PC - 0602545-73.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/03/2020 às 14:00

VOTO

Inicialmente, cumpre consignar que os embargos de declaração devem ser opostos com o objetivo específico de esclarecer obscuridade ou contradição, sanar omissão ou corrigir erro material existente na decisão judicial, conforme expressamente estabelece o art. 1.022 do Código de Processo Civil.

In casu, o Ministério Público Eleitoral aponta diversas omissões no acórdão, as quais passo a analisar.

A primeira omissão consistiria em não ter o aresto aplicado o art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17, o qual prescreve que, não havendo comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário ou do FEFC, o valor deverá ser devolvido ao Tesouro Nacional. Sustenta o Parquet Eleitoral que o dispositivo estabelece que a via própria para determinar se o emprego dos recursos foi comprovado ou não, ou se a utilização foi indevida ou não, é a “decisão que julgar as contas”.

Adiante, alega a Procuradoria Regional Eleitoral que o acórdão não enfrentou a “regra de experiência de que, na constância do vínculo conjugal, um cônjuge não costuma pagar pelo uso dos bens particulares do outro cônjuge”, consoante reza o art. 375 do CPC.

Pois bem.

Dispõe o art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17:

Art. 82. (...)

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa de cópia digitalizada dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

O acórdão analisou devidamente a situação fática constante dos autos e concluiu que não houve ausência de comprovação da utilização dos recursos públicos, nem tampouco foi indevida sua utilização.

O Tribunal rechaçou a tese de que teria ocorrido apropriação de recursos públicos, consubstanciada no pagamento de locação de imóvel pela candidata em favor de seu marido, proprietário do imóvel.

Transcrevo excerto do decisum objurgado:

Em relação ao primeiro apontamento, a irregularidade vislumbrada pela área técnica consiste no pagamento de aluguel de imóvel, com recursos do FEFC, ao esposo da candidata.

O parecer conclusivo, a tal respeito, restou assim vazado (ID 4031533):

1.1 Com relação à despesa de R$ 4.000,00, referente à locação do imóvel situado na Av. Senador Salgado Filho, 8563, Bairro Querência, Viamão/RS, em sua manifestação a candidata apresenta argumentos jurídicos e junta instrumento particular de contrato de locação e, novamente, avaliação mercadológica do imóvel locado do Sr. Mauro Alberto Schreiner, esposo da peticionária.

A manifestação da candidata, no entanto, não afasta o indício de apropriação de recursos ou valores destinados ao financiamento eleitoral, em proveito próprio ou alheio.

Trata-se de falha, uma vez que caracteriza irregularidade na comprovação da devida aplicação de recursos de natureza é pública, gerando a obrigação de ressarcir ao Tesouro Nacional o montante de R$ 4.000,00, conforme disposto no art. 82, §1º da Resolução TSE nº. 23.553/2017.

Conforme o órgão técnico, houve indício de apropriação de recursos públicos, devendo o montante equivalente à irregularidade ser restituído ao erário.

Ainda que a conduta seja bastante questionável à luz do princípio da moralidade e da probidade na aplicação de recursos públicos, a tese quanto à configuração de ilícito, corroborada pela Procuradoria Regional Eleitoral, não merece acolhimento, ao menos em sede de prestação de contas.

Decerto, as normas sobre o financiamento e gastos de campanha não estabelecem qualquer vedação a que postulantes a cargo eletivo contratem seus próprios parentes para o fornecimento de bens ou serviços a serem utilizados na campanha, mesmo que o respectivo pagamento ocorra com a utilização de verbas públicas.

Em outros termos, não se encontra positivada, nas normas de regência, vedação ao “nepotismo” na contratação de fornecedores de campanha.

Nesse passo, não há como o ajuste contábil em exame sofrer glosa pelo fato de terem sido utilizados recursos do FEFC para pagamento de despesa atinente à locação de imóvel de propriedade do cônjuge da candidata.

Ademais, consoante entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, o processo de prestação de contas tem escopo limitado, restrito à verificação das informações declaradas pelo candidato, não se prestando à realização de investigações aprofundadas de fatos que possam caracterizar abuso de poder ou outros ilícitos eleitorais, como se verifica pela seguinte ementa:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2018. CANDIDATO AO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PARTIDO SOCIAL LIBERAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

(…).

II - OBJETO E LIMITES DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS

2. A análise das prestações de contas está limitada à verificação das informações declaradas espontaneamente pelo candidato, bem como daquelas obtidas a partir de procedimentos de auditoria ordinariamente empregados pela Justiça Eleitoral, em especial análise documental, exame de registros e cruzamento e confirmação de dados, por meio de procedimento de circularização, cujo fim é a confirmação das receitas e despesas declaradas.

3. Os processos de prestação de contas não se prestam à realização de investigações aprofundadas de fatos que possam caracterizar abuso de poder ou outros ilícitos eleitorais, para os quais há instrumentos próprios na legislação eleitoral, nos quais se pode desenvolver ampla dilação probatória, com observância do contraditório e da ampla defesa.

4. Realizadas diligências de circularização, as respostas apresentadas não indicam omissão de despesas por parte da campanha do candidato eleito Jair Messias Bolsonaro.

(…).

(TSE; PC n. 0601225-70.2018.6.00.0000, Rel. Min Luís Roberto Barroso, julgado em 04.12.2018)

Destarte, cumpre, nos limite da cognição e do arcabouço normativo da prestação de contas, afastar o apontamento.

O entendimento plasmado no aresto foi de que a documentação carreada ao processo comprovou suficientemente a locação do imóvel, destinado a abrigar o comitê de campanha da candidata, assim como o respectivo pagamento, por meio de cheques emitidos em nome do fornecedor, inexistindo norma que vede a contratação sub examine.

Com efeito, verifica-se que o aluguel do imóvel para funcionamento de comitê de campanha constitui gasto eleitoral, nos termos do que dispõe o art. 37, incs. III e VI, da Resolução TSE n. 23.553/17. Ainda, foram juntados ao feito recibos assinados pelo locador, dando conta do pagamento do aluguel do referido imóvel (ID 3799983 e 3800083); cópias de cheques nominais atinentes aos pagamentos, emitidos em observância ao art. 40, inc. I, do diploma normativo referido (ID 3799933 e 3800033); documentos que comprovam que o imóvel pertence ao locador (ID 2955933); termo de avaliação do imóvel compatível com o valor pago (ID 3127733); e contrato de locação do bem, celebrado entre a prestadora e o locador (ID 3799883). Também, consta nos autos declaração entregue no processo de registro de candidatura informando que o comitê de campanha se localizava no endereço do imóvel objeto da locação (ID 3800233).

Inexiste, portanto, qualquer omissão a ser sanada neste ponto.

O Ministério Público Eleitoral prossegue, afirmando que, “caso se entenda que está de acordo com as regras de experiência que um cônjuge cobre aluguel do outro cônjuge para utilização de bem próprio, ainda assim, considerando o disposto no art. 82, § 1º, da Resolução TSE nº 23.553/2017, haveria omissão sobre a ausência de prova, por parte da prestadora, de que o imóvel locado constituiria bem de propriedade exclusiva do seu cônjuge, ou melhor especificando, de que não estaria abrangido pela comunicabilidade decorrente de determinados regimes de bens entre os cônjuges”.

Defende o embargante que “cabia à prestadora, a fim de comprovar que o bem não é também da sua propriedade, ter trazido elementos mínimos atinentes: a) à data de construção do prédio alugado; b) ao regime de bens do seu casamento; c) à data de início do vínculo conjugal”.

Aqui, trata-se de novos argumentos trazidos pela Procuradoria Regional Eleitoral, buscando a rediscussão da causa.

A omissão apta a ser suprida pelos aclaratórios é aquela decorrente do próprio julgamento, sendo prejudicial à compreensão da causa, não aquela com o desiderato de provocar o rejulgamento da demanda ou modificar o entendimento manifestado pelo órgão julgador.

Nesse sentido, colaciono jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2014. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO. GOVERNADOR E VICE-GOVERNADORA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE RECURSOS FINANCEIROS. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97. CAIXA DOIS. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO ACÓRDÃO. DESPROVIMENTO DOS ACLARATÓRIOS OPOSTOS POR MARCELO DE CARVALHO MIRANDA. ERRO MATERIAL. PARCIAL PROVIMENTO DOS EMBARGOS DE CLÁUDIA LÉLIS, TÃO SOMENTE PARA CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL.

1. A omissão apta a ser suprida pelos declaratórios é aquela advinda do próprio julgamento, sendo prejudicial à compreensão da causa, e não aquela deduzida com o fito de provocar o rejulgamento da demanda ou modificar o entendimento manifestado pelo julgador. Precedentes.

2. A contradição que autoriza a oposição de embargos de declaração é aquela interna, ou seja, estabelecida entre os fundamentos do acórdão, descabendo suscitá-la para dirimir alegado confronto entre pormenores instrutórios e os demais elementos de prova constantes dos autos, notadamente quando a defrontação não prejudica a validade da fundamentação, tampouco a coerência lógica do entendimento exarado na decisão.

3. Os declaratórios não se prestam ao rejulgamento da matéria, pressupondo omissão, obscuridade ou contradição, de modo que o mero inconformismo da parte com o resultado do julgamento não enseja a oposição dos embargos. Em síntese, a mera insatisfação com o conteúdo da decisão embargada não enseja embargos de declaração.

4. In casu, o voto condutor do acórdão analisou a matéria controvertida de forma suficiente e fundamentada, outrossim sua conclusão decorreu logicamente dos seus fundamentos, entendendo quanto ao mérito:

a) Caracterização da existência de "caixa dois de campanha", tendo em conta o conjunto probatório coligido aos autos, indicando que a partir de elementos precisos, consistentes e concatenados, [...] os R$ 1.505.937,20 (um milhão, quinhentos e cinco mil, novecentos e trinta e sete reais e vinte centavos) obtidos por Douglas em Brasília se destinavam a abastecer, de forma camuflada, a campanha de Marcelo Miranda, configurando o ilícito previsto no art. 30-A da Lei nº 9.504/97.

b) A campanha de Marcelo Miranda ao governo do estado do Tocantins foi alimentada com vultosos recursos obtidos de forma ilícita, correspondentes a 21% do total oficialmente arrecadado, e se desenvolveu por caminhos obscuros, sobressaindo o uso de métodos de dissimulação com significativa aptidão para impedir o controle público quanto à origem e destinação dos recursos financeiros despendidos e a má-fé do candidato.

c) As circunstâncias que acompanham o ilícito ostentam gravidade/relevância jurídica suficientemente densa para ultrajar os bens jurídicos por ele tutelados (i.e, igualdade política, higidez e lisura na competição eleitoral e transparência das campanhas).

5. Embargos declaratórios de Marcelo de Carvalho Miranda desprovidos.

6. O aresto embargado apontou erroneamente que a embargante Cláudia Lélis seria filiada ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro, quando deveria ter constado sua filiação ao Partido Verde, devendo ser superado tal erro material.

7. Embargos de declaração de Cláudia Lélis parcialmente providos, somente para que se corrija erro material.

(TSE, Embargos de Declaração em Recurso Ordinário n. 122086, Acórdão de 17.4.2018, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 19.4.2018.) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2012. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CE. VEREADOR. CONDENAÇÃO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. OMISSÃO E ERRO MATERIAL. INEXISTÊNCIA. PRETENSÃO DE REDISCUTIR A CAUSA. DESCABIMENTO. REJEIÇÃO.

1. No acórdão embargado, o TSE negou provimento ao agravo interno por ausência de cerceamento de defesa, bem como por incidência do Enunciado nº 26 da Súmula do TSE, tendo sido, ainda, anotada a inexistência de prescrição da pretensão punitiva.

2. Na linha da jurisprudência do TSE, o julgado apenas "[...] se apresenta como omisso quando, sem analisar as questões colocadas sob apreciação judicial, ou mesmo promovendo o necessário debate, deixa, entretanto, num caso ou no outro, de ministrar a solução reclamada", o que não se evidenciou no caso (EDclAgRgREspe nº 28.453/RN, rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 26.11.2009, DJe de 10.3.2010).

3. Os embargos declaratórios constituem modalidade recursal de integração e objetivam esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão ou corrigir erro material, consoante estabelece o art. 275 do CE, com redação dada pelo art. 1.067 do CPC/2015, não sendo o meio adequado para veicular inconformismo do embargante com a decisão embargada, que lhe foi desfavorável, com notória pretensão de novo julgamento do feito.

4. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE, Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 17779, Acórdão de 27.8.2019, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 192, Data 03.10.2019, pp. 29/30.) Grifei.

Todavia, ainda que oportunamente veiculada a questão, tenho que seria despicienda a documentação referida, pois o Tribunal entendeu regular o gasto eleitoral relativo à locação do imóvel, visto que restaram adequadamente comprovados os direitos de Mauro Alberto Schreiner sobre o bem, a vinculação da locação à finalidade eleitoral, a existência do contrato de aluguel firmado entre as partes e o devido pagamento.

Portanto, não restou configurada a alegada omissão.

Na sequência, a Procuradoria Regional Eleitoral aponta omissão consistente na falta de análise da possibilidade jurídica de gasto de um dos cônjuges com aluguel ao outro, assim como do pertencimento ou não do bem locado ao patrimônio da prestadora de contas.

Afirma o representante do Ministério Público Eleitoral:

Ao não se debruçar sobre os elementos de fato acima referidos, o acórdão embargado omitiu-se acerca da incidência, no caso, dos arts. 1.565, 1.566, II e III, 1.568 e 1.652, todos do código Civil, os quais tratam das relações materiais entre os cônjuges independentemente do regime de bens. Também omitiu-se acerca da eventual incidência do art. 1.640, c/c arts. 1.658 e 1.660, I e IV, em se tratando de regime de comunhão parcial, ou do art. 1.667, em se tratando de comunhão universal.

(...)

Dessarte, ficam claras as omissões existentes no acórdão acerca da questão de direito, visto que o acórdão simplesmente não enfrentou a questão acerca dos dispositivos que, no âmbito civil, regem as relações entre os cônjuges, e que possuíam relevância no caso em apreço seja para admitir ou não a possibilidade jurídica do gasto com aluguel, seja para determinar o pertencimento ou não do bem locado ao patrimônio também da prestadora de contas.

Novamente, cuida-se de inovação trazida por meio dos aclaratórios, não havendo omissão a ser suprida, vez que a matéria não foi aventada na fase apropriada.

Impõe-se, portanto, o afastamento da omissão arguida.

Ao cabo, insta destacar que, no âmbito deste feito, restou suficientemente comprovado que o bem foi utilizado para o fim declarado – aluguel de espaço para abrigar comitê eleitoral. Também, estão presentes nos autos os documentos atinentes ao gasto, não havendo mínimo indício de que o valor pago não esteja de acordo com os valores de mercado, nem de que não tenha havido a regular movimentação contábil nas contas da candidata.

Assim, a conclusão do acórdão está devidamente amparada em fundamentos capazes de infirmar, por incompatibilidade lógica, os argumentos veiculados pelo embargante, não havendo, assim, obrigação de enfrentamento expresso e unitário de cada uma das alegações vertidas em sentido contrário.

Este é o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, consoante o qual: “O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão.” (EDcl no MS 21.315/DF, Rel. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Primeira Seção, julgado em 08.06.2016, DJe 15.06.2016.)

Percebe-se, pois, que o embargante maneja os presentes aclaratórios em virtude de seu inconformismo com a decisão ora atacada, não se divisando, na hipótese, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do CPC a inquinar o decisum.

Finalmente, dou por prequestionados todos os dispositivos invocados pelo recorrente, nos termos do art. 1.025 do CPC.

 

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.