

Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

Quanto à ação rescindenda, há regra expressa estabelecendo o cabimento desse instrumento apenas aos casos de inelegibilidade e de competência exclusiva do Tribunal Superior Eleitoral, como dispõe o Código Eleitoral:

Art. 22. Compete ao Tribunal Superior:

I - Processar e julgar originariamente:

[…]

j) a ação rescisória, nos casos de inelegibilidade, desde que intentada dentro de cento e vinte dias de decisão irrecorrível, possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado.

 

E, ademais, há a Súmula n. 33 do TSE:

Somente é cabível ação rescisória de decisões do Tribunal Superior Eleitoral que versem sobre a incidência de causa de inelegibilidade.

Essa linha de entendimento tem sido constantemente sufragada pela jurisprudência eleitoral, que rejeita interpretação extensiva para admitir outras situações para o cabimento da ação rescindenda (TSE, Agravo Regimental em Ação Rescisória n. 52840, Rel. Min. Luiz Fux, j. 24.03.2015 e TSE, Agravo Regimental em Ação Rescisória n. 16927, Rel. Min. José de Castro Meira, j. 06.08.2013).

Dessarte, como consequência, é possível afirmar que não cabe ação rescisória no presente caso. Então, como proceder?

Na decisão por mim proferida, e agora no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, foi feita menção de que os partidos poderiam requerer a regularização das contas julgadas não prestadas, seguindo o procedimento previsto no art. 58 da Resolução TSE n. 23.604/19, que regulamenta as finanças e contabilidades dos partidos.

O art. 58 da Resolução TSE n. 23.604/19 estabelece:

Art. 58. Transitada em julgado a decisão que julgar as contas não prestadas, os órgãos partidários podem requerer a regularização da situação de inadimplência para suspender as consequências previstas no art. 47.

 

O art. 47 da Resolução TSE n. 23.604/19 dispõe:

Art. 47. A decisão que julgar a prestação de contas não prestada acarreta ao órgão partidário:

I - a perda do direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; e

II - a suspensão do registro ou da anotação do órgão partidário, após decisão, com trânsito em julgado, precedida de processo regular que assegure ampla defesa (STF ADI nº 6.032, julgada em 5.12.2019).

Parágrafo único. O órgão partidário, de qualquer esfera, que tiver as suas contas julgadas não prestadas fica obrigado a devolver integralmente todos os recursos provenientes do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha que lhe forem entregues, distribuídos ou repassados. (Grifo nosso)

A leitura conjugada de ambos dispositivos normativos permite inferir que o TSE, no exercício de sua atividade normativa, disciplinou o procedimento previsto no art. 58 da mencionada resolução considerando decisões que tenham determinado a suspensão do registro após processo regular específico, incorporando o decidido na ADI n. 6.032.

Daí que, em juízo de retratação, próprio da atividade intelectiva, reformulo meu entendimento, para asseverar que a regularização prevista no art. 58 da Resolução TSE n. 23.604/19 destina-se a normatizar a forma como o órgão partidário deve proceder para restabelecer o direito ao recebimento das quotas do Fundo Partidário, hipótese na qual deverá recolher o equivalente às verbas que lhe foram repassadas a título de Fundo Partidário e Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Contudo, para obter a “reativação” do órgão, despiciendo exigir do partido que formule pedido de regularização ou recolha valores ao erário, na medida em que os termos da decisão contida na ADI n. 6.032 rejeitam qualquer interpretação que possa impor sanção sem o devido processo legal.

A propósito, volto a afirmar, não houve modulação de efeitos pelo Supremo Tribunal Federal, não sendo dado ao intérprete, a pretexto de “bem” cumprir a decisão, incluir requisitos ou contraprestações que não constaram do texto, que, aliás, possui caráter vinculante e obrigatório.

Seria indevida usurpação da competência da Suprema Corte e criação de óbice não previsto no texto, tarefa que extrapola o mister do intérprete, como esclarecem as palavras sempre precisas de Lenio Luiz Streck: “[...] embora a norma seja sempre o produto da atribuição de sentido a um texto, isto não significa que o intérprete – nem mesmo o Supremo Tribunal Federal – detenha o poder de atribuir qualquer sentido a um texto jurídico" (Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 7 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 318).

A questão é antecedente. Não se pode exigir que o partido regularize contas julgadas como não prestadas em que foi aplicada sanção considerada inconstitucional pelo STF. Esta a razão pela qual o TSE, acertadamente, previu procedimento próprio de regularização (art. 58 da Resolução TSE n. 23.604/19), sob a premissa de que a suspensão de órgão apenas poderá ser imposta quando precedida de processo regular, com ampla defesa e exercício do contraditório, matéria a ser disciplinada futuramente.

Assinalo que a consequência da suspensão do registro do órgão partidário é grave e resulta na impossibilidade de participação nas eleições de 2020, diante do que dispõe o art. 2º da Resolução TSE n. 23.609/19:

Art. 2º Poderá participar das eleições o partido político que, até 6 (seis) meses antes da data do pleito, tenha registrado seu estatuto no TSE e tenha, até a data da convenção, órgão de direção constituído na circunscrição, devidamente anotado no tribunal eleitoral competente, de acordo com o respectivo estatuto partidário. (grifo nosso).

Com efeito, o art. 2º, § 1º, da Resolução TSE n. 23.609/19, que trata da escolha e do registro dos candidatos às eleições de 2020, alinhado ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, estabeleceu que a suspensão da anotação do órgão partidário deve ser precedida de processo regular no qual assegurada a ampla defesa.

Ainda, cumpre ressaltar que a suspensão do registro do órgão não se confunde com a suspensão de quotas do Fundo Partidário ou com a imposição de recolhimento de verbas de origem não identificada ou recebidas de fontes vedadas.

Explico.

As decisões judiciais que julgam as contas não prestadas, até a decisão da ADI n. 6.032, tinham como consequências: a) a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário; b) a suspensão da anotação do registro do órgão partidário municipal ou regional; e c) a imposição de recolhimento de importâncias consideradas irregulares.

A ADI n. 6.032 apenas se refere à vedação de aplicação automática da suspensão da anotação do órgão, não tendo qualquer efeito relativamente à proibição de recebimento de novas quotas do Fundo Partidário e à imposição de recolhimento de verbas ao erário.

Dessa forma, aquelas agremiações que tiveram suas contas julgadas como não prestadas seguirão impedidas de receber quotas do Fundo Partidário e obrigadas a recolher valores ao erário até que providenciem a devida regularização, tenham essas decisões transitado em julgado antes ou depois da ADI n. 6.032. Essa compreensão dá plena eficácia ao preceito vertido no art. 17, inc. III, da Constituição Federal, que considera obrigação dos órgãos partidários a prestação de contas à Justiça Eleitoral.

Portanto, a “reativação” dos órgãos suspensos não significa anistia ou perdão aos partidos, como o fez a Lei n. 13.831/19, mas, tão somente, cumprimento ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado de constitucionalidade, com força vinculativa, na ADI n. 6.032.

Dessa forma, melhor refletindo acerca da matéria, considerando não ser cabível ação rescisória à hipótese, não ter havido modulação de efeitos pelo Supremo Tribunal Federal, e tendo em conta a gravidade da sanção imposta em face da salvaguarda do princípio democrático e representativo, tenho que cumpre à Justiça Eleitoral, a fim de dar efetividade ao decidido pelo STF na ADI n. 6.032, de ofício, abster-se de registrar e proceder ao levantamento da suspensão do registro de órgãos partidários municipais e regionais relativamente às decisões judiciais que transitaram em julgado antes da medida cautelar concedida nos autos da mencionada ADI.

ANTE O EXPOSTO, VOTO por dar provimento ao Agravo Interno interposto pelo Republicanos, ao efeito de determinar a “reativação” dos quarenta e cinco diretórios municipais da legenda que tiveram seus registros suspensos como decorrência automática do julgamento de suas contas como não prestadas, em decisões que transitaram em julgado antes da concessão da medida cautelar proferida na ADI n. 6.032 (20.5.2019).

Ainda, determino a extensão da presente decisão a todos os diretórios municipais e regionais, sediados no Estado do Rio Grande do Sul, que estejam com seus órgãos suspensos como consequência automática do trânsito em julgado de decisões de contas julgadas não prestadas anteriores à concessão da medida cautelar proferida na ADI n. 6.032, em 20.5.2019, devendo ser cumprida no âmbito deste Tribunal.

Comunique-se a presente decisão a todos os Juízes Eleitorais do Estado do Rio Grande do Sul, fazendo consignar expressamente que a medida aqui concedida é restrita ao levantamento da suspensão da anotação do registro do órgão partidário. As demais sanções que tenham sido aplicadas em decisões que julgaram as contas como não prestadas, como a perda do direito ao recebimento das quotas do Fundo Partidário e o recolhimento de valores ao erário, apenas poderão ser regularizadas mediante o procedimento previsto no art. 58 da Resolução TSE n. 23.604/19.

É o voto.