RC - 44694 - Sessão: 09/03/2020 às 11:00

Adiro, quanto à matéria preliminar, ao voto do Des. Thompson Flores e enfrento o mérito relativo aos delitos de falso testemunho e de corrupção de testemunha.

Foram imputadas, nestes autos, as condutas descritas no art. 342, § 1º, c/c 29, e art. 343 e parágrafo único, do Código Penal (fls. 353-357v.).

Na hipótese, assim constou no aditamento à denúncia:

(…) 1º FATO:

Após o recebimento da denúncia e antes das audiências de instrução designadas para as datas de 11 de abril de 2 de 2017, as denunciadas Edite Rodrigues Lisboa, conhecida por "Cigana", vereadora eleita na eleição de 2016, e Maria Cristina Fernandes, testemunha arrolada pelo Ministério Público, em união de vontades, finalidades e ações, concorreram para a prática de crime de falso testemunho prestado pela segunda na data de 16 de maio de 2017, na ação penal eleitoral n° 446-94.2016.6.21.0051, ambas com a finalidade de não confirmar em juízo fato penalmente relevante imputado à denunciada Edite Rodrigues Lisboa.

[…]

2º FATO:

Após o recebimento da denúncia e antes das audiências de instrução designadas para as datas de 11 de abril de 2017, 02 de maio de 2017 e 16 de maio de 2017, a denunciada Edite Rodrigues Lisboa. conhecida por "Cigana", vereadora eleita na eleição de 2016, ofereceu dinheiro e vantagem à testemunha Jair Silva de Mello, arrolada pelo Ministério Público na ação penal eleitoral nº 446-94.2016.6.21.0051, para esta fazer afirmação falsa e negar a verdade sobre fato penalmente relevante em depoimento judicial no processo criminal que apura a prática de crime eleitoral imputado à denunciada.

As condutas delitivas estão assim descritas no Código Penal:

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

§ 2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação:

Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

Em relação à primeira imputada – falso testemunho -, o exame dos autos demonstra que MARIA CRISTINA prestou depoimento em juízo no dia 16.5.2017, afirmando não ter presenciado o suposto ato de oferecimento de vantagem, de forma diversa do que teria declarado, quando da notícia do fato (antes da propositura da ação), no Ministério Público.

Vejamos:

[...]

Testemunha: Na hora que ele foi; que pediu o exame da mãe, nós cheguemo lá e ele pediu o exame da mãe e ficamos esperando pra marcar. Daí eu disse: “Oh Jair, eu vou ali no banheiro, aí tu marca ali pra a mãe, já vai marcando, adiantando”. Daí ele, quando eu cheguei, ele já tava brabo, já tava tudo aquilo ali. Tava brabo, dizendo que ela tava tentando comprar o voto dele.

[…]

Testemunha: Desde que ele votasse nela, deu o cartãozinho pra ela. Ele tinha o cartãozinho na mão, não sei se ela deu ali ou se ele já tinha aquilo ali né. Daí ele disse que...

Ministério Público: Quando ele chegou lá no posto, ele tinha o cartão; o santinho?

Testemunha: Se ele tinha, era no bolso dele. Eu não vi.

Ministério Público: E quando a senhora então saiu do banheiro, como a senhora está relatando, a senhora viu que ele tinha um…

Testemunha: Daí nós estava vindo embora, já estava pronto. Ele já tinha passado ali pra marcar a consulta dela. E já estava pronto e nós…

Ministério Público: Quando ele saiu do banheiro, a senhora…

Testemunha: Eu.

Ministério Público: viu que ele tinha um material de campanha, um santinho?

Testemunha: Ele tinha na… ele pegou puxou do bolso aquele santinho e disse: “Oh o que ela me deu querendo comprar meu voto”. Daí eu disse: “Tá, ela marcou a consulta da mãe?”. Marcou e daí foi onde ele me contou o que aconteceu e queri; me convidou pra vim aqui. Na hora eu não queria vim, né. Que nóis tinha saído pra comprar as coisas pra fazer meio dia, não tinha saído pra o posto pra marcar consulta. Daí eu só passei ali pra ver o dia da consulta, que tinha marcação pra consulta da mãe e daí foi onde já aconteceu tudo isso. Invés de nóis ih fazer o que nóis saímo fora de casa pra fazer, vienhemo pra cá.

A ocorrência do falso testemunho foi confirmada pela própria ré, que prestou novo depoimento em 05.12.2017, com outra versão dos mesmos fatos (a mesma apresentada no Ministério Público):

[…]

Ministério Público: Dona Maria Cristina, a denúncia aqui da prática do delito de falso testemunho a senhora teria feito uma comunicação sobre um fato junto com o Jair lá na Promotoria, depois da denúncia a senhora prestou um depoimento, depois que a senhora prestou este depoimento, a senhora foi até a Promotoria e disse lá na Promotoria que tinha mentido naquele depoimento, por isso a denúncia do falso testemunho. É isso?

Interrogando (a): É.

[…]

Ministério Público: Não, no seu depoimento? Quando a senhora veio aqui e teria dito diferente do que disse lá na Promotoria.

Interrogando (a):Maria: daí dizer a verdade do que aconteceu?

Ministério Público: exato. A senhora conte pra nós o que que aconteceu?

Interrogando (a): tudo começou que eu e o jair, meu ex-companheiro, nos fomo marcar uma consulta para minha mãe que tinha baixado o posto lá de diabetes…

Ministério Público: Dona Gema?

Interrogando (a): É, dona gema, ela tava bem doente…

Ministério Público: Sim.

Interrogando (a): daí nós fomo lá no postinho da Chácara dos Leão lá, postinho Padre Oreste,…

Ministério Público: Sim.

Interrogando (a):Maria: marcar uma consulta. Aí cheguemo lá e perguntemo que dia nos poderia marcar esta consulta pra mãe que estava bem doente, tava 500 e pouco de diabete. Daí ela disse que não teria…

Ministério Público: Ela quem?

Interrogando (a): a moça que trabalha no postinho, eu não sei o nome dela.

Ministério Público: uma das acusadas aqui?

Interrogando (a): É, aquela que estava aqui.

Ministério Público: Aquela que tava na audiência agora ha pouco?

Interrogando (a): É. Ela disse que não teria como marcar só para daqui a mais de um mês teria pra marcar, antes não teria, não teria como agendar ali. Daí, tá, daí nos perguntemo pra quando, ela falou lá ia demorar. Daí ela pegou e perguntou pra nós, do nada, se nós já tinha candidato que nós tinha pra quem votá, era o tempo das eleição. Daí eu disse que não tinha, nós falemo que não e eu nem aqui voto, eu voto em Novo Hamburgo, mas eu não falei pra ela, eu disse que não, nós não tinha candidato nenhum. Ela começou a falar bem da cigana o que a cigana já fez, o que ela fez na UPA na Scharlau, falou bem dela. Daí ela, deixa eu ir lembrando os fato, daí ela disse pra nós que conseguiria agendar pra mãe pra antes. A palavra dela pra mim e o jair foi: “vocês me ajudam e eu ajudo vocês”. Daí pegou e deu um santinho pra nós pra nós votar na cigana e marcou pra mãe pra antes do prazo que ela disse que teria, marcou pra poucos dia.

Ministério Público: sim.

Interrogando (a): Consulta pra mãe. E nós peguemo, peguemos e deixemo ela marcar, a mãe tava ruim, deixemo ela marcar igual. Peguemo o santinho e saimo de lá foi aonde eu e o jair tomemo a decisão de vir aqui denunciar ela depois da…

Ministério Público: Aqui na Promotoria?

Interrogando (a): Neste prédio do lado ali.

Ministério Público: Vocês falaram comigo?

Interrogando (a): contigo. Daí nós viemo ali e falemo contigo e denunciamo o que tinha acontecido.

Ministério Público: Tá. E lá na Promotoria eu peguei estas informações, então ofereci uma denúncia contra a vereadora e a servidora do posto que teria lhe dado o santinho.

Interrogando (a): Daí ela pegou e abriu, depois que ela falou bem da cigana e coisa, ela abriu uma gaveta que tinha na mesa que ela tava trabalhando ali do lado dela e tirou um santinho e foi assim por cima da mesa assim encostando na mesa, sabe? Deu pra mim e eu (inaudível) o santinho e pegou e marcou ali agendou a consulta da mãe.

Ministério Público: Depois a senhora veio prestar um depoimento sobre isso, recorda da outra audiência?

Interrogando (a): da primeira?

Ministério Público: Isso.

Interrogando (a): Aham.

Ministério Público: tá. E o que que a senhora disse naquela ocasião?

Interrogando (a): Eu disse que eu não tinha visto nada, que eu não tava junto, mas eu tava junto.

Ministério Público: E por que que a senhora mudou o seu depoimento?

Interrogando (a): Eu disse que eu não tava junto, eu não queria, eu tava com medo de pegar e falar a verdade ali no dia da audiência, tava com medo.

[…]

Como se percebe, MARIA CRISTINA teria afirmado, quando compareceu ao Ministério Público, haver presenciado o suposto oferecimento da vantagem em troca de voto. Em seu primeiro depoimento em juízo (16.5.2017), como testemunha, negou o fato, afirmando estar afastada – no banheiro – quando da perfectibilização da compra de voto. Em 05.12.2017, novamente em juízo, MARIA CRISTINA retratou-se do primeiro depoimento judicial e afirmou ter presenciado o recebimento do santinho e a corrupção eleitoral.

Sobre o delito de falso testemunho, este se classifica como crime próprio, o que significa dizer que somente pode ser cometido pelos agentes enumerados no próprio tipo penal - a testemunha, o perito, o contador, o tradutor ou o intérprete -, nas circunstâncias também definidas pela norma incriminadora.

Acerca da possibilidade de existência de concurso de pessoas no crime de falso, NUCCI afirma que entende perfeitamente admissível, na modalidade de participação, acrescentando que:

Nada impede, tecnicamente, que uma pessoa induza, instigue ou auxilie outra a mentir em juízo ou na polícia. O crime é de mão própria: embora isso queira significar ter o autor de cometê-lo pessoalmente, nada impede tenha ele o auxílio de outrem. […] Na doutrina: ANTONIO CARLOS DA PONTE, admitindo a possibilidade de punição da pessoa que induz, instiga ou auxilia outra a cometer o falso (Falso testemunho no processo, p. 49-50); LUIZ REGIS PRADO, no mesmo sentido (Falso testemunho e falsa perícia, p. 121-126 e 146); FERNANDO JOSÉ DA COSTA (O falso testemunho, p. 78 e 83), acrescentando, inclusive, com nitidez, a posição do advogado partícipe: “Com relação ao advogado ser partícipe ou não do crime de falso testemunho, posição preferível é aquela que entende possível a participação do advogado como partícipe desse crime. O advogado pode e deve orientar a testemunha, porém jamais poderá induzi-la, auxiliá-la ou instigá-la à prática do falso testemunho. Tal conduta configura a participação no crime de falso testemunho”.

(NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado – 17. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, edição eletrônica.)

A abalizada doutrina é prestigiada em precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Cito, ilustrativamente:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. CRIME DE FALSO TESTEMUNHO. AUSÊNCIA DE REINQUIRIÇÃO. TEMA NÃO ANALISADO PELA CORTE LOCAL. NÃO OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 2. CONCURSO DE AGENTES. ADVOGADO DENUNCIADO COMO PARTÍCIPE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 3. RECURSO EM HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO.

1. O Tribunal de origem não apreciou o fato de que não houve a reinquirição das testemunhas. O instrumento processual correto para se sanar eventual omissão são os embargos de declaração, os quais não foram opostos pelo recorrente. Assim, não tendo a Corte local se manifestado sobre o tema, tem-se supressão de instância, o que inviabiliza o exame do tema pelo Superior Tribunal de Justiça.

2. A Corte local assentou que "os Tribunais Superiores têm entendimento pacificado no sentido de que advogado pode ser partícipe em crime de falso testemunho". De fato, é "perfeitamente admissível, na modalidade de participação, o concurso de agentes. Nada impede, tecnicamente, que uma pessoa induza, instigue ou auxilie outra a mentir em juízo ou na polícia". (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 14. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 1384). Precedentes.

3. Recurso em habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

(RHC 106.395/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26.3.2019, DJe de 16.4.2019.)

Nessa linha, é de se entender que MARIA CRISTINA FERNANDES pode responder pelo delito, na qualidade de testemunha, e EDITE RODRIGUES LISBOA, na condição de partícipe, visto que a atuação da segunda teria sido, em tese, determinante para a ocorrência do depoimento inverídico sucedido em 16.5.2017.

Ocorre que o § 2º do art. 342 do Código Penal determina que o fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que se deu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade. É exatamente o caso dos autos.

Valho-me, mais uma vez, da doutrina de NUCCI, que advoga a extensão da extinção da punibilidade aos coautores e partícipes, dado que “não havendo cabimento – dentro da teoria monista adotada para o concurso de pessoas – que alguns sejam punidos e outros não”.

De fato, considerando que o comando legal estabelece que “o fato deixa de ser punível”, não fazendo qualquer referência aos supostos autores, mas sim à própria existência do crime, não haveria sentido exonerar MARIA CRISTINA da imputação e prosseguir na apuração em relação à EDITE.

Nesse sentido, também vai o Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 342, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. JUSTA CAUSA. RETRATAÇÃO DA TESTEMUNHA. EXTENSÃO À PACIENTE, DENUNCIADA POR ORIENTAR, INSTRUIR E INFLUENCIAR AQUELA.

I - É possível a participação no delito de falso testemunho. (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso).

II - A retratação de um dos acusados, tendo em vista a redação do art. 342, § 2º, do Código Penal, estende-se aos demais co-réus ou partícipes.

Writ concedido.

(HC 36.287/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17.5.2005, DJ de 20.6.2005, p. 305.)

Verifico que a sentença absolveu as rés MARIA CRISTINA e EDITE quanto à imputação de falso testemunho, “considerando que nem a materialidade, nem a autoria delitiva restaram demonstradas de forma suficiente ao longo da instrução”.

A meu ver, é cabível a absolvição por ter sido constatada circunstância que exclui o próprio crime, de forma que entendo por negar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral no ponto, mantendo a absolvição, o que faço, no entanto, com fundamento no art. 386, inc. VI, do Código de Processo Penal.

Quanto à corrupção de testemunha, a denúncia imputa à EDITE RODRIGUES LISBOA a conduta de oferecer dinheiro e vantagem à testemunha Jair Silva de Mello, arrolada pelo Ministério Público nesta ação penal eleitoral, para que este fizesse afirmação falsa e negasse a verdade sobre fato penalmente relevante em seu depoimento judicial acerca dos fatos aqui apurados (art. 343, parágrafo único, do Código Penal).

Constou na acusação que

a denunciada Edite, de forma pessoal e também por interposta pessoa, um servidor público vinculado à Secretaria Municipal de Esportes de Lazer, identificado por Jair como Rogério, ofereceu à testemunha o valor R$ 600,00 (seiscentos reais) para pagar um conserto do seu automóvel, bem como prometeu lhe dar um emprego no ginásio de esportes do município, especificamente uma obra de reforma de banheiros e grades da quadra de esporões, em troca orientando-lhe a afirmar no depoimento judicial que não a conhecia e que a pessoa que lhe alcançou o “santinho” dentro do posto de saúde também não era sua conhecida.

Ainda, mandou a testemunha afirmar em juízo que tinha encontrado os santinhos na rua e que no dia em que esteve na promotoria fazendo a denúncia estava muito nervoso e que tinha se enganado em relação à entrega do “santinho”.

Para tanto, a denunciada abordou pessoalmente e por telefone a testemunha Jair, chegando a marcar com ela dois encontros. Em pelo menos um deles, na rodoviária, a testemunha Jair compareceu e conversou pessoalmente com a denunciada, ocasião em que a vantagem em dinheiro lhe foi oferecida. Além desse encontro pessoal com a denunciada Edite, a exemplo do modo de agir já empregado com a testemunha Mana Cristina, a denunciada "Cigana", agora através de servidor público que trabalha na Secretaria de Esportes e Lazer do Município, identificado por Rogério, deu orientação para a testemunha não vir na audiência de instrução sob a promessa de conseguir o trabalho na obra do ginásio de esportes.

Diante do assédio e dos constrangimentos impostos às duas testemunhas arroladas na denúncia pelo Ministério Público Eleitoral, a promotoria requereu a aplicação de medida cautelar diversa da prisão, com fundamento no art. 319, inciso III, do Código de Processo Penal, consistente em proibição de contato pessoal ou por terceiros, incluindo servidores públicos e/ou agentes políticos, inclusive por telefone, com qualquer testemunha arrolada pelo Ministério público na denúncia ou no curso da ação penal, devendo a proibição ser estendida aos familiares das testemunhas.

[…]

Mesmo após a intimação desta proibição, a testemunha Jair da Silva de Mello foi mais uma vez contatada e assediada por telefone pela denunciada Edite, conforme narrou na Promotoria de Justiça Eleitoral em declarações prestadas na data de 19 de junho de 2017(termo de declarações de fls. 317/318).

O acervo probatório constante nos autos não ampara juízo condenatório.

Embora sejam mencionados na denúncia telefonemas e encontros pessoais, nenhum elemento que pudesse comprovar a efetiva ocorrência de promessas no sentido de cooptar a testemunha foi produzido nos autos.

Em seu recurso, o Parquet também não se desincumbiu de apontar especificamente as provas que entende aptas a comprovar a ocorrência dos fatos narrados.

Assim, deve ser negado provimento ao recurso no ponto, mantendo-se a absolvição, por ausência de provas, da imputação da prática do delito do art. 343, parágrafo único, do Código Penal.

 

Des. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:

VOTO-VISTA MÉRITO

Em relação à prática do crime de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral) imputado às rés Edite Rodrigues Lisboa e Rozelaine Pereira, após a análise acurada dos autos, tenho que não é caso de provimento do recurso criminal, mas, sim, de manutenção da sentença absolutória.

O crime imputado às rés é o de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), conforme reprodução que vai abaixo:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa. (Grifo nosso)

Este é um tipo penal que exige a conduta dolosa do agente, tem a natureza jurídica dos crimes comissivos e, para que seja preenchido, é necessário que esteja provada a conduta dolosa do acusado, no intuito de “dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção”.

O fato imputado às acusadas, segundo denúncia do Ministério Público Eleitoral (fls. 02-04), é o seguinte:

No dia 14 de setembro de 2016, por volta das 09h20min, no interior do Posto de Saúde Municipal Padre Orestes, localizado na Rua João Antônio Koch, sem número, Bairro Santos Dumont, nesta Cidade, a denunciada EDITE RODRIGUES LISBOA, candidata ao cargo de Vereadora registrada na Justiça Eleitoral pelo nome da “Cigana” (nome que consta na urna eletrônica), nº de registro 40234, em concurso de vontades e ações com a servidora pública municipal ROZELAINE PEREIRA, chefe da Unidade Básica de Saúde à época (cargo em comissão), ofereceram e prometeram vantagem com o fim de obtenção de votos em favor da candidata “Cigana”, do Partido Socialista Brasileiro, no pleito de 02 de outubro vindouro. Na ocasião, o munícipe Jair Silva de Mello, acompanhado de sua companheira Maria Cristina Fernandes, compareceu no posto de saúde para agendamento de uma consulta para sua sogra, sendo atendido pela denunciada Rozelaine Pereira, que o indagou se era eleitor de São Leopoldo. Com a resposta positiva, a denunciada Rozelaine solicitou ajuda eleitoral para a denunciada “Cigana”, entregando-lhe, dentro do posto, cinco santinhos desta candidata, que foram retirados do interior de uma gaveta do balcão de atendimento, pedindo que votasse nela. O pedido veio acompanhado da promessa de que se o eleitor votasse na denunciada “Cigana”, sua sogra seria atendida com preferência, chegando a agendar a respectiva consulta para a data de 30 de setembro de 2016, uma sexta feira, dois dias antes do pleito, para atendimento com o Dr. Diogo (vide documento de agendamento da consulta constante à fl. 07 do expediente).

Conforme a sentença, as denunciadas foram absolvidas por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal (fls. 1167-1215).

Contra a decisão, o Ministério Público Eleitoral interpôs recurso criminal (fls. 1219-1233) buscando a reforma da sentença e a condenação das acusadas, nos termos da denúncia. O recurso, em síntese, pretende demonstrar a higidez da prova testemunhal (Jair Silva de Mello e Maria Cristina Fernandes) e da prova documental advinda da busca e apreensão de santinhos, localizados em gaveta do balcão de atendimento do Posto de Saúde, ocorrida na Representação n. 42-74.2016.6.21.0073.

A solução para o presente processo criminal, data venia, está justamente em realizar a análise do material probatório existente nos autos, e, portanto, identificar se existe a materialidade do fato.

O conjunto probatório, todavia, não comprova que Rozelaine Pereira ofereceu vantagem para Jair Silva de Mello em troca da promessa de voto em favor de Edite Rodrigues Lisboa. Da mesma forma, não restou demonstrado sequer que Edite Rodrigues Lisboa tivesse eventualmente concorrido com qualquer conduta adotada por Rozelaine Pereira.

Note-se que, no recurso do Ministério Público Eleitoral, na fl. 1233 dos autos, há menção que merece destaque deste julgador:

Resta bastante claro, portanto, que era plenamente possível que a acusada Rozelaine Pereira, mediante entrega de santinhos da candidata para quem assumidamente trabalhava como cabo eleitoral, antecipasse a consulta da Sr. Gema Bonetti (sobre de Jair da Silva Mello) – como efetivamente ocorreu – em retribuição à promessa de votos para a acusada Edite Rodrigues Lisboa (…). (Grifo nosso)

Embora seja, sim, “plenamente possível” a ocorrência do fato relatado pela testemunha Jair da Silva Mello, que foi integralmente reproduzido na denúncia do Ministério Público Eleitoral, a mera possibilidade do cometimento de um crime não é suficiente para a condenação criminal.

Analisando a prova dos autos, não há certeza de que houve o ato comissivo que o tipo penal exige.

Em relação à ré Edite Rodrigues Lisboa, não há nos autos material probatório capaz de comprovar coparticipação em eventual conduta imputada à corré Rozelaine Pereira. Embora exista relação anterior entre as rés, tanto de trabalho como de amizade, ausente prova que demonstre o conhecimento da ré Edite Rodrigues Lisboa sobre qualquer conduta eventualmente praticada por Rozelaine Pereira.

Apesar dos argumentos do ilustre relator, tenho que não restou provado que a ré Edite Rodrigues Lisboa tenha entabulado acordo prévio ou aderido à suposta conduta delituosa de Rozelaine Pereira.

Em relação à ré Rozelaine Pereira, necessário analisar os meios probatórios que, em tese, poderiam embasar a imputação do tipo penal. O recurso criminal interposto pelo Ministério Público Eleitoral, como já referido, pretende demonstrar a higidez da prova testemunhal e da prova documental advinda da busca e apreensão de santinhos, ocorrida na Representação n. 42-74.2016.6.21.0073.

O testemunho de Maria Cristina Fernandes, ainda antes de tornar-se corré nestes autos, não merece credibilidade. A testemunha alterou a versão dos fatos, sendo inclusive denunciada pelo crime de falso testemunho (art. 342 do Código Penal). Inicialmente, disse que não havia presenciado o fato delituoso (fls. 284-286), ao depois, referiu que presenciou o fato e sentia-se ameaçada (fls. 292). Observe-se o trecho, extraído da sentença, que demonstra a pouca credibilidade da citada testemunha (fls. 1177-1180):

Em outra solenidade (para a qual também não compareceu a testemunha JAIR, em que pese intimado), passou-se a oitiva da testemunha de acusação MARIA CRISTINA FERNANDES, a qual ao ser questionada em juízo sobre os motivos pelos quais havia sido chamada a depor, indicou que naquela data foi informada, indicando que seria decorrência da denúncia feita por JAIR. Esclareceu que JAIR teria ido aqui do lado do Fórum (referindo-se à Promotoria de Justiça) denunciar que teriam tentado comprar um voto dele quando ele foi até o Posto de Saúde marcar um exame para sua mãe. Referiu que naquela oportunidade, a moça que estava atendendo ali no postinho tentou comprar, dizendo que marcaria a consulta de sua mãe para momento anterior, caso ele votasse na Cigana, acrescentando que ela (Cigana) daria uma mão pra ele, e ele daria uma mão pra ela. Afirma que os fatos que narrava teriam lhe sido contados por JAIR, sustentando que ela própria não viu esta situação, já que estava no banheiro. Disse que quando retornou, o marido já estava brabo e referindo que a moça do posto tentava comprar seu voto, sugerindo imediatamente que fossem até o Ministério Público fazer a denúncia. Perguntada, confirma que a tentativa de comprar o voto ocorreu sob a justificativa de antecipar a marcação de uma consulta médica, esclarecendo que em troca do voto em Cigana a funcionária do Posto de Saúde se comprometeu a marcar a consulta médica de sua mãe para um dia mais próximo. Aponta que o marido JAIR tinha em sua mão um cartãozinho da candidata Cigana, não sabendo dizer se lhe foi entregue pela funcionária ou se ele já tinha consigo. Confirma que ao sair do banheiro o marido puxou do bolso o santinho para lhe mostrar e disse: olha aqui o que ela me deu pra comprar o meu voto. Relata ter perguntado ao marido se a consulta havia sido marcada, momento em que ele lhe contou toda a história, convidando-a para ir até o Ministério Público fazer a denúncia. Confirma ter ido com o seu marido até o Ministério Público naquele dia, mas não se recorda quem os atendeu, apenas que o Promotor conversou com ele. Novamente, reafirma não ter visto o momento em que a funcionária deu o santinho ao marido e tentou comprar seu voto, afirmando que apenas está relatando o que o marido lhe contou naquela oportunidade. Não sabe dizer se a consulta foi mesmo antecipada e se realmente não havia nenhum horário antes daquele dia. Apresentada ao santinho da fl. 13, confirma que seu marido lhe apresentou papel semelhante. Perguntada sobre onde estaria JAIR, referiu não saber, uma vez que haviam se separado e ele vive viajando, porque trabalha vendendo abacaxi na rua. Referiu que logo depois do episódio se separaram e não mantiveram mais contato, estando separados há meses. Sobre sua mãe, diz que atualmente está bem, sendo muito bem tratada no posto de saúde onde mantém seu tratamento. Perguntada sobre quem teria sido a pessoa que atendeu seu ex-marido no Posto de Saúde, refere ser uma pessoa loira, que não saberia mais identificar em razão do decurso do tempo. Não soube dizer de onde foi retirado o material (santinho) naquele momento, destacando que JAIR relatou que ela tinha ali os materiais, mas que ela própria não viu essa situação. Refere que hoje, conhecendo JAIR, não pode sequer afirmar que ele tenha recebido o santinho no Posto de Saúde, indicando que ele possa ter inventado essa história toda, já trazendo consigo o santinho antes de chegar ao local. Confirma, mais uma vez, que saíram do Posto de Saúde e vieram diretamente ao Ministério Público para fazer a denúncia. Indicou que não queria vir ao Ministério Público, porque não tinha presenciado os fatos. Perguntada, confirma que não houve pedido de votos para si. Ao ser questionada sobre os seus apontamentos a respeito da personalidade de JAIR, esclarece que soube tanta coisa dele no local em que moravam (Bairro Santo Afonso), a respeito de um período em que esteve preso, dos filhos que possuía, do uso de drogas que fazia, que não acredita mais em uma palavra do que ele fala. Sobre as consultas que precisa marcar para sua mãe, indicou que é sempre ela própria (a testemunha) quem faz estas marcações de médicos para sua mãe. Nega que no caminho entre o Posto de Saúde e o Ministério Público JAIR tenha sido influenciado ou direcionado por alguém para fins de fazer a denúncia. Disse que JAIR vota no Vanazzi (referindo-se ao candidato à Prefeitura). Confirma que JAIR também fazia campanha para o candidato a Vereador Ary Moura. Perguntada, indicou que recebe o benefício auxílio-reclusão em razão da prisão do pai do seu nenê. Dias mais tarde, no entanto, em 24 de maio de 2017, a testemunha MARIA CRISTINA FERNANDES compareceu espontaneamente na Promotoria de Justiça Eleitoral para prestar informações a respeito do depoimento da audiência anterior (fl. 292). Na oportunidade, relatou que próximo ao dia da solenidade, não teve mais sossego, recebendo pressão de pessoas que sequer conhecia e que queriam conversar a respeito dos fatos ocorridos no Posto de Saúde. Relatou que duas pessoas, um homem e uma mulher, que se apresentaram como funcionários do SEMAE foram até a casa em que reside com a mãe e indicaram que fariam tudo para ajudar a Cigana, porque ela era muito amiga deles e que era para vir aqui (Promotoria) e negar todos os fatos. Referiu que por morar em uma invasão e depender do SEMAE para manter o fornecimento de água, se sentiu ameaçada e com medo, razão pela qual prestou depoimento com conteúdo diverso daquilo que havia sustentado anteriormente na Promotoria de Justiça, quando ela e JAIR fizeram a denúncia. Reforçou que a verdade seria a de que Cigana realmente tentou comprar os votos, e que gostaria de ter uma nova chance de depor e falar a verdade. Esta situação causa estranheza ao Magistrado, principalmente em razão da postura calma e serena adotada pela testemunha quando da audiência (traços bastante atípicos para as testemunhas que são ameaçadas antes de depor, inclusive porque muitas delas sequer comparecem nestas situações), não revelando nenhum traço da pressão ou do medo invocado no relato extra-autos feito ao Ministério Público, conforme constou no termo de declarações da fl. 292. Mais estranho ainda se revelou o fato de que uma testemunha que revela ter (supostamente) sido ameaçada para depor em um determinado sentido comparece ao Ministério Público para apontar seu interesse em se retratar e, subitamente, vira Ré em processo criminal. (Grifo nosso)

O testemunho prestado em juízo por Maria Cristina Fernandes foi posteriormente alterado perante o Ministério Público Eleitoral, não sendo capaz de embasar condenação criminal.

Sobre a oitiva de Jair Silva de Mello, eleitor supostamente corrompido, na condição de informante, mantém-se a incerteza sobre a veracidade dos fatos. Ao confrontar os testemunhos de Jair Silva de Mello (fls. 961-981), vereador Ary Moura (fls. 1055- 1059) e Jacy Moura (fls. 1059-1063), verifica-se a tentativa de velar uma relação de amizade e militância. Jair Silva de Mello é filiado ao PDT (fl. 269) e mantém relação de amizade com os opositores políticos da acusada Edite Rodrigues Lisboa (filiada ao PSB).

O testemunho de Jair Silva de Mello apresenta contradições: em um primeiro momento, alega ter recebido o “santinho” em troca de vantagem. Após, nega o fato.

Soma-se o fato de não constar nos autos nenhum testemunho, nem dos usuários do SUS, nem dos servidores públicos e demais colaboradores, que confirme a acusação realizada por Jair Silva Mello. Ao contrário, os testemunhos dos funcionários do posto de saúde (Ariel da Silva Pereira, Diogo Braggio, Arlete e André Luis) demonstram que ninguém mais presenciou o fato relatado por Jair Silva de Mello. Mais que isso, as mesmas testemunhas asseguraram que não houve nenhum favorecimento para o atendimento de Gema Bonetti (sogra de Jair Silva Mello).

Observe-se que o crime teria ocorrido na recepção de um posto de saúde, local público com grande fluxo de usuários, servidores e demais colaboradores, sendo natural que outras pessoas presenciassem o fato. Todavia, a prova testemunhal ficou restrita ao próprio denunciante.

Outro elemento que merece análise é a Representação n. 42-74.2016.6.21.0073 (Propaganda Eleitoral Irregular), na qual, diante do deferimento da medida de busca e apreensão, foi realizada diligência que resultou na localização, pelo oficial de justiça designado para o ato, de 34 santinhos (panfletos de propaganda eleitoral) da candidata recorrida (Edite Rodrigues Lisboa), os quais foram encontrados na gaveta do balcão de atendimento do posto de saúde.

Tal material probatório demonstra, cabalmente, que existiam os panfletos eleitorais no local do fato, o que sequer fora negado por Rozelaine Pereira. A ré é declaradamente militante, mas nega ter realizado qualquer das condutas previstas no art. 299 do Código Eleitoral. O fato de haver panfletos no local é um forte indício, mas não é capaz de demonstrar que houve a conduta comissiva por parte de qualquer das rés.

Mesmo que os panfletos eleitorais pertençam à ré Rozelaine Pereira, o tipo penal previsto no art. 299 do Código Eleitoral não trata dos verbos “possuir” ou “portar” propaganda eleitoral, mas, sim, “dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção”, o que não restou minimamente provado.

O que existe nos autos, após anos de tramitação processual, é a contraposição de versões entre as acusadas (Edite Rodrigues Lisboa e Rozelaine Pereira) e o eleitor que realizou a denúncia perante o Ministério Público (Jair Silva de Mello). Há dúvida real sobre a materialidade do delito e sobre a autoria das rés, o que inviabiliza o provimento recursal.

Sobre o tema, releva colacionar precedente do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVOS REGIMENTAIS. AGRAVOS. RECURSOS ESPECIAIS. PREFEITO. AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA ACERCA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DO DELITO, BEM COMO DO DOLO ESPECÍFICO DO CANDIDATO. PROVIMENTO.1. A condenação, no que tange à alegada transgressão ao art. 299 do Código Eleitoral, baseou-se em prova testemunhal frágil e discrepante.2. A dúvida a respeito do que teria efetivamente ocorrido já seria bastante para conduzir à absolvição, pois a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que "a condenação deve amparar-se em prova robusta pela qual se demonstre, de forma inequívoca, a prática de todos os elementos do fato criminoso imputado aos réus" (AgR-REspe 52-13, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 14.3.2017).3. Para a caracterização do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, não basta desqualificar a versão defensiva sobre quem estaria dirigindo o veículo no momento do acidente, sendo necessário demonstrar que o pagamento do conserto teve por finalidade a corrupção eleitoral. 4. No caso, não houve a comprovação do dolo específico, isto é, que o pagamento do conserto do veículo teria por finalidade a compra dos votos, tendo a condenação sido baseada na presunção de que não haveria razão plausível para o então candidato a prefeito ter arcado com os custos do conserto. 5. A condenação merece ser revista, haja vista a ausência de prova robusta acerca da materialidade e da autoria do delito, bem como do dolo específico do candidato consistente na finalidade de obter ou dar voto ou prometer abstenção mediante entrega ou promessa de benesse ou vantagem a eleitor , necessário para a configuração do crime de corrupção eleitoral. 6.O reconhecimento da deficiência nos fundamentos da condenação não implica o revolvimento da moldura fático-probatória, vedada pelo verbete sumular 24 desta Corte, mas, sim, o reenquadramento jurídico dos fatos, providência admitida na estreita via do recurso especial eleitoral. Precedentes.Agravos regimentais a que se dá provimento, a fim de, desde logo, prover os recursos especiais.

(Recurso Especial Eleitoral n. 47570, Acórdão, Relator Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 13.12.2018.) 

Dessarte, diante da ausência de provas suficientes a demonstrar o preenchimento do tipo penal previsto no art. 299 do Código Eleitoral, impõe-se manutenção da sentença absolutória, com o consequente desprovimento do recurso.

No que se refere à corrupção ativa da testemunha no curso do processo, igualmente é de ser mantida a sentença:

Por tudo o que foi dito, nenhuma das imputações formuladas na denúncia e no aditamento merecem guarida, sendo a absolvição de todos os envolvidos medida impositiva.

Constatado o curioso e espúrio entrelaçamento das testemunhas JAIR, ARY e JACY, quando afirmam e negam os fatos por eles apresentados nos depoimentos, sequer falando em contradições entre as testemunhas, mas contradições contidas no bojo de cada depoimento. Demonstram estas contradições o nítido intuito de sonegar do juízo fatos importantes, a relação entre os três que levou à montagem do processo.

Dando causa à instauração da ação penal por espírito vingativo ou lucro eleitoral, não pode o Poder Judiciário compactuar com manobras escusas; ao contrário, deve coíbi-las, de modo a afastar a utilização do aparato judicial para satisfação da própria cupidez.

Em relação ao crime de falso testemunho imputado à ré MARIA CRISTINA, constata-se que, em sua segunda oitiva em juízo, houve a retratação voluntária e integral em relação às declarações supostamente inverídicas.

Dessa forma, tem incidência a causa de extinção de punibilidade prevista no art. 342, § 2º, do CP, consoante o qual:

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: (Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001)

[…]

§ 2o O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

Conforme bem constou na sentença recorrida:

Diante de todo este cenário, tenho que não há espaço para fins de acolhimento da acusação de falso testemunho que pende em desfavor da Ré MARIA CRISTINA, seja porque não houve demonstração de que a versão dada por ela em juízo seja falsa (a qual, reforço, penso ter sido verdadeira), seja porque houve retratação posterior, antes do trânsito em julgado, com o que afastados os elementos caracterizadores do tipo penal.

Assim, impõe-se o reconhecimento da extinção da punibilidade de MARIA CRISTINA em relação ao crime previsto no art. 342 do CP, de modo a absolver a ré com fundamento no art. 386, inc. VI, do CPP.

Com essas considerações, pedindo vênia ao Ilustre Relator, tenho por divergir do voto para: a) suscitar a preclusão da matéria em relação à incompetência do Juiz Eleitoral para julgar os crimes de falso testemunho e de corrupção da testemunha no curso do processo; b) reconhecer a conexão do crime eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral com os crimes de falso testemunho e de corrupção de testemunha no curso do processo, que constaram no aditamento da denúncia das fls. 353 a 357 dos autos. No mérito, voto pelo reconhecimento da causa extintiva da punibilidade em relação ao crime de falso testemunho e, quanto ao crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral e art. 343 do Código Penal, manter a sentença absolutória.

 

Des. André Luiz Planella Villarinho:

Acompanho o voto do Des. Thompson Flores.

 

Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

No mérito, entendo irretocável o bem lançado voto do eminente Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga quanto à análise da insuficiência probatória relativa ao crime de corrupção de testemunha imputado a EDITE e à extinção da punibilidade pela retratação da ré MARIA CRISTINA, nos termos do art. 342, § 2º, do CP, no tocante ao crime de falso testemunho.

Por outro lado, em que pesem as criteriosas ponderações tecidas no voto do ilustre Relator, entendo de acompanhar a divergência no que se refere à prova do crime de corrupção eleitoral.

Além do exame pessoal do acervo probatório e das judiciosas considerações trazidas pelo douto Des. Federal Thompson Flores, destaco como subsídio da minha convicção a percuciente sentença proferida pelo magistrado a quo, Dr. José Antônio Prates Piccoli, que examinou a integralidade da prova produzida, com acuidade e profícuo detalhamento.

A presente persecução penal foi deflagrada por provocação de JAIR SILVA DE MELLO (fl. 12), que compareceu à Promotoria de Justiça Eleitoral para noticiar que, ao ser atendido no Posto de Saúde Padre Orestes, pretendendo agendar consulta médica para sua sogra, GEMA BONETTI, e acompanhado de sua esposa, MARIA CRISTINA FERNANDES, teria sido indagado pela diretora da unidade de saúde, ROZELAINE PEREIRA, sobre a sua condição de eleitor do município de São Leopoldo e que, ao responder positivamente, recebeu da servidora cinco “santinhos” da candidata Cigana, seguidos de pedidos de voto como condição para a prioridade no atendimento.

Assim, o acervo probatório produzido nos autos restringiu-se à colheita de provas testemunhais, aos depoimentos das partes e aos “santinhos” apreendidos no posto de saúde.

Destaco os pontos a seguir.

a) Da testemunha MARIA CRISTINA FERNANDES.

MARIA CRISTINA, esposa de JAIR e apontada à Promotoria de Justiça como testemunha presencial dos fatos, ouvida em juízo na condição de testemunha de acusação, afirmou não ter visto a entrega dos “santinhos” nem o momento do pedido de votos, pois estava no banheiro durante os supostos acontecimentos, vindo a ter conhecimento dos fatos somente a partir do relato de seu próprio marido.

Não bastasse, em determinado trecho da narrativa dada em juízo, a testemunha passa a desacreditar a própria versão apresentada por JAIR, asseverando que não poderia afirmar que ele tenha recebido o “santinho” e que ele pode ter inventado a história toda e que “soube tanta coisa dele”, que “não acredita mais em uma palavra do que ele fala”.

Posteriormente, a testemunha compareceu ao Ministério Público Eleitoral para se retratar do depoimento prestado. Alegou que sofreu pressões e coações de dois funcionários da SEMAE próximos da candidata Cigana, e que, por morar em uma “invasão”, teve medo de ficar sem o fornecimento de água, o que a levou a prestar depoimento em sentido diverso dos acontecimentos.

Assim, ouvida, mais uma vez, em juízo, apresentou uma nova versão dos fatos, exatamente como narrados inicialmente por JAIR.

Em razão de tais incidentes, o Ministério Público Eleitoral promoveu o aditamento à denúncia, recebido pelo Juiz Eleitoral, para incluir a imputação do crime de coação no curso do processo relativamente a EDITE RODRIGUES LISBOA e do crime de falso testemunho em relação a MARIA CRISTINA.

Em paralelo, a mudança de versões acarretou importante registro do diligente magistrado sentenciante, próximo aos fatos e da produção de prova, quanto ao estado de ânimo da testemunha, conforme transcrevo:

Esta situação causa estranheza ao Magistrado, principalmente em razão da postura calma e serena adotada pela testemunha quando da audiência (traços bastante atípicos para as testemunhas que são ameaçadas antes de depor, inclusive porque muitas delas sequer comparecem nestas situações), não revelando nenhum traço da pressão ou do medo invocado no relato extra-autos feito ao Ministério Público, conforme constou no termo de declarações da fl. 292. Mais estranho ainda se revelou o fato de que uma testemunha que revela ter (supostamente) sido ameaçada para depor em um determinado sentido comparece ao Ministério Público para apontar seu interesse em se retratar e, subitamente, vira Ré em processo criminal. Enfim, são ponderações a serem feitas.

Portanto, o que se evidencia é que, em um primeiro momento, a testemunha asseverou não ter presenciado os fatos, apenas os relatando de forma indireta, isto é, conforme aquilo que ouviu de um terceiro, na hipótese, do próprio JAIR.

Em segundo momento, houve a retratação em virtude de supostas pressões e coações sofridas, as quais restaram sem confirmação material no conjunto probatório, mas que impingiram à testemunha a condição de ré em ação penal por falsidade testemunhal.

Nesse cenário, a presente prova testemunhal é frágil, contraditória e de desinteresse duvidoso, não servindo como respaldo a um decreto condenatório, consoante pacífica jurisprudência.

b) Da oitiva do denunciante JAIR SILVA DE MELO.

Por sua vez, quanto às declarações prestadas em juízo por JAIR SILVA DE MELO, entendo que, igualmente, a prova não demonstra a coerência e a credibilidade necessárias à condenação penal.

Evitando desnecessária tautologia, colho novamente a criteriosa análise procedida pelo magistrado sentenciante, que bem enumerou diversas contradições e fragilidades sobre pontos essenciais na oitiva de JAIR:

De pronto, e antes de passar à análise do próximo depoimento tomado, vejo-me obrigado a destacar as inúmeras controvérsias que se extraem dos relados prestados pela testemunha JAIR, que em diversos momentos MENTIU e alterou as informações acerca dos fatos que lhe foram perguntados. Primeiramente, mentiu sobre seu envolvimento com política e sobre sua relação com o político Ary Moura e seu irmão, Jacy Moura, com quem se encontra frequentemente na Câmara dos Vereadores, conforme registros de entradas no Gabinete deste fornecidas pela própria casa legislativa, além das fotos tiradas recentemente dando conta de que se encontram, a sós, mantendo uma relação de grande proximidade. Outro ponto que revela contradições em seus relatos diz respeito aos motivos que o levaram a faltar as audiências anteriormente designadas: em um momento, alega ter aparecido no fórum, mas não escutado o pregão; depois, confunde-se e diz que não compareceu em razão das supostas ameaças da Ré EDITE; mais tarde, novamente, retoma a versão de que teria vindo até o fórum, apenas não prestando depoimento porque não ouviu seu nome ser chamado.

 

Além disso, JAIR se confunde na história sustentada, tentando fazer parecer que houve um intervalo de dois ou três meses entre o seu comparecimento ao Posto de Saúde e o atendimento prestado à sogra. Ora, estes relatos são facilmente demonstrados como inverídicos por meio da análise dos documentos constantes dos autos: a denúncia feita por ele junto ao Ministério Público dá conta de que a tentativa de compra de votos teria ocorrido em 14 de setembro (e não em maio ou junho), e a consulta agendada para o mesmo mês. Mentiu, também, quando afirmou que não lhe foi passado nome de médico algum quando do agendamento da consulta, o que claramente ocorreu, já que tal nome consta nas informações que primeiro prestou ao Ministério Público.

 

Mentiu, ainda, quando afirmou (e indicou que os policiais presentes poderiam confirmar) que durante a condução para a audiência recebeu ligação telefônica de Cigana, fato este que foi firmemente desmentido pelo policial, em seu depoimento, como se verá a seguir.

 

Seguem as contradições quando o assunto foi Jacy Moura, irmão de Ary Moura, (a partir dos 36 minutos de gravação), quando JAIR fica alterado ao ser questionado a respeito de se conhecia o irmão de Ary Moura (a quem, em tese, só conhecia por jornais). Depois, diz que sequer sabe quem é o irmão de Ary Moura ou se este tem irmão e, segundos depois (antes que qualquer um dos presentes indique se tratar de Jacy Moura), ele próprio o trata por ¿Jacy¿, indicando que não só sabia de sua existência, como também de seu nome, contradizendo o que antes tentou esconder saber. Ainda, disse, em menos de 5 segundos, que Jacy tinha sido seu advogado; que não tinha sido seu advogado; que havia convivido com Jacy; que não havia convivido, mas trabalhado na casa dele, com obras. Por fim, disse que não mais falou com MARIA CRISTINA, mas depois afirmou que ela lhe confirmou que estava com medo de Cigana. É dizer: estas e outras contradições nos relatos de JAIR saltam aos olhos, retirando toda e qualquer credibilidade que poderia lhe ser atribuída enquanto principal testemunha da acusação, fazendo cair por terra toda a tese sustentada pelo Ministério Público, que se vê desprovida de sustentação.

 

Além da narrativa repleta de incongruências relativamente a detalhes básicos, salta aos olhos a parcialidade política do depoente.

Deveras, MARIA CRISTINA confirma que JAIR votava no candidato à prefeitura Vanazzi e também fazia campanha para o candidato a vereador Ary Moura, ambos opositores políticos de EDITE.

De igual modo, a testemunha de acusação GEMA BONETTI, mãe de MARIA CRISTINA, relatou que JAIR “se considera filho” de JACY MOURA, irmão de ARY MOURA, e fala sempre com muito carinho sobre eles e possui boa relação com ambos.

Outrossim, ADÃO TELMO RAMBOR, testemunha de defesa, ratificou a ligação de JAIR com o PDT e com o vereador ARY MOURA.

Também, no depoimento prestado por ROGÉRIO ROSA SPECHT, testemunha de defesa, restou afirmada a ligação de JAIR com o PDT e, em especial, com JACY e o vereador ARY MOURA, relatando frequentes encontros do denunciante com o parlamentar, inclusive no gabinete na Casa Legislativa. Relatou, ainda, que JAIR se intitulava filho de JACY, com falas como “vou conversar com meu pai”.

Saliento que a proximidade de JAIR com o PDT e com o vereador ARY e seu irmão JACY não é extraída apenas da prova oral.

Os relacionamentos e a militância de JAIR são corroborados pela prova documental produzida durante a instrução, incluindo a ficha de filiação do eleitor (fl. 269), por meio da qual se constata a filiação ao PDT desde 23.3.2017, pelos registros de entrada e saída da Câmara Municipal (fl. 430), os quais revelam que, no período de 23.01.2017 e 21.6.2017, JAIR esteve em cinco oportunidades no gabinete de ARY e que, por duas vezes, compareceu a reuniões com a bancada do PDT, bem como pelas fotografias (fls. 931-933), que demonstram sua relação próxima com o vereador ARY.

Portanto, novamente, a testemunha apresenta uma narrativa eivada de fragilidades e inconsistências, mantendo, ainda, claro engajamento político-partidário e relação íntima com os principais opositores eleitorais da ré.

Dessa forma, a prova, por si só, não se presta como sucedâneo de um decreto condenatório.

c) Da apreensão de material de campanha.

No cumprimento de ordem judicial de busca e apreensão, em 21.9.2016, foram encontrados 34 panfletos na gaveta do Balcão de Atendimento do Posto de Saúde na Vila Brás, sendo idênticos àquele entregue por JAIR quando da notícia ao Ministério Público Eleitoral.

Em sua defesa, ROZELAINE admite que guardava o material em sua gaveta na Unidade de Saúde, mas nega, porém, a distribuição do material no órgão público. Afirma que os “santinhos eram utilizados após o término do seu expediente, na parada de ônibus e durante o seu retorno ao lar, como divulgação da candidata EDITE".

O material coletado, embora capaz de corroborar a narrativa de JAIR no sentido de que recebeu a propaganda eleitoral na recepção do Posto de Saúde, indica, quando muito, a prática do ilícito civil de propaganda irregular, inclusive, apurado em sede própria, nos autos da Representação n. 42-74.2016.6.21.0073.

A prova, por si só, não subsidia a convicção a respeito da efetiva mercancia eleitoral, ou seja, do oferecimento de vantagem em troca de voto, uma vez que desacompanhada de qualquer outro elemento de credibilidade para tanto.

Destaco que, em juízo, JAIR relatou que sua sogra fora até o Posto de Saúde para a marcação de consulta, mas não havia mais disponibilidade de agenda. Assim, indignado, dirigiu-se até o local com sua esposa para tentar agendar a consulta, tendo em vista a condição de sua sogra, que requeria atendimento prioritário. Lá, foi recepcionado por ROZELAINE que – segundo ele - lhe disse que, se conseguisse votos para a candidata Cigana, a sua sogra receberia um encaixe para data próxima na agenda de atendimento, oportunidade na qual lhe foi entregue um “santinho” da candidata. Prossegue, dizendo que o mesmo procedimento ocorreu com relação aos demais presentes, sob o argumento de que quem conseguisse votos para Cigana teria consultas antecipadas.

Como se percebe, depreende-se do relato que a conduta se deu de modo explícito e aberto, diante de todos, nas dependências públicas do Posto de Saúde, o que é bastante incomum na conduta de corrupção eleitoral, a qual, em geral, é levada a efeito de modo velado, discreto, direcionando-se a eleitores selecionados.

De seus turnos, as testemunhas DIOGO BRAGGIO, ANDRÉ LUIS MORAES MELLO, ARIEL DA SILVA PEREIRA, todos médicos do Posto de Saúde, e ARLETE BONAPAZ KREVER, funcionária administrativa da mesma unidade, confirmaram que ROZELAINE gerenciava a marcação de consultas, porém disseram nunca terem visto distribuição de material de campanha ou qualquer prática político-eleitoral nas dependências do posto.

Desse modo, a prova é meramente indiciária da prática do crime, mas não confere certeza, nem mitiga as fragilidades das declarações de MARIA CRISTINA e JAIR, quanto ao contexto de eventual oferecimento de antecipação de consultas em troca de votos.

Conclusão.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é uníssona no sentido de que a prova testemunhal pode servir de amparo ao édito condenatório penal, porém, para tanto, os depoimentos devem ser claros, harmônicos, consistentes e detalhados.

In casu, entretanto, tenho que a prova das imputações restringe-se aos depoimentos prestados por JAIR e MARIA CRISTINA, testemunhas com íntima relação entre si, ambos apresentando narrativas confusas e contraditórias. Além disso, há fundadas dúvidas acerca de suas possíveis motivações políticas nas denúncias.

Cumpre ter especial cautela no contexto do acirrado quadro político-eleitoral de São Leopoldo, no qual a recorrida EDITE logrou a condição de vereadora mais votada do município nas eleições de 2016, com 3.380 votos, de modo que qualquer intervenção desta Justiça sobre as escolhas do eleitor, especialmente na orbe penal, deve se fundar em um conjunto probatório sólido e cabal quanto à participação das acusadas nos ilícitos imputados.

Destarte, diante de ausência de outros elementos de prova que, somados às declarações dos supostos eleitores corrompidos, consubstanciem um bloco acusatório coeso e uniforme quanto à materialidade do delito, impõe-se a absolvição das recorridas com base no princípio do in dubio pro reo, na esteira da jurisprudência:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVOS REGIMENTAIS. AGRAVOS. RECURSOS ESPECIAIS. PREFEITO. AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA ACERCA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DO DELITO, BEM COMO DO DOLO ESPECÍFICO DO CANDIDATO. PROVIMENTO.

1. A condenação, no que tange à alegada transgressão ao art. 299 do Código Eleitoral, baseou-se em prova testemunhal frágil e discrepante.

2. A dúvida a respeito do que teria efetivamente ocorrido já seria bastante para conduzir à absolvição, pois a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que "a condenação deve amparar-se em prova robusta pela qual se demonstre, de forma inequívoca, a prática de todos os elementos do fato criminoso imputado aos réus" (AgR-REspe 52-13, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 14.3.2017).

3. Para a caracterização do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, não basta desqualificar a versão defensiva sobre quem estaria dirigindo o veículo no momento do acidente, sendo necessário demonstrar que o pagamento do conserto teve por finalidade a corrupção eleitoral.

4. No caso, não houve a comprovação do dolo específico, isto é, que o pagamento do conserto do veículo teria por finalidade a compra dos votos, tendo a condenação sido baseada na presunção de que não haveria razão plausível para o então candidato a prefeito ter arcado com os custos do conserto.

5. A condenação merece ser revista, haja vista a ausência de prova robusta acerca da materialidade e da autoria do delito, bem como do dolo específico do candidato consistente na finalidade de obter ou dar voto ou prometer abstenção mediante entrega ou promessa de benesse ou vantagem a eleitor , necessário para a configuração do crime de corrupção eleitoral.

6. O reconhecimento da deficiência nos fundamentos da condenação não implica o revolvimento da moldura fático-probatória, vedada pelo verbete sumular 24 desta Corte, mas, sim, o reenquadramento jurídico dos fatos, providência admitida na estreita via do recurso especial eleitoral. Precedentes. Agravos regimentais a que se dá provimento, a fim de, desde logo, prover os recursos especiais.

(TSE; Recurso Especial Eleitoral nº 47570, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 13/12/2018.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2008 E 2012. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CRIME ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. PROVAS INSUFICIENTES.

IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO DE REITERAÇÃO CRIMINOSA. SÚMULA N2 279/STF. DESPROVIMENTO. 1. O acórdão regional não negou efeito à prova testemunhal, apenas a entendeu insuficiente para justificar a condenação, em razão de se referir apenas a crimes cometidos anteriormente, sem relação com a conduta imputada no pleito de 2012. 2. Um único depoimento testemunhai não justifica isoladamente a prolação de édito condenatório, mormente quando considerado frágil e incapaz de demonstrar a conduta criminosa. 3. A prática anterior de crime não induz presunção de reiteração criminosa principalmente quando apartada de outros elementos probatórios. Precedente. 4. A condenação pelo crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral deve estar apoiada em prova robusta apta a afastar a presunção de inocência, não se podendo basear em mero juízo de perigosidade criminal. 5. O acórdão recorrido entendeu insuficientes as provas para justificar a condenação. Rever tal entendimento demandaria o exame do acervo fático-probatório, o que não se admite em recurso especial, nos termos da Súmula no 279/STF. 6. Desprovimento do agravo de instrumento.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 65117, Acórdão, Relator (a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 20/03/2017, Página 88-89).

 

No mérito, VOTO no sentido de:

b) acompanhar o relator quanto à confirmação da sentença absolutória de EDITE RODRIGUES LISBOA pelos crimes previstos nos arts. 342, § 1º, e 343, parágrafo único, do CP, com fundamento na insuficiência de prova para a condenação, e de MARIA CRISTINA FERNANDES pelo delito tipificado no art. 342, § 1º, do CP, em razão de causa extintiva de punibilidade; e

c) acompanhar a divergência para manter a sentença absolutória de EDITE RODRIGUES LISBOA e de ROZELAINE PEREIRA dos fatos insculpidos no art. 299 do CE, com fundamento na insuficiência de provas para a condenação.

 

Des. Gerson Fischmann:

Acompanho o voto do Des. Thompson Flores.

 

Des. Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler:

Acompanho o voto do Des. Thompson Flores.