E.Dcl. - 6176 - Sessão: 11/05/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração (fls. 929-933) opostos pelo DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) do RIO GRANDE DO SUL em face do acórdão (fls. 923-925v.), que negou provimento a agravo interno e, na mesma ocasião, homologou acordo de parcelamento com a UNIÃO.

O embargante alega a ocorrência de omissões. Aduz que a decisão não teria enfrentado argumentos esgrimidos no agravo, quais sejam: (1) a natureza não tributária das contribuições consideradas como fonte vedada; (2) não há tributo sem lei anterior que o defina; (3) não se trata de receita pública e, portanto, não haveria a necessidade de previsão de impacto orçamentário e financeiro; (4) o Congresso Nacional legislou conforme as prerrogativas constitucionais; (5) o art. 14 da Resolução TSE n. 23.546/17 carece de fundamentação legal e possui natureza administrativa; (6) a declaração de inconstitucionalidade efetivada por este Tribunal feriu os princípios da igualdade, da razoabilidade e da independência dos poderes, assim como o de interpretação hermenêutica dos fins da Lei n. 13.831/18, posto que a anistia prevista no art. 3º alcançaria os processos ainda não extintos.

Sustenta que a correção dos vícios é fundamental ao deslinde do feito, pois determinaria efeitos modificativos e o acolhimento da anistia, confirmada pela inclusão, via Lei n. 13.877/19, do parágrafo único no art. 3º da Lei n. 13.831/19. Requer o recebimento e o acolhimento dos embargos, para que sejam sanadas as omissões e reste fixado o prequestionamento da matéria.

É o relatório.

VOTO

São tempestivos os embargos de declaração, atendendo-se ao interregno de 3 (três) dias previsto pelo art. 275, § 1º, do Código Eleitoral, bem como estão preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade.

Cediço que os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, omissão, contradição ou erro material, nos termos do art. 275 do Código Eleitoral e art. 1.022 do CPC. E o embargante aponta que o acórdão não teria tratado de alguns argumentos, quais sejam:

1) a natureza não tributária das doações oriundas de fonte vedada;

2) não há tributo sem lei anterior que o defina;

3) não há se falar em receita pública e, portanto, desnecessária a previsão de impacto orçamentário;

4) o Congresso Nacional legislou conforme suas prerrogativas;

5) o art. 14 da Resolução TSE n. 23.546/17 carece de fundamentação legal e possui natureza administrativa;

6) a declaração de inconstitucionalidade efetivada por este Tribunal atenta contra os princípios da igualdade, da razoabilidade e da independência dos poderes, assim como o de interpretação hermenêutica dos fins da Lei n. 13.831/18, posto que a anistia prevista no art. 3º alcançaria todos os processos ainda não extintos.

Sra. Presidente, demais colegas.

De forma excepcional, pois se trata de voto relativo a embargos de declaração, vejo-me impelido a traçar histórico processual.

As contas do PTB do RIO GRANDE DO SUL, relativas ao ano de 2013, foram desaprovadas por esta Corte. A decisão também determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional e a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário. Em suma, a agremiação fora flagrada percebendo valores oriundos de fontes vedadas – R$ 190.481,00. O julgamento ocorreu em 28.4.2016, e foi relatora a Desa. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez (fls. 645-649v.).

A partir de então, o partido exerceu amplamente o seu direito de peticionar e recorrer: foram apresentados recurso especial eleitoral, agravos de instrumento e regimental e pedido de tutela antecipada perante o TSE.

Contudo, a decisão regional não foi modificada e transitou em julgado em 18.12.2017 (fl. 777), iniciando-se a fase de cumprimento de sentença.

O débito foi atualizado, R$ 286.368,22 (fls. 788-795), e a agremiação intimada para efetuar o pagamento ou, então, requerer parcelamento.

E o PTB requereu o parcelamento em 60 (sessenta) meses (fl. 802), pedido este deferido, em 02.4.2018, pelo então Presidente do TRE-RS, Des. Carlos Cini Marchionatti, em 60 parcelas mensais de R$ 4.772,80 (fl. 810).

Contudo, a grei adimpliu apenas as 4 (quatro) primeiras parcelas, o que motivou, após o terceiro mês de atraso, a remessa dos autos à AGU, em 21.01.2019, por determinação do Presidente à época, Des. Jorge Luís Dall’Agnol, para que a exequente realizasse as providências que entendesse necessárias (atualmente se sabe que o primeiro semestre de 2019 foi dedicado, pela AGU, a alinhavar parcelamento com o PTB).

Em 12.7.2019 (fls. 869-870), o PTB apresentou pedido de aplicação da anistia prevista pelo novel art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831, cuja publicação ocorreu em 19.6.2019 (portanto, anteriormente à realização do pacto de parcelamento).

Em virtude do pedido, em 15.7.2019 (fl. 873), a Exma. Presidente Desa. Marilene Bonzanini suspendeu o curso do processo até o julgamento do recurso eleitoral n. 35-92.2016.6.21.0005, de relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann.

Ocorre que, em 17.7.2019 (fl. 876), a AGU apresentou um segundo parcelamento, alinhavado entre janeiro e junho de 2019 e firmado pelo PTB em 24.6.2019 (ou seja, após a publicação da Lei n. 13.831 e antes do pedido de aplicação da anistia), cujos termos encontram-se nos autos (fls. 876-881).

Em resumo: a lei que prevê a anistia foi publicada em 19.6.2019; o PTB e a AGU celebraram parcelamento após tal data, em 24.6.2019; em 12.7.2019, o PTB requereu a aplicação da anistia; em 15.7.2019, a Exma. Des. Presidente suspendeu o trâmite do feito e, em 17.7.2019, a AGU apresentou nos autos o acordo, para fins de homologação.

E a agremiação ainda ofereceu mais uma petição, em 16.8.2019 (fls. 890-891), repetindo argumentos pela aplicação da anistia ao débito em questão.

Em 23.8.2019, houve o julgamento do Recurso Eleitoral n. 35-92.2016.6.21.0005, ocasião na qual este Plenário entendeu inconstitucional, por diversos motivos, a anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas, pois se trata, em feliz resumo, de “benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente […] com vícios de inconstitucionalidade formal e material”, de modo que decidi, monocraticamente, pela inviabilidade da aplicação pedida pelo partido político (fls. 893-894 destes autos), e determinei o seguimento do feito para fins de julgamento de homologação do acordo.

O PTB DO RIO GRANDE DO SUL, então, agravou de tal decisão em 11.10.2019, e o agravo foi objeto de análise por este Plenário no acórdão constante às fls. 923-925, mesma ocasião em que o ajuste de parcelamento extrajudicial foi homologado.

E contra esse acórdão, publicado em 05.02.2020, é que foram opostos os presentes embargos aclaratórios.

Realizada a contextualização, passo à análise.

1. Omissões relativas aos itens 4, 5 e 6, acima resumidos, os quais abordam a inconstitucionalidade assentada pelo Plenário deste Tribunal.

Inviável entender como omissão.

Afirmar que o Congresso Nacional legislou conforme suas prerrogativas, ou que a declaração de inconstitucionalidade efetivada por este Tribunal atentou contra os princípios da igualdade, da razoabilidade e da independência dos poderes demonstra, apenas, intuito de rediscussão de mérito acerca do julgamento já ocorrido – aliás, houve a suspensão do trâmite deste processo para que se aguardasse o julgamento do RE n. 35-92.2016.6.21.0005.

Ora, há comandos expressos no sentido de que cabe aos tribunais uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (art. 926 do Código de Processo Civil), bem como observar a orientação do plenário do órgão (art. 927, inc. V, do mesmo diploma), de maneira que a referência ao precedente (no qual a questão da anistia foi debatida) atendeu à economia processual, à segurança jurídica e à racionalização da atividade jurisdicional.

2. Omissões relativas aos itens 1, 2 e 3.

Causa espécie que se pretenda um malabarismo conceitual, como realizado pelo embargante, para entender “fundamental ao deslinde” do feito a abordagem dos itens 1, 2 e 3.

Ora, em momento algum deste – aliás, de qualquer processo, a natureza não tributária do ilícito de recebimento de fontes vedadas foi posta em dúvida. É óbvio que não se trata de tributo. Não se trata de ponto controverso e, por isso mesmo, sequer foi discutido.

Reste claro: receber valores de fontes vedadas contraria a lei e, uma vez transitado em julgado o processo, o débito passa a constituir dívida ativa da União. O recorrente constrói sua tese amparado na absurda premissa de que a receita da União é somente a tributária, em franco esquecimento da Lei n. 4.320/64, a qual define as receitas (correntes e de capital) e suas subdivisões: de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços, e as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes (art. 11).

As condenações judiciais que determinam o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional para repasse ao Fundo Partidário são exemplo perfeito da última modalidade de receita corrente.

Ou seja, tentativa de inovação interpretativa sobre termos legais expressos há mais de meio século.

E não foi, essa, a primeira tese excêntrica apresentada nestes autos: o PTB defendeu, meses atrás, uma “hermenêutica” teleológica em detrimento de uma redação clara, gramatical, do dispositivo da anistia: aplicação somente aos processos não transitados em julgado (caput de redação original do art. 3º da Lei n. 13.831/19), menosprezando a capacidade do Congresso Nacional em dizer o que pretendia ter dito e a da Justiça em entender o que estava expressamente escrito.

Tanto é que, meses após, o Congresso Nacional (mais uma vez legislando em causa própria, ao arrepio do princípio da moralidade, como já assentado por esta Corte) inseriu extensão (!) da anistia aos processos que se encontram em fase de execução, não corroborando a tese do PTB, mas sim, na realidade, demonstrando o quão equivocado sempre fora aquele posicionamento, pois, obviamente, se houve a necessidade de enxerto de parágrafo único no art. 3º da Lei n. 13.831/19 foi, exatamente, porque antes a pretensa anistia não se aplicava aos processos em execução.

Merecem menção, ainda, os atos de desrespeito ao acordo firmado com a União, nesta altura já homologado por esta Corte. Para além do puro e simples inadimplemento das parcelas, houve, de parte do partido, a renúncia aos direitos sobre os quais se fundam eventuais ações que visem discutir a presente dívida e a desistência de eventuais recursos ou outras medidas judiciais propostas, conforme expressamente disposto no Parágrafo Primeiro, Cláusula Primeira, da avença (fl. 878).

Ainda assim, após a assinatura do acordo, ocorrida em 24.6.2019, o PTB do Rio Grande do Sul vem apresentando uma série de petições e recursos (12.7.2019; 16.8.2019; 11.10.2019; 10.02.2020), em conduta altamente condenável sob o prisma do princípio da boa-fé, aliás de fundamento constitucional.

Ressai, de todo o exposto, que a agremiação não intenta aclarar o que quer que seja: está a protelar o deslinde do presente cumprimento de sentença, em conduta que fere o dever de lealdade processual e de cooperação entre as partes (art. 6º do Código de Processo Civil), o que se afigura impróprio e atrai a incidência do § 6º do art. 275 do Código Eleitoral, o qual prevê que, “quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a 2 (dois) salários-mínimos”, que aplico em detrimento da multa prevista no CPC (art. 1.026, § 2º) por se tratar de regra específica.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento dos embargos de declaração e pela aplicação de multa, no valor equivalente a dois salários-mínimos, tendo em vista o caráter nitidamente protelatório do recurso manejado.