RC - 44694 - Sessão: 09/03/2020 às 11:00

DECLARAÇÃO DE VOTO

Em que pesem os judiciosos fundamentos lançados pelo eminente Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, após analisar os autos e muito refletir sobre as questões postas, entendo por aderir à divergência inaugurada pelo ilustre Des. Federal Thompson Flores.

I - Das preliminares.

Do reconhecimento de nulidade não arguida pela acusação em prejuízo das rés.

A sentença recorrida absolveu as recorrentes de todas as imputações descritas na denúncia.

Por sua vez, o Ministério Público Eleitoral recorreu exclusivamente em relação à prova da materialidade e autoria das condutas delitivas, sem suscitar qualquer prefacial referente à incompetência desta Especializada.

Assim, o douto Relator, entendendo que os crimes de falso testemunho e de corrupção de testemunha não teriam vínculo com a infração penal eleitoral, reconheceu, ex officio, a incompetência da Justiça Eleitoral para o julgamento dos crimes comuns.

De fato, a questão envolve a verificação da incompetência penal em razão da matéria, de natureza absoluta, que, em regra, pode ser decretada pelo juiz independentemente de provocação a qualquer tempo, uma vez que não se submete à preclusão.

A dita regra, porém, comporta duas exceções destacadas pela doutrina, quais sejam, a superveniência de trânsito em julgado da decisão absolutória, diante da proibição da revisão pro societate, e a vedação da reformatio in pejus em questões não devolvidas pelo recurso da acusação, nos termos da Súmula n. 160 do STF, cujo teor impede o reconhecimento, contra o réu, de nulidade, seja relativa ou absoluta, não arguida no apelo da acusação.

Conforme bem analisou o voto divergente, esta última é a hipótese dos autos, de modo que inviável a decretação da incompetência da Justiça Eleitoral com agravamento da situação das rés sem a arguição da questão pela parte recorrente.

Nesta linha, o seguinte julgado:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. DIFAMAÇÃO. NULIDADE ACOLHIDA DE OFÍCIO. MATÉRIA NÃO SUSCITADA NO RECURSO DO QUERELANTE. SÚMULA 160 DO PRETÓRIO EXCELSO. NULIDADE. OCORRÊNCIA. I - De acordo com a Súmula 160 do Pretório Excelso: "É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício." II - "Não pode o órgão julgador de segunda instância reconhecer, de ofício, nulidade não invocada no recurso da acusação, mesmo sendo ela de caráter absoluto (aplicação da Súmula 160 do STF), devendo ficar limitado à matéria impugnada pelo recorrente." (HC 73180/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG). III - No presente caso restou evidente a infringência à Súmula editada pelo e. Supremo Tribunal Federal, porquanto declarada a incompetência absoluta do juízo que havia, em decisão anteriormente proferida, rejeitado a denúncia, sem que tal matéria tenha sido veiculada nas razões do recurso manejado pelo querelante. Recurso especial provido.

(RESP - RECURSO ESPECIAL - 941910 2007.00.74875-2, FELIX FISCHER, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:12.05.2008.)

 

Nesse mesmo sentido, colaciono a doutrina de Eugênio Pacelli (Curso de processo penal. 21. ed. Atlas, 2017, p. 392):

Tratando-se de recursos contra sentença absolutória, mesmo as nulidades absolutas não poderão ser reconhecidas ex officio em prejuízo da defesa, se não alegada no recurso da acusação, consoante se tem entendido sem maiores divergências, em posição consolidada na Súmula 160 do Supremo Tribunal Federal. É exatamente nesse sentido decisão do STF, na qual se aplicou a Súmula 160 à hipótese de vício de incompetência absoluta, não alegado pelo recorrente (MP), em sentença absolutória (STF – HC n. 80.263/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, em 20.2.2003 – Informativo STF n 298).

 

Com estas considerações, acompanho a posição encampada pelo Des. Federal Thompson Flores e voto no sentido da preclusão da questão relacionada à competência da Justiça Eleitoral para o julgamento de falso testemunho e de corrupção de testemunha, devendo o Tribunal conhecer do apelo nos exatos limites das razões deduzidas pelo Ministério Público Eleitoral.

Em acréscimo, com a superação da preliminar, entendo que, na hipótese, está configurada a conexão teleológica e probatória das infrações penais comuns com o crime de corrução eleitoral, suficiente para atrair a competência desta Especializada sobre todos os fatos descritos na denúncia.

Vejamos.

Da competência da Justiça Eleitoral.

Em relação à competência desta Justiça Especializada, não olvido de precedentes, tal como o CC n. 126.729/RS, julgado pela Terceira Seção do STJ, em 24.4.2013, aludido pelo nobre Relator, no sentido de que a competência do Justiça Federal para o julgamento de crimes que atentam contra bens e interesses da União é estabelecido pela Constituição Federal, de modo a prevalecer sobre a Justiça Eleitoral, cuja competência é regulada em mera lei complementar (Código Eleitoral).

Contudo, tal entendimento foi definitivamente superado pelo STF, no recente julgamento do Inq. n. 4435 AgR-quarto/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13 e 14-3-2019, no que se fixou que a Justiça Eleitoral é competente para o julgamento dos crimes eleitorais e dos delitos comuns que lhes forem conexos, sejam eles, a priori, estaduais ou federais.

O posicionamento majoritário na Corte Suprema tem esteio no próprio art. 109, inc. IV, da CF, que, ao determinar a competência criminal da Justiça Federal, ressalva, expressamente, a competência desta Especializada em relação aos crimes conexos. Além disso, o art. 121, caput, da Carta Magna remete a definição da competência da Justiça Eleitoral à Lei Complementar, não havendo de se falar em prevalência constitucional do interesse da União ante a conexão de delitos com crime eleitoral.

Desta forma, o elemento crucial para a definição da competência desta Justiça Eleitoral reside na verificação concreta da relação de conexão entre o crime eleitoral e o crime comum, conforme imputados na denúncia, independentemente do interesse ou do bem jurídico tutelado pela infração penal não eleitoral.

Uma vez que não há disciplina específica na legislação eleitoral, o conceito de conexão é extraído do CPP, sendo claro, em conformidade com a tese acusatória, que os delitos de falso testemunho e de corrupção de testemunha teriam sido perpetrados com o fim de impedir a produção de prova sobre o crime eleitoral. Assim, está caracterizada a conexão teleológica, posto que praticados para “ocultar” ou “conseguir impunidade” em relação ao crime principal (art. 76, inc. II, do CPP), e probatória, pois a prova de um é capaz de influir na prova de outro (art. 76, inc. III, do CPP).

Assim, acompanho a divergência para reconhecer a competência da Justiça Eleitoral para o processo e julgamento dos crimes de falso testemunho e de corrupção de testemunha no curso do processo, em razão da conexão com o crime de corrupção eleitoral.

Ante o exposto, quanto à matéria preliminar, VOTO no sentido de:

a) acompanhar a divergência encampada pelo Des. Federal Thompson Flores para julgar preclusa a matéria relativa à competência da Justiça Eleitoral para o julgamento dos crimes de falso testemunho e de corrução eleitoral, nos termos da Súmula n. 160 do STF, devendo o Tribunal conhecer do apelo nos exatos limites das razões deduzidas pelo Ministério Público Eleitoral, e

a1.) Em acréscimo, com a superação da preliminar, entendo que, na hipótese, está configurada a conexão teleológica e probatória das infrações penais comuns de falso testemunho e de corrupção de testemunha no curso do processo com o crime de corrução eleitoral, o que é suficiente para atrair e conferir competência desta Especializada para o julgamento sobre todos os fatos descritos na denúncia.

 

Des. Gerson Fischmann:

Acompanho, na preliminar, o voto do Des. Thompson Flores.

 

Des. Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler:

Acompanho, na preliminar, o voto do Des. Thompson Flores.