RC - 76867 - Sessão: 26/11/2020 às 10:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto por LEODI IRANI ALTMANN, candidato a vereador na época dos fatos, e VIVALDINA BRUNETTO DE OLIVEIRA em face da sentença do Juízo Eleitoral da 15ª Zona de Carazinho/RS, que julgou parcialmente procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva e julgar extinta a punibilidade relativamente aos crimes de boca de urna, divulgação de propaganda e arregimentação de eleitores (art. 39, § 5º, incs. II e III, da Lei n. 9.504/97), e condenar LEODI IRANI ALTMANN à pena de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão em regime semiaberto e 690 dias-multa, pelo cometimento do crime de corrupção eleitoral por 18 (dezoito) vezes (art. 299 do CE), e do crime de transporte irregular de eleitores por 3 (três) vezes (art. 11, inc. III, c/c art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/74), na forma dos arts. 69, caput, e 71 do CP, e VIVALDINA BRUNETTO DE OLIVEIRA à pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de reclusão em regime semiaberto e de 230 dias-multa, pela prática do crime de corrupção eleitoral por 6 (seis) vezes, e do crime de transporte irregular de eleitores por 1 (uma) vez.

A denúncia foi recebida em 27.11.2012 (fl. 249v.), citando-se os acusados (fls. 252v. e 253v.), que apresentaram defesa por meio de defensor legalmente constituído e requereram a absolvição sumária (fls. 254-292), a qual foi afastada (fl. 293v.).

Durante a instrução, foram ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa (fls. 316-336, 354-358, 370-371, 383-384, 489-490 e 696).

Após, sobreveio sentença que julgou procedente a denúncia (fls. 753-767v.), fixando para LEODI IRANI ALTMANN a pena de 6 anos e 9 meses de reclusão em regime semiaberto e 93 dias-multa, e para VIVALDINA BRUNETTO DE OLIVEIRA a pena de 5 anos e 9 meses de reclusão no regime semiaberto e 83 dias-multa.

A decisão foi posteriormente desconstituída por este Tribunal quando do julgamento de recurso criminal interposto pelos acusados (fls. 941-943v.), por vício de nulidade devido à falta de realização do interrogatório dos réus.

Contra o acórdão foram opostos embargos de declaração, rejeitados por esta Corte (fls. 955-956), sobrevindo a interposição de recurso especial eleitoral e agravo em recurso especial, os quais foram inadmitidos pelo Tribunal Superior Eleitoral no julgamento de agravo regimental (fl. 1.049), restando desacolhidos também os embargos de declaração opostos, e igualmente inadmitido pelo TSE o recurso extraordinário interposto contra o acórdão.

Baixado o feito à origem, os réus foram interrogados (fls. 1.238-1.239) e após foi prolatada nova sentença condenatória dando parcial procedência à denúncia para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva dos acusados e julgar extinta a sua punibilidade relativamente aos crimes do art. 39, § 5º, incs. II e III, da Lei n. 9.504/97 e, quanto aos demais crimes imputados, condenar LEODI IRANI ALTMANN à pena privativa de liberdade de 06 anos e 04 meses de reclusão e 690 dias-multa e VIVALDINA BRUNETTO DE OLIVEIRA à pena privativa de liberdade de 05 anos e 02 meses de reclusão e 230 dias-multa (1245-1252v.).

Contra a sentença o Ministério Público Eleitoral opôs embargos declaratórios acolhidos pelo juízo a quo, com atribuição de efeitos infringentes, devido à falta de intimação das partes para apresentação de alegações finais (fl. 1327).

Oportunizada a apresentação de alegações finais (fls. 1337-1347v. e 1352-1390), foi prolatada nova sentença de parcial procedência à denúncia, estabelecendo as penas dos acusados nos moldes da sentença desconstituída das fls. 1245-1252v. (fls. 1.402-1.410v.).

Na decisão, a magistrada sentenciante afastou a matéria preliminar e concluiu que a prova colhida durante a instrução, principalmente no que se refere às conversas captadas por intermédio de interceptações telefônicas, demonstra de forma inequívoca que os réus praticaram os crimes de corrupção eleitoral e de transporte irregular de eleitores, mas que era impositiva a declaração da prescrição da pretensão punitiva em relação aos crimes de boca de urna, divulgação de propaganda e arregimentação de eleitores.

Contra a sentença os réus interpuseram embargos de declaração (fls. 1.417-1.439v.), posteriormente rejeitados (fls. 1.442-1.443v.).

Na sequência, LEODI IRANI ALTMANN e VIVALDINA BRUNETTO DE OLIVEIRA interpuseram recurso criminal arguindo a prefacial de nulidade da sentença por violação ao princípio da vedação da reformatio in pejus indireta e afronta ao art. 617 do CPP, diante da impossibilidade de majoração das penas fixadas na sentença anteriormente anulada. Suscitam também as preliminares de prescrição da pretensão punitiva do crime de corrupção eleitoral prevista no art. 299 do CE, por força do prazo disposto no art. 109, inc. IV, c/c art. 119, e de nulidade da sentença por falta de intimação para apresentação de alegações finais e ausência de fundamentação, violando-se o art. 93, inc. IX, da CF. Arguem a nulidade de toda a instrução processual em virtude da ilegalidade da quebra do sigilo telefônico decretada e ponderam que o vício da prova alcança as transcrições dos diálogos interceptados e as provas derivadas, pois não observados o art. 2º, inc. II, da Lei n. 9.296/96 e o art. 5º, inc. XII, da CF. Entendem que também é nula a sentença por estar amparada única e exclusivamente nas transcrições parciais de interceptações telefônicas e na prova colhida na fase inquisitorial, tendo sido desconsiderada a prova judicializada. No mérito, defendem a inexistência de elementos capazes de caracterizar a conduta prevista no art. 299 do CE, e consideram não ter sido comprovada a presença da autoria e da materialidade do delito de transporte irregular de eleitores previsto nos arts. 5º e 11, inc. III, da Lei n. 6.091/74. Postulam o acolhimento da matéria preliminar e a absolvição com fundamento no art. 386, incs. I, II, IV e V, do CPP (fls. 1.449-1.510).

Em contrarrazões, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL concluiu pelo acolhimento da prefacial de prescrição da pretensão punitiva quanto ao crime previsto no art. 299 do CE e pela rejeição das demais preliminares. No mérito, requereu o desprovimento do recurso criminal (fls. 1.517-1.538v.).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo reconhecimento da prescrição retroativa e extinção da punibilidade dos recorrentes quanto ao delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, restando prejudicada a alegação de nulidade da sentença por violação ao princípio da ne reformatio in pejus, e pelo afastamento das demais preliminares. No mérito, opinou pelo provimento do recurso criminal no tocante à denunciada VIVALDINA BRUNETTO DE OLIVEIRA, para que seja absolvida quanto ao 3º Fato descrito na denúncia, relativo à prática de transporte irregular de eleitores, e pelo provimento parcial quanto a LEODI IRANI ALTMANN, a fim de ser mantida a sua condenação pertinente ao cometimento do delito de transporte irregular de eleitores descrito no 1º e 2º Fatos (fls. 1.541-1.554v.).

É o relatório.

VOTO

1. Preliminares

Inicialmente, passo à análise das preliminares:

a) Nulidade da sentença por falta de fundamentação

Os recorrentes alegam nulidade da sentença por ausência de fundamentação, e invocam violação ao art. 93, inc. IX, da CF. Afirmam que a sentença recorrida, com exceção do reconhecimento da pretensão punitiva do delito capitulado no art. 39, § 5º, incs. II e III, da Lei n. 9.504/97, e da majoração da pena em relação ao delito tipificado no art. 299 do CE, reproduz integralmente a sentença anterior, que foi anulada por este Tribunal, e deixou de valorar o interrogatório dos acusados.

A preliminar não merece acolhimento.

Nos termos do art. 155, caput, do CPP: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial”, e conforme bem apontado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral: “se da realização do interrogatório dos acusados não houver alteração substancial do panorama probatório, é compreensível que o Magistrado se valha de argumentos anteriores, para embasamento de sua condenação”.

Ademais, a mera reprodução de trechos de uma sentença anulada não representa ausência de fundamentação ou fundamentação deficitária se os argumentos invocados não dizem respeito à nulidade reconhecida, e sim quanto a questões que não foram alcançadas por eventuais vícios e que permanecem inalteradas no entendimento jurisdicional:

HABEAS CORPUS. NULIDADES. CONTRARIEDADE DA PROVA ACUSATÓRIA. EXISTÊNCIA DE ÁLIBE. ABSOLVIÇÃO. OITIVA. DEGRAVAÇÃO DE ÁUDIOS. IMPRESTABILIDADE PARA A CONDENAÇÃO. TEMAS SUJEITOS AO REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE EM SEDE DE PROCEDIMENTO HEROICO. DECISÃO SOBRE A ILICITUDE DA PROVA. MOMENTO DE INUTILIZAÇÃO. SENTENÇA. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE EXAURIMENTO DAS DISCUSSÕES DA CAUSA. REPRODUÇÃO DE TRECHOS DE SENTENÇA ANULADA. FUNDAMENTOS NÃO ATINGIDOS PELA DECISÃO DE ANULAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE.

(…)

4. A reprodução de trechos de uma sentença anulada não gera necessariamente nulidade se os fundamentos repetidos não dizem respeito à ilegalidade posteriormente reconhecida, mas a questões preliminares em relação às quais não foram apresentados fatos novos ou fundamentos jurídicos diversos que pudessem conduzir a uma alteração do entendimento jurisdicional já manifestado. 5. Habeas corpus denegado.(grifo nosso)

(STJ – HC n. 394151 PR 2017/0070838-8, Relatora: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 21.6.2018, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03.8.2018.) (Grifei).

Com essas considerações, rejeito a preliminar.

b) Nulidade da sentença pela ilegalidade da prova obtida por meio da interceptação telefônica

Os recorrentes alegam a imprestabilidade das provas colhidas na instrução processual, tendo em vista a ilicitude das interceptações telefônicas deferidas pelo juízo de 1º grau, em descompasso ao que preceitua o art. 2º, inc. II, da Lei n. 9.296/96 e o art. 5º, inc. XII, da CF.

Sustentam a impossibilidade de deferimento da interceptação telefônica: a) com base em denúncia anônima; b) sem a instauração de processo investigatório anterior, diante do que restou decidido pelo STF no julgamento do HC n. 10847 e pelo TRE-RS quando do julgamento do RE n. 504-27; c) sem que existissem requisitos mínimos de autoria e materialidade; d) por falta de fundamentação a justificar a indispensabilidade da prova.

Sem razão.

Inicialmente, verifico que o deferimento das interceptações telefônicas pelo juízo a quo não foi fundamentado no recebimento de denúncia anônima, pois conforme o Termo de Declarações colhido pelo Ministério Público Eleitoral, em 03.10.2012 (fl. 23), figura como autor da denúncia Clayton Pereira, pessoa que foi devidamente identificada nos autos.

Referida notícia de fato gerou, no âmbito do Parquet Eleitoral, o Procedimento de Investigação Criminal n. 00742.00004/2012, expediente no qual o órgão ministerial solicitou a expedição de mandado para a realização de diligência na casa da corré Vivaldina.

A diligência foi efetuada pelo servidor da Justiça Eleitoral, sendo possível constatar, no relatório de fiscalização eleitoral das fls. 34-43, a verossimilhança da denúncia efetuada por Clayton. Transcrevo o seguinte excerto:

Munido de mandado exarado por essa Justiça Eleitoral para fins de fiscalizações de natureza eleitoral me dirigi até o referido endereço, juntamente com a Promotora Eleitoral, o oficial de justiça designado pela justiça eleitoral, a polícia civil e a brigada militar, onde se encontrou a pessoa que se identificou como ARI, esposo de VIVALDINA.

Entrou-se pela sala de estar, onde de imediato se localizou uma pasta contendo material de campanha do candidato LEODI e um caderno contendo anotações com nomes de pessoas e bens relacionados a elas, a exemplo de “brasilit” e quantias em dinheiro, e referências a jantares. Encontrou-se ainda na pasta, um bloco de cartões de visita de LEODI, sendo que anexo a um deles, no início da planilha, havia um cartão de visitas de um motoboy, e, no verso, os dizeres: “Rua Manoel Francisco Nodari, 160- sexta-feira-pagar”.

Franqueada a entrada nos demais cômodos, localizou-se em um quarto, dentro de um guarda-roupas, uma sacola plástica vermelha contendo materiais de limpeza, a exemplo de sabão em pó e sabão em barra, além de sabonetes. Encontrou-se também nesse cômodo muito material de campanha do candidato LEODI.

Em outro quarto, localizaram-se 03 (três) ranchos separados em sacolas plásticas brancas distintas, contendo gêneros alimentícios, tais como arroz, farinha, massa, leite, óleo, feijão, sal, biscoito, suco em pó, café. Nas três sacolas encontram-se gêneros alimentícios muito similares.

Nos fundos da cozinha, no interior de uma churrasqueira, onde ARI disse que somente havia lixo, pode debaixo desse lixo foram encontradas mais três sacolas plásticas contendo os mesmos materiais de limpeza e sabonetes encontrados no quarto, todos em sacolas plásticas de cor vermelha.

No quarto de VIVALDINA foram encontradas notas de compras, caderno contendo anotações de cunho eleitoral, vales assinados por VIVALDINA em valores diversos e dois receituários médicos.

Os ranchos e o material citado foram apreendidos e encaminhados à Delegacia de Polícia, para a lavratura de ocorrência policial.

Dessa forma, a diligência preliminar logrou demonstrar suficientes indícios de autoria e materialidade delitivas, restando também atendida a Resolução n. 59/08, do CNJ, alterada pela Resolução n. 217/16, a qual estabelece, no art. 10, que a decisão que deferir a interceptação telefônica deve se basear em “trabalhos mínimos de campo, com exceção de casos urgentes, devidamente justificados, em que as medidas iniciais de investigação sejam inviáveis (inc. IV)”.

Após a realização dessa averiguação, o órgão ministerial requereu ao juízo eleitoral o deferimento da medida cautelar de interceptação telefônica em regime de urgência, demonstrando o preenchimento dos requisitos estabelecidos no art. 2º da Lei n. 9.296/96 (fls. 25-30v e fls. 02-07v. do Anexo I), restando deferida a medida cautelar em 03.10.2012 (fls. 12-18v. do Anexo I e fls. 44-50 do Volume 1).

Os áudios contendo o resultado das interceptações foram integralmente acostados aos autos na mídia juntada à fl. 106.

Portanto, não vislumbro nenhuma irregularidade no deferimento da medida cautelar, tendo em vista que decorreu de procedimento investigatório já instaurado e da existência de relatório de fiscalização eleitoral contendo a descrição de apreensão de materiais que supostamente seriam distribuídos em troca de voto, estando atendidos os requisitos previstos no art. 2º da Lei n. 9.296/96. Ao contrário, verifica-se uma atuação esperada do magistrado frente a indícios da existência de um crime eleitoral às vésperas de um pleito (03.10.20212), especialmente porque um dos suspeitos do ilícito figurava como candidato a vereador e as eleições ocorreriam em 07.10.2012.

Essa situação de urgência, atrelada à possível utilização dos telefones pelos réus como instrumento para o cometimento do ilícito, justificou o próprio deferimento da medida cautelar.

Assim, também não procede o argumento de que não houve fundamentação para justificar a indispensabilidade da prova, pois devidamente legitimada a sua necessidade.

Conforme lecionam Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, há que se considerar, nesse caso, o critério da proporcionalidade ou interesse preponderante, pois o interesse na realização da prova pode ser maior do que o interesse no resguardo à intimidade (Os Resultados da Interceptação Telefônica como Prova Penal. Revista de Processo: São Paulo, v. 11, n. 44, p. 85-99, 1986, p. 124). Nesse sentido, os ensinamentos de Renato Maciel de Sá Jr., transcrito pelos referidos juristas:

Os direitos à intimidade, ao segredo e à reserva são relativos, limitáveis por valores cujo resguardo significa a preservação do equilíbrio do ordenamento jurídico e das inter-relações da própria coletividade. Não se pode colocar o direito pessoal acima do interesse superior da Justiça e das garantias que devem ser dispensadas a este em benefício do todo social” (A prova fotográfica. RT 574/309, 183, p. 311).

Cito, a propósito, julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PROVA ILÍCITA. NÃO CONFIGURAÇÃO. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. NÃO PROVIMENTO.

(…)

2. O pedido de interceptação telefônica formulado pelo Ministério Público Eleitoral em procedimento investigatório criminal não decorreu de denúncia anônima, mas sim de prévia ocorrência policial, de relatório de apreensão de materiais que supostamente seriam distribuídos em troca de voto e, ainda, da anterior autorização de outras três escutas telefônicas envolvendo esses fatos. 3. No caso dos autos, a produção de prova mediante interceptação telefônica mostrou-se necessária, pois o próprio telefone dos recorrentes teria sido utilizado como instrumento da conduta delituosa (entrega das benesses aos eleitores mediante serviço de moto-taxi, após contato telefônico entre os recorrentes). 4. Recurso em habeas corpus não provido.

(TSE - RHC n. 1002 RS, Relator: Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 25.6.2013, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 149, Data: 07.8.2013, p. 194.) (Grifei.)

No tocante à falta de transcrição integral das interceptações telefônicas, é pacífica a diretriz jurisprudencial que conclui pela sua desnecessidade, bastando a presença do inteiro teor dos áudios captados dentro dos autos e da degravação dos trechos das escutas que embasaram a peça acusatória, elementos considerados suficientes para se assegurar o amplo exercício da defesa, e que constam da mídia da fl. 106:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. SUSPENSÃO DO PRAZO PARA DEFESA PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS. PRESCINDIBILIDADE. EXCESSO DE PRAZO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. VINTE E NOVE RÉUS. CARTAS PRECATÓRIAS. PEDIDOS DE LIBERDADE PROVISÓRIA. NÃO OCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

(...)

3. Não há constrangimento ilegal na ausência de transcrição integral da interceptação telefônica para que o acusado ofereça a defesa prévia, bastando, tão somente, a fim de assegurar o amplo exercício da defesa, a degravação dos trechos das escutas que embasaram a peça acusatória. (HC nº 105.527/DF, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 13/5/11).

(STF - RHC n. 142829 SP - SÃO PAULO 0082298-67.2017.1.00.0000, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 27.4.2017, Data de Publicação: DJe-089 02.5.2017.) (Grifei.)

Na hipótese em tela, os recorrentes tiveram amplo acesso e cópia integral dos áudios referentes às interceptações telefônicas durante a tramitação processual, e não impugnaram a veracidade da prova.

Ainda, como bem lembrado no Parecer da Procuradoria Regional, este Tribunal já se manifestou sobre a licitude dessas interceptações telefônicas utilizadas como prova emprestada na representação por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) ajuizada em face dos recorrentes, quando do julgamento do recurso eleitoral no RE n. 675-07.2012.6.21.0015, da relatoria do Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz (DEJERS 06.6.2013), ocasião em que foi desprovido o recurso e mantida a condenação de Leodi Irani Altmann à pena de cassação do diploma de vereador e multa de R$ 25.000,00 e de Vivaldina Brunetto de Oliveira à pena de multa de R$ 4.000,00.

Assim, rejeito a preliminar.

c) Afronta ao princípio da ne reformatio in pejus pela majoração da pena

Os recorrentes alegam nulidade da sentença por afronta ao princípio da ne reformatio in pejus indireta devido à majoração da pena fixada pelo delito de corrupção eleitoral (art. 299 do CE) entre a sentença anulada da fl. 763 e a sentença subsequente da fl. 1408.

Sustentam que, quanto a Leodi, a pena foi majorada de 1 ano e 6 meses de reclusão para 1 ano e 8 meses de reclusão, e que no tocante a Vivaldina a majoração foi de 1 ano e 2 meses de reclusão para 1 ano e 8 meses de reclusão para cada fato considerado como caracterizador de corrupção eleitoral.

De fato, verifico que o juízo a quo, na sentença recorrida, majorou a pena de Leodi para 1 ano e 8 meses de reclusão, contudo a pena de Vivaldina se manteve em 1 ano e 2 meses de reclusão. A majoração decorreu do aumento do coeficiente da continuidade delitiva de 1/6 para 2/3.

A respeito dessa matéria, as jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal orientam-se no sentido de que a proibição do agravamento da situação do acusado, prevista no art. 617 do CPP, também se estende aos casos em que a sentença for anulada por meio de recurso exclusivo da defesa, de tal sorte que o órgão julgador que vier a proferir a nova sentença ficará vinculado aos limites da pena imposta na sentença impugnada, não podendo piorar a situação do acusado sob pena de operar-se a vedada reformatio in pejus indireta. Reproduzo in verbis:

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CONDENAÇÃO. APELAÇÃO CRIMINAL. JULGAMENTO ANULADO EM DECORRÊNCIA DE IMPETRAÇÃO DE PRÉVIO WRIT PELA DEFESA. IMPOSIÇÃO DE REPRIMENDA MAIS GRAVOSA EM NOVO ACÓRDÃO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO QUE PROÍBE A REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. CONCESSÃO DA ORDEM.

1. A doutrina e a jurisprudência desta Corte entendem que a proibição do agravamento da situação do acusado, prevista no art. 617 do Código de Processo Penal, também se estende aos casos em que há a anulação da decisão recorrida, por intermédio de recurso exclusivo da defesa ou por meio de impetração de habeas corpus, de tal sorte que o órgão julgador que vier a proferir uma nova decisão ficará vinculado aos limites da pena imposta no decisum impugnado, não podendo piorar a situação do acusado sob pena de operar-se a vedada reformatio in pejus indireta.

(...)

(STJ: HC n. 223.53715P, ReI. Mm. Jorge Mussi, DJe de 29.3.2012) (sem destaque no original.) (Grifei.)

Portanto, a nova sentença não poderia ter majorado a pena imposta a Leodi na decisão anulada, sendo cabível a reforma da decisão recorrida neste ponto para, no mínimo, ser restabelecida a condenação de Leodi à pena em 1 ano e 6 meses de reclusão.

Contudo, em qualquer das hipóteses, seja considerando a pena aplicada na sentença anulada, seja considerando a pena imposta na sentença recorrida, a declaração da nulidade encontra-se prejudicada pela incidência da prescrição da pretensão punitiva no tocante aos delitos de corrupção eleitoral.

Portanto, considero prejudicada essa preliminar.

2. Mérito

Passo ao exame do mérito recursal.

a) Prescrição do delito de corrupção eleitoral (art. 299 do CE)

Nesse ponto merece provimento o recurso interposto pelos acusados, na forma delineada no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, pois verifica-se a ocorrência da prescrição retroativa da pretensão punitiva prevista no art. 110, § 1º, c/c art. 109, inc. V, ambos do CP.

Leodi Irani Altaman e Vivaldina Brunetto de Oliveira foram condenados pela prática do delito previsto no art. 299 do CE, respectivamente, por 18 vezes (Leodi) e por 6 vezes (Vivaldina).

Na sentença, aplicou-se a pena definitiva de 1 ano de reclusão para cada delito praticado por ambos os réus. Pela continuidade delitiva, na forma do art. 71 do CP, o magistrado exasperou a pena de Leodi em 2/3 (8 meses) e de Vivaldina em 1/6 (2 meses), nos seguintes termos:

LEONI IRANI ALTMAN

Artigo 299 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), por 06 vezes, na forma do artigo 71 do Código Penal:

A culpabilidade não o desabona, pois o grau de reprovabilidade não excede o ordinário. Não possui o réu maus antecedentes, observando-se o teor da Súmula 444 do STJ. A conduta social não o prejudica. A personalidade não o desfavorece. Os motivos são os inerentes a espécie delitiva. As circunstâncias do crime não o desfavorecem. As consequências do crime não o prejudicam. Não há comportamento da vítima para ser analisado no caso.

Diante disso, não havendo circunstâncias prejudiciais ao réu, fixo a pena-base em 01 ano de reclusão para cada delito.

Ausentes atenuantes e agravantes, assim como causas de aumento e diminuição, mantenho a pena provisória em 01 ano de reclusão para cada crime.

Ainda, fixo a sanção pecuniária em 05 dias-multa para cada delito, considerando as circunstâncias judiciais já analisadas (artigo 59 do Código Penal), no valor de 01/30 do salário mínimo nacional, tendo em vista que desconhecidas condições econômicas do denunciado, quantia esta a ser corrigida monetariamente pelo IGP-M desde a data do fato (artigo 49, § 2º, do Código Penal).

Verificada a continuidade entre os delitos (artigo 71 do Código Penal), a pena de um dos crimes (01 ano de reclusão) deve ser exasperada de um 1/6 até a 2/3. Dessarte, em razão do número de crimes, majoro a pena em 2/3, resultando 01 ano e 08 meses de reclusão.

Relativamente à pena de multa, observando-se o artigo 72 do Código Penal, resta fixada em 90 dias-multa.

(...)

VIVALDINA BRUNETTO DE OLIVEIRA

Artigo 299 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), por 06 vezes, na forma do artigo 71 do Código Penal:

A culpabilidade não a desabona, pois o grau de reprovabilidade não excede o ordinário. Não possui a ré maus antecedentes, observando-se o teor da Súmula 444 do STJ. A conduta social não a prejudica. A personalidade não a desfavorece. Os motivos são os inerentes a espécie delitiva. As circunstâncias do crime não a desfavorecem. As consequências do crime não a prejudicam. Não há comportamento da vítima para ser analisado no caso.

Diante disso, não havendo circunstâncias prejudiciais à denunciada, fixo a pena-base em 01 ano de reclusão para cada delito.

Ausentes atenuantes e agravantes, assim como causas de aumento e diminuição, mantenho a pena provisória em 01 ano de reclusão para cada crime.

Ainda, fixo a sanção pecuniária em 05 dias-multa para cada delito, considerando as circunstâncias judiciais já analisadas (artigo 59 do Código Penal), no valor de 01/30 do salário mínimo nacional, tendo em vista que desconhecidas condições econômicas do denunciado, quantia esta a ser corrigida monetariamente pelo IGP-M desde a data do fato (artigo 49, § 2º, do Código Penal).

Verificada a continuidade entre os delitos (artigo 71 do Código Penal), a pena de um dos crimes (01 ano de reclusão) deve ser exasperada de um 1/6 até a 2/3. Dessarte, em razão do número de crimes, majoro a pena em 1/6, resultando 01 ano e 02 meses de reclusão.

Relativamente à pena de multa, observando-se o artigo 72 do Código Penal, resta fixada em 30 dias-multa.

Para fins do cálculo da prescrição, é necessária a análise dos arts. 110, § 1º, 117, incs. I e IV, 119 e 109, inc. V, todos do CP.

Art. 110 (...)

§ 1o A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (grifo nosso)

Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se:

I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa;

(...)

IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; (grifo nosso)

Art. 119 – No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente. (grifo nosso)

Art. 109 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

(...)

V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; (grifo nosso)

Na mesma linha, o enunciado da Súmula 497 do STF estabelece que no crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.

Como não houve interposição de recurso pelo Ministério Público Eleitoral, operou-se o trânsito em julgado para a acusação. Por conseguinte, para o cálculo da prescrição deve-se considerar a pena em concreto aplicada na sentença (art. 110, § 1º, CP), sem o acréscimo decorrente da continuação (Súmula STF n. 497), qual seja, um ano de reclusão para cada delito para ambos recorrentes.

Portanto, nos termos do art. 109, inc. V, do CP o prazo prescricional a ser considerado é de 4 anos.

Considerando que a denúncia foi recebida em 27.11.2012 (fl. 249v.) e que a sentença condenatória foi publicada em 08.8.2019 (fl. 1.412), ultrapassou-se mais de 6 anos e 8 meses entre os marcos interruptivos da prescrição.

Destarte, tendo em vista o transcurso de lapso temporal superior a quatro anos entre a denúncia e a publicação da sentença, operou-se a prescrição retroativa da punibilidade, como pondera o órgão do Parquet Eleitoral que oficia nesta instância.

A respeito da data da publicação da sentença, cumpre destacar que, para efeitos de contagem do prazo prescricional, considera-se publicada a sentença na data na qual os autos são entregues em cartório, e não a da intimação das partes pela imprensa oficial, por força do art. 389 do CPP, segundo o qual “a sentença será publicada em mão do escrivão...”

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. MARCO INTERRUPTIVO. ART. 117, IV, DO CÓDIGO PENAL. PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA EM CARTÓRIO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, nos termos do artigo 117, inciso IV, do Código Penal, a prescrição se interrompe na data da publicação da sentença em cartório, ou seja, de sua entrega ao escrivão, e não da intimação das partes ou publicação no órgão oficial.

2. Agravo desprovido.

(AgRg no AREsp n. 1380415/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 12.02.2019, DJe 19.02.2019.)

Desse modo, resta imperioso o reconhecimento da extinção da punibilidade dos recorrentes quanto ao delito previsto no art. 299 do CE, nos termos do art. 107, inc. IV, do CP.

b) Delito de transporte irregular de eleitores (art. 11, inc. III, c/c art. 5º, da Lei n. 6.091/74)

Relativamente à prática do delito de transporte irregular de eleitores, Leodi Irani Altmann foi condenado no tocante ao 1º, 2º e 3º Fatos e Vivaldina Brunetto de Oliveira relativamente ao 3º Fato, assim descritos na denúncia:

1° FATO

No dia 07 de outubro de 2012, no período da manhã, em local não identificado, em Carazinho, o denunciado LEODI, em comunhão de esforços e conjugação de vontades com pessoa não identificada, no dia das eleições, transportou diversos eleitores.

Na ocasião um cabo eleitoral de LEODI, previamente acertado com este, transportou diversos eleitores de Carazinho para votarem em seções eleitorais do Município.

Com efeito, na ligação telefônica do dia 07 de outubro de 2012, às 12h16min, o denunciado LEODI conversou com interlocutor não identificado, perguntando-lhe “já foram lá?”, ao que o interlocutor disse que já havia levado um “monte” a votar e que naquele momento iria levar mais outros.

O denunciado LEODI concorreu diretamente para a prática do crime, na medida em que, tendo ciência da conduta praticada por seu cabo eleitoral, determinou-lhe que fizesse o transporte de eleitores no dia das eleições.

DATA: 07/10/2012

HORA: 12:16:28

TELEFONES: 54-96775488 e 54-99924341

INTERLOCUTORES

(..) INTERLOCUTOR: Tamo na baixada aqui.

LEODI: Como é que tá?

INTERLOCUTOR(A): Tá beleza, tamo assando carne agora aí.

LEODI: Tá tudo tranquilo? Já foram lá?

INTERLOCUTOR(A): Fomos, já levaram um monte vota. Agora de tarde vou levar mais uns aí.

LEODI: Ahh, fica atento né.

INTERLOCUTOR(A): Pode deixar. (...) Já fiz boca de urna pra ti lá no colégio da Glória, já peguei uma mulher lá do Aylton, já chamei a polícia.

LEODI: Opa, opa. Ah não, é isso aí. Isso é importante, é verdade. Com certeza.

2° FATO

No dia 07 de outubro de 2012, no período da manhã, em local não identificado, em Carazinho, o denunciado LEODI, em comunhão de esforços e conjugação de vontades com pessoa identificada como “Marisa”, no dia das eleições, transportou diversos eleitores.

Na ocasião, a pessoa identificada como “Marisa”, previamente acertada com LEODI, transportou diversos eleitores na localidade de São Bento, em Carazinho, para votarem em seções eleitorais do Município.

Com efeito, na ligação telefônica do dia 07 de outubro de 2012, às 13h38min, o denunciado LEODI conversou com uma interlocutora identificada como “Marisa”, que lhe disse que estava em São Bento e que estava “levando o pessoal votar”, referindo-se às pessoas que estavam se dirigindo a pé às seções eleitorais, ao que LEODI exclamou: “Opaaa, muito bom! Ah Meu Deus, é ótimo isso, Marisa. Ajuda um monte isso aí”.

O denunciado LEODI concorreu diretamente para a prática do crime, na medida em que, tendo ciência da conduta praticada por Marisa, orientou-a a transportar eleitores no dia das eleições.

DATA: 07/10/2012

HORA: 13:38:38

TELEFONES: 54-96775488 e 54-99880362

INTERLOCUTORES

(…)

INTERLOCUTORA: Eu to aqui em São Bento levando o pessoal votar. LEODI: Opaaa, muito bom!

INTERLOCUTOR(A): Porque é assim tem gente que vai a pé, sabe aquela coisa né.

LEODI: Ah Meu Deus, é ótimo isso, Marisa. Ajuda um monte isso ai.

INTERLOCUTOR(A):Dai mandei mensagem, daí depois eu pensei, mandei outra mensagem já com o teu número certinho né 12.333

LEODI: Ótimo, ótimo.

3° FATO

No dia 07 de outubro de 2012, no bairro Vila Rica da cidade de Carazinho, em horário não precisado, os denunciados LEODI e VIVALDINA, em comunhão de esforços e conjugação de vontades entre si e com outras duas pessoas não identificadas, no dia das eleições, transportaram cerca de 26 (vinte e seis) eleitores.

Na ocasião, os denunciados, previamente acertados, por meio de terceira pessoa não identificada, transportaram cerca de 26 (vinte e seis) eleitores para votarem no candidato e denunciado LEODI.

Com efeito, na ligação telefônica do dia 07 de outubro de 2012, às 14h16min, a denunciada VIVALDINA conversou com interlocutora não identificada, a qual lhe disse que outra pessoa, conterrâneo de LEODI em Santo Antônio do Planalto, já havia efetivado o transporte de aproximadamente 26 (vinte e seis) eleitores para votarem nele, cobrando-lhe, nessa mesma ligação, umas “geladas” prometidas a esses eleitores.

Os denunciados LEODI e VIVALDINA concorreram diretamente para a prática do crime, na medida em que, tendo ciência da conduta praticada, orientaram o executor do transporte a transportar os eleitores para as seções eleitorais.

DATA: 07/10/2012

HORA: 14:16:17

INTERLOCUTOR: 54 96775709 e 54 96474803

INTERLOCUTORES

(...)

INTERLOCUTOR(A): E como é que tá?

VIVALDINA: Tá bem, lá bem. Eu to aqui na Vila Rica.

INTERLOCUTOR (A): É, eu to no coleginho aqui no lado de casa (inaudível). Oh, eu só vou passar pra ti aqui, sabe aquele pessoal ali pra baixo do CAIC, o seu Ademar, que conhece bem o Leodi?

VIVALDINA: Sim.

INTERLOCUTOR(A): Tá, ele puxou um pessoal ali, tem 26 votos e queria umas geladas. Eu disse, mas eu não posso fazer nada se não ligar pra ti.(inaudível).

VIVALDINA: Tá, ahn, é, ahn, Andreia,

INTERLOCUTOR(A): Ahn?

VIVALDINA: Agora não posso, mas depois,

INTERLOCUTOR(A): Mais no final da tarde, eu posso confirmar?

VIVALDINA: Mas, deixa assim, porque eu não falei com o Leodi hoje.

INTERLOCUTOR(A): Pois é, eu disse também que não falei, não tem como confirmando alguma coisa sem estar sabendo (...).

VIVALDINA: Tá bom. Tá tudo calmo? Conseguiu algum voto?

INTERLOCUTOR(A): Consegui, pois é, consegui aqui embaixo. Eu levei a, a vizinha daí subi pra cima, daí tinha uma pedindo voto pro Papai Noel, pedia pra mim se eu, que as pessoas não conheciam, pra mim pedir um favor, pra votarem pro Papai Noel por causa que o Leodi tava ganho. Não, o que é do Leodi é do Leodi. Aí eu levei pro lado pessoal né. Daí depois eu vim aqui na Vila Cachorro, sabe aquelas mulher que era pra ter vindo até ali e não veio? Mas ainda votaram pra ele aqui no coleginho aqui do lado.

VIVALDINA: Ah tá, mas depois a gente vai conversar com ele.

INTERLOCUTOR(A): Isso, eu disse, até veio a Cátia, uma vizinha minha e disse vocês não se esqueceram de nós né? Eu disse não, não se preocupe, o que foi conversado ele vai agradecer, eu disse pra elas né. Daí agora tem (inaudível), o seu Leodi conhece bem, conterrâneo dele lá de Santo Antônio do Planalto, daí me ligou aqui e disse que conseguiu 26 votos pra ele, (inaudível) e daí eu disse pra ele que agora eu não podia fazer nada, que eu tinha que ligar pra ti.

VIVALDINA: É, assim ó, Andreia eu não tenho, não, não, se a gente faz isso é crime hoje né.

INTERLOCUTOR(A): É, hoje é.

VIVALDINA: É, hoje é, então não pode. Tá, depois eu te procuro e converso contigo. (.) Isso eu não posso fazer porque é crime, tanto pra eles quanto para o Leodi. (.)

A condenação de ambos os recorrentes está fundamentada nas seguintes razões transcritas da sentença recorrida (fl. 1250):

1º, 2º e 3º Fatos Transporte de eleitores

A existência dos fatos e a prova da autoria restaram demonstradas pelo procedimento investigatório criminal (fls. 22 e seguintes), pelo inquérito policial (fls. 205 e seguintes), assim como pela prova oral coligida durante a instrução (fls. 316/336, 354/358, 370/371, 383/384, 489/490 e 696).

A interceptação realizada na data de 07/10/2012 (fls. 150v./151 e 138/139) revela a prática do delito. A conversa entre Leodi e um terceiro revela que o réu, na tarde das eleições, dá ordens para que o interlocutor transporte alguns eleitores para votar. Adiante, Vivaldina conversa com alguém que revela que Ademar havia transportado alguns eleitores de Leodi.

Portanto, estando devidamente evidenciadas a materialidade e a autoria dos crimes, sendo típica a conduta dos réus, que possuíam plena consciência dos ilícitos, não estando sob o abrigo de qualquer das excludentes de ilicitude ou dirimentes da culpabilidade, impositiva a condenação deles nas sanções do artigo 299 da Lei nº 4.737/65, na forma do artigo 71 do Código Penal, e do artigo 11, inciso III, c/c o artigo 5º, ambos da Lei nº 6.091/74, na forma do artigo 71 do Código Penal, sendo ambos os delitos na forma do artigo 69 do Código Penal.

Quanto à capitulação delitiva, dispõe o art. 11, inc. III, e o art. 5º, da Lei n. 6.091/74 que o crime de transporte irregular de eleitores é apenado com reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa:

Art. 11. Constitui crime eleitoral:

(...)

III – descumprir a proibição dos artigos 5º, 8º e 10º;

Pena – reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa;

Art. 5º – Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo:

I – a serviço da Justiça Eleitoral;

II – coletivos de linhas regulares e não fretados;

III – de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família;

IV – o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o art. 2º.

Relativamente aos fatos 1 e 2, a única prova que fundamenta a condenação consiste nas interceptações telefônicas transcritas na denúncia.

Ocorre que tais conversas não comprovam a alegação de que o acusado transportou eleitores. A denúncia tão somente apresenta diálogos com esse tema, ficando claro que em momento algum o denunciado LEODI realizou ou determinou que fosse realizado o delito.

Da leitura das degravações, observa-se sequer estarem identificados os interlocutores que conversaram com o réu, mas o mais importante aqui é ter presente que não há provas de que tenha o recorrente realizado pessoalmente qualquer infração penal.

A responsabilidade penal é subjetiva, não podendo uma pessoa ser responsabilizada por fato cometido por terceiro, como ocorre no caso dos autos, em que a prova coligida, meramente, demonstra que os recorrentes tinham ciência da conduta praticada.

Sequer se extrai, do caderno probatório, elementos suficientes para se garantir, de forma segura, os requisitos necessários à teoria do domínio dos fatos, pois ausente maior investigação a fim de demonstrar que Leodi possuía pleno controle fático das condutas.

Na seara penal, a responsabilidade é subjetiva porque o indivíduo deve praticar uma conduta, e aqui devemos analisar os elementos subjetivos da mesma, visto que ninguém pode ser responsabilizado por um fato sem que o tenha praticado por dolo ou culpa. "O postulado da intranscendência impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do infrator" (STF - Tribunal Pleno - AC n. 1033 AgR-QO - rel. Min. Celso de Mello-j. 25.5.2006).

Pelo princípio da culpabilidade, não há que se falar em responsabilização penal criminal pelo resultado (responsabilidade penal objetiva), dado que nenhum resultado penalmente relevante pode ser atribuído a quem não o tenha produzido por dolo ou culpa.

Segundo o princípio da responsabilidade penal subjetiva, para que o ato seja considerado típico, o agente deve tê-lo praticado por livre e espontânea vontade e com o intuito de obter o resultado ocorrido ou, no mínimo, ter dado causa ao resultado por uma inobservância do dever objetivo de cuidado.

Porém, os fatos narrados mostram que o recorrente somente tomou conhecimento sobre eventuais práticas criminosas após ocorridas, e sequer demonstram a existência de prévio acerto, de planejamento ou preparação que possa evidenciar a participação do acusado no delito.

Desse modo, considerando que fato não se presume, se comprova, entendo que sequer foi suficientemente confirmada a realização do alegado transporte de eleitores e que a prova apresentada não serve para amparar uma condenação criminal, pois apenas mostra que o recorrente teve, por telefone, conhecimento sobre suposta realização de transporte.

Ademais, o crime de transporte irregular de eleitores trata-se de delito de mera conduta, não exigindo para sua consumação a ocorrência de um resultado e sim apenas a intenção de aliciamento de eleitores, mas é incontestável que o réu não praticou pessoalmente quaisquer das condutas que lhe foram imputadas.

Com base nessas premissas, entendo que a absolvição se mostra impositiva, na esteira de julgados desta Corte:

RECURSO. CRIME ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. CANDIDATOS À REELEIÇÃO AOS CARGOS DE PREFEITO E VICE. TRANSPORTE ILEGAL DE ELEITORES. ART. 11, INC. III, C/C ART. 5º, AMBOS DA LEI N. 6.091/74. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. ACERVO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA CARACTERIZAR O ILÍCITO E SUA AUTORIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO. Insurgência contra sentença que absolveu os acusados, candidatos à reeleição aos cargos de prefeito e vice, à época dos fatos, da imputação de prática da conduta delituosa tipificada no art. 11, inc. III, c/c art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/74. Para configuração da infração é imprescindível a existência de prova quanto ao transporte de eleitores e quanto ao seu aliciamento em prol de candidatura, visando a influir nas eleições. A prova hábil a ensejar condenação criminal deve, necessariamente, ser concebida em um processo dialético, asseguradas as garantias do contraditório e da ampla defesa, vedada a utilização de depoimentos colhidos perante a autoridade policial, não confirmados em juízo, como único meio de prova para lastrear decreto condenatório. No caso dos autos, ausentes elementos de prova hábeis sequer a sustentar a tese de que houve transporte de eleitores, quanto mais de que os indivíduos tenham sido seduzidos a votar naquela chapa. Mantida a sentença de improcedência da ação. Desprovimento.

(TRE-RS - RC n. 266862 SÃO JERÔNIMO - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 23.4.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 74, Data: 26.4.2019, p. 4.) (Grifei.)

Recurso criminal. Decisão que julgou procedente a denúncia, condenando a recorrente pela prática do delito de transporte irregular de eleitores.Presença de indícios frágeis para a configuração do delito tipificado no art. 11, inc. III, c/c art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/74. Ausência de elementos suficientes a embasar a condenação criminal.A existência de dúvida a respeito da ocorrência dos fatos imputados na denúncia impõe um juízo de absolvição por insuficiência de provas. Provimento.

(TRE-RS - RC n. 838914 RS, Relator: DR. HAMILTON LANGARO DIPP, Data de Julgamento: 07.8.2012, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 145, Data: 09.8.2012, p. 3.) (Grifei.)

Quanto ao 3º fato qualificado como transporte de eleitores atribuído a Leodi Irani Altmann e a Vivaldina Brunetto de Oliveira, a Procuradoria Regional Eleitoral, nesta instância, opina pelo provimento do recurso criminal e consequente absolvição dos recorrentes devido à falta de provas.

Os diálogos transcritos correspondentes ao 3º fato, nos quais aparece como protagonista com Andrea Rosa, não demonstram de forma inequívoca que Vivaldina atuou no transporte irregular de eleitores. O que é possível inferir da transcrição é que Ademar transportou alguns eleitores e que teria conseguido 26 votos para Leodi, solicitando umas "geladas".

Não é possível concluir com certeza a participação de Vivaldina neste transporte. Ainda, é possível aferir que Vivaldina em dois momentos menciona discordância, que acredito ser no fornecimento das "geladas", informando ser crime no dia da eleição. Por conseguinte, do depoimento de Andrea Rosa (fl. 334) é possível extrair apenas que esta era cabo eleitoral de Leodi, que realmente havia ligado para Vivaldina, mas que Ademar havia conversado com um pessoal para votar em Leodi e eles foram à seção eleitoral por livre e espontânea vontade.

De fato, na conversa interceptada a interlocutora limita-se a contar a Vivaldina Brunetto de Oliveira que o “seu Ademar, que conhece bem o Leodi”, “puxou um pessoal ali, tem 26 votos e queria 'umas geladas' e que não poderia fazer nada sem ligar para Vivaldina. Vivaldina não confirma a negociação de transporte e "geladas" em troca de votos e responde: “deixa assim, porque eu não falei com o Leodi hoje”.

Desse modo, conforme concluiu a Procuradoria Regional Eleitoral, não há elementos suficientes para a caracterização da conduta delitiva, merecendo serem providos os recursos quanto ao 3º fato a fim de que seja reformada a sentença e absolvidos os recorrentes com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

Portanto, a denúncia resta totalmente improcedente.

Ante o exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo provimento do recurso criminal para extinguir a punibilidade dos recorrentes quanto aos delitos previstos no art. 299 do CE, nos termos do art. 107, inc. IV, do CP e reformar a sentença para absolver, por insuficiência de provas, VIVALDINA BRUNETTO DE OLIVEIRA e LEODI IRANI ALTMANN da imputação de prática do crime previsto no art. 11, inc. III, c/c art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/74, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.