MS - 0600862-64.2019.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/03/2020 às 17:00

VOTO

IRTON BERTOLDO FELLER impetrou o presente Mandado de Segurança visando desconstituir ato do Juiz Eleitoral da 55ª Zona – Taquara –, pelo qual aquele magistrado declarou o afastamento do impetrante do cargo de prefeito de Parobé, nomeou o presidente da Câmara de Vereadores para o exercício interino do cargo e, ainda, oficiou a este Tribunal comunicando a decisão para que fosse fixada a data para a realização de novo pleito.

Segundo consta na inicial, em síntese, o impetrante teve o seu registro de candidatura deferido para o cargo de prefeito de Parobé, para as eleições de 2016. Irresignado, o Ministério Público Eleitoral interpôs recurso contra a decisão, o qual foi provido por esta Corte, restando indeferido o mencionado pedido de registro.

Na sequência, o ora impetrante interpôs Recurso Especial e Agravo Regimental para o Tribunal Superior Eleitoral, que foram, respectivamente, inadmitido e desprovido.

Atendendo a pedido do Ministério Público Eleitoral, o juízo a quo adotou as providências inicialmente narradas, residindo aí o inconformismo do impetrante.

Alega o impetrante que, estando o acórdão do TSE pendente de julgamento de embargos de declaração, a decisão do impetrado estaria em descompasso com o previsto no art. 27 do Regimento Interno do TSE, pelo qual a execução de qualquer acórdão só poderá ser feita após o seu trânsito em julgado, bem ainda que a Corte Superior não determinou a execução imediata do julgado.

Sem razão.

A decisão apontada como ilegal está em perfeita consonância com o disposto no art. 15 da chamada Lei das Inelegibilidades, a Lei n. 64/1990, in verbis:

Art. 15. Transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido.

(Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

(Grifei.)

Veja-se que, nos termos da lei, basta a publicação do acórdão para a execução do julgado. No caso concreto, esse requisito restou plenamente cumprido com a publicação, no Diário de Justiça Eletrônico do dia 26.11.2019, página 33, da decisão colegiada que negou provimento ao Agravo Regimental interposto pelo ora impetrante.

A propósito, oportuno esclarecer, o Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral é do longínquo ano de 1952, tanto que, na versão digital, disponibilizada na página da internet daquela Corte, o invocado art. 27 está anotado com regra disposta na já mencionada Lei Complementar.

Aliás, o mesmo Regimento Interno reza, no art. 26, que o prazo para oferecimento de embargos de declaração seria de 48 horas, constando a anotação, logo abaixo, acerca da atualização conferida pelo Código Eleitoral.

Analisando-se a movimentação processual do RESPE n. 0000004-82.2017.6.21.0055, observa-se que os embargos de declaração invocados pelo impetrante como motivo para obstar a execução do julgado foram opostos no prazo de três dias, não no prazo de 48 horas estipulado no Regimento Interno.

Faço essa observação apenas para ilustrar que o Regimento Interno do TSE, assim como toda e qualquer norma, merece interpretação sistemática no seu todo, não só nos artigos que convenham à parte.

Prossigo.

Conforme já assentado na decisão que indeferiu o pedido liminar, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da locução "após o trânsito em julgado" constante do § 3º do art. 224 do Código Eleitoral (ADI 5.525, rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 19.3.2018).

Assim, a redação do § 3º do art. 224 do Código Eleitoral passou a ter a expressão “após o trânsito em julgado” riscada, senão vejamos:

§ 3o A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.

(Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015) (Vide ADIN Nº 5.525)

O acórdão proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5525 foi publicado no dia 24.11.2019 e transitou em julgado no dia 10.12.2019 (http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4982251, acessado em 30.01.2020), tendo recebido a seguinte ementa:

Direito constitucional e eleitoral. Ação direta de inconstitucionalidade. Previsão, por lei federal, de hipóteses de vacância de cargos majoritários por causas eleitorais, com realização de novas eleições. Inconstitucionalidade parcial.

(...)

4. No tocante à exigência de trânsito em julgado da decisão que implica na vacância do cargo, prevista no art. 224, § 3º do Código Eleitoral, seus efeitos práticos conflitam com o princípio democrático e a soberania popular. Isto porque, pelas regras eleitorais que institui, pode ocorrer de a chefia do Poder Executivo ser exercida, por longo prazo, por alguém que sequer tenha concorrido ao cargo. Dessa forma, a decisão de última ou única instância da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário, em regra, será executada imediatamente, independentemente do julgamento dos embargos de declaração.

5. Não se afigura inconstitucional a inclusão da hipótese de “indeferimento do registro” como causa de realização de nova eleição, feita no art. 224, § 3º, do Código Eleitoral. A escolha das causas eleitorais de extinção do mandato e a adoção de medidas para assegurar a legitimidade da investidura de candidato em cargo eletivo são matérias de ponderação legislativa, só sendo passíveis de controle judicial quando se mostrarem desproporcionais ou desvestidas de finalidade legítima.

6. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente, para declarar a inconstitucionalidade da locução “após o trânsito em julgado” prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral, e para conferir interpretação conforme à Constituição ao § 4º do mesmo artigo, de modo a afastar do seu âmbito de incidência as situações de vacância nos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, bem como no de Senador da República. Fixação da seguinte tese: “O legislador federal pode estabelecer causas eleitorais de vacância de cargos eletivos visando a higidez do processo eleitoral e a legitimidade da investidura no cargo. Não pode, todavia, prever solução diversa da que foi instituída expressamente pela Constituição para a realização de eleições nessas hipóteses. Por assim ser, é inconstitucional a aplicação do art. 224, § 4º aos casos de vacância dos cargos de Presidente, Vice-Presidente e Senador da República”.

(ADI 5525, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08.03.2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-261 DIVULG 28-11-2019 PUBLIC 29-11-2019.)

Alinhado à legislação e à decisão do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento quanto à desnecessidade de se aguardar o trânsito em julgado da decisão, em ações desta natureza, como se observa na ementa a seguir, transcrita na decisão que indeferiu o pedido liminar:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITA ELEITA. DEFERIMENTO PELO TRE. CONDENAÇÃO EM AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, D, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. INCIDÊNCIA. EXAURIMENTO DO PRAZO. DATA POSTERIOR AO PLEITO. FATO SUPERVENIENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO DO APELO NOBRE.

1. A impropriamente denominada questão de ordem, que reproduz tema de fundo suscitado em contrarrazões alegação de restrição ao jus honorum com base em critério aleatório, em violação ao art. 5º, XXXVI, e 14, § 9º, da Constituição da República, arguida por meio de petição apresentada na undécima hora, não deve ser conhecida, por não ventilar matéria de índole processual que constitua óbice ao exame do recurso por esta Corte.

2. A causa de inelegibilidade prevista na alínea d do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90 incide sobre os condenados por abuso do poder econômico tanto em ação de investigação judicial eleitoral quanto em ação de impugnação de mandato eletivo. Precedentes.

3. No REspe 283-41, redator para o acórdão o eminente Ministro Luiz Fux, PSESS de 19.12.2016, o Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, firmou o entendimento de que não é possível considerar fato superveniente apto a afastar a inelegibilidade o mero transcurso do prazo ocorrido após as eleições.

4. Inteligência, aliás, da Súmula nº 70/TSE, no sentido de que o encerramento do prazo de inelegibilidade antes do dia do pleito é que constitui fato superveniente passível de ser considerado no exame do registro de candidatura.

5. Na espécie, o exaurimento do prazo de inelegibilidade ocorreu em 5.10.2016, após as eleições realizadas no referido ano, de forma que não é possível afastar a incidência do óbice à candidatura.

6. Ao contrário do que suscitado em contrarrazões, não há aleatoriedade no critério adotado por esta Corte Superior, pois o prazo de inelegibilidade de que trata o art. 1º, I, d, da Lei Complementar 64/90 tem início no dia da eleição em que este se verificou e finda no dia de igual número no oitavo ano seguinte (verbete sumular 19/TSE).

7. O indeferimento do registro do candidato mais votado para o cargo de prefeito acarreta, com a publicação do acórdão, a realização de novas eleições. Inconstitucionalidade da locução "após o trânsito em julgado" constante do § 3º do art. 224 do Código Eleitoral (ADI 5.525, rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 19.3.2018).

8. Recurso especial a que se dá provimento para indeferir o registro de candidatura de Ioná Queiroz Nascimento. Embargos de declaração julgados prejudicados. Questão de ordem não conhecida. Determinação de execução do acórdão mediante a sua publicação no DJe.

No caso em exame, o que se observa é uma reiterada tentativa do impetrante de, valendo-se de inúmeros expedientes, postergar a execução da decisão que lhe foi desfavorável, como se verifica no Sistema de Acompanhamento de Documentos e Processos - SADP:

- Em 14.05.2019, o Relator do RESpe, Ministro Jorge Mussi, negou seguimento ao recurso interposto pelo impetrante contra a decisão deste Tribunal que indeferiu o seu registro de candidatura por incidência da inelegibilidade do art. l, 1, g, da LC 64/90 - rejeição de contas públicas (decisão republicada no DJE em 27.08.2019);

- em 02.09.2019, o ora impetrante interpôs Agravo Regimental contra a decisão monocrática (protocolo n. 4.207/2019), ao qual foi negado provimento (decisão de 15.10.2019, publicada no Diário da Justiça Eletrônico em 25/11/2019);

- em 29.11.2019, o impetrante opôs embargos de declaração contra a decisão colegiada.

Os embargos declaratórios, à época do ajuizamento do presente Mandado de Segurança, estavam, efetivamente, pendentes de julgamento (a movimentação processual demonstra que o feito foi incluído na Pauta de julgamento n. 143/2019, correspondente à Sessão ocorrida em 17 de dezembro de 2019 e, portanto, já se encontra julgado), circunstância que não obstava a execução imediata do acórdão, consoante restou decidido pelo egrégio Supremo Tribunal Federal.

Ainda, irrelevante a ausência de determinação de cumprimento imediato, pela Corte Superior, como alegado pelo impetrante, pois o requisito contido na Lei n. 64/90 é a publicação de decisão proferida por órgão colegiado.

E foi exatamente o que aconteceu no caso concreto: O Ministério Público Eleitoral, tendo tomado conhecimento da decisão que confirmou o indeferimento do pedido de registro de candidatura do impetrante, requereu ao juízo da 55ª Zona Eleitoral as providências cabíveis, as quais foram acolhidas.

Outrossim, a alegação de que este Regional, ao dar provimento ao recurso contra a sentença que deferiu o registro de candidatura, teria reconhecido que eventual execução ocorreria somente após o julgamento final pelo TSE, não corresponde aos exatos termos do acórdão desta Corte, conforme se extrai do seguinte excerto:

Tendo em vista que o presente feito alude a pedido de registro de candidatura, não cabe neste momento qualquer determinação de afastamento do candidato do cargo ou realização de novas eleições, tendo em vista a tese firmada pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral no julgamento do RESPE n. 139-25, em 28.11.2016.

Naquela oportunidade, o egrégio TSE declarou a inconstitucionalidade da expressão “após o trânsito em julgado”, constante no art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, e elaborou enunciado no sentido de que a execução da decisão proferida em registro de candidatura fica condicionada à análise do caso pelo TSE.

Reproduzo o enunciado aprovado:

(...)

Assim, no presente momento, cumpre apenas julgar o pedido de registro de candidatura, sem a determinação de providências imediatas. Grifei.

Ora, não há, na decisão deste Tribunal, qualquer referência a “julgamento final”, restando equivocada a alegação da parte nesse sentido.

Igualmente, não há usurpação de competência na decisão apontada como ilegal “por determinar o afastamento do chefe do executivo local, nomear o Chefe do Legislativo e convocar novas eleições”.

Primeiramente, porque, como já referido, o afastamento do prefeito e a consequente assunção do presidente do legislativo é decorrência da nulidade dos votos obtidos pelo impetrante. Em segundo, porque, ao contrário do alegado, a autoridade apontada como coatora não convocou novas eleições, mas tão somente oficiou a este Tribunal, o qual editou a seguinte Resolução:

RESOLUÇÃO TRE-RS N. 337, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2019

Estabelece normas para a renovação das eleições majoritárias no município de Parobé, a serem realizadas no dia 08 de março de 2020.

O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, no uso de suas atribuições legais e regimentais,

Considerando a decisão proferida por este Tribunal no Recurso Eleitoral n. 4-82.2017.6.21.0055, publicada em 21 de janeiro de 2019;

Considerando o acórdão do Tribunal Superior Eleitoral que negou provimento aos Agravos Regimentais no Recurso Especial Eleitoral n. 4-82.2017.6.21.0055, publicado em 26 de novembro de 2019;

Considerando a decisão do Juiz Eleitoral da 55ª Zona, proferida em 03 de dezembro de 2019, que declarou o afastamento de Irton Bertoldo Feller e Marizete Garcia Pinheiro dos cargos de prefeito e vice-prefeita do município de Parobé;

Considerando o disposto na Portaria TSE n. 821, de 22 de outubro de 2019, que estabelece o calendário de realização de eleições suplementares em 2020,

RESOLVE:

Art. 1º No dia 08 de março de 2020 serão realizadas novas eleições para prefeito e vice-prefeito no município de Parobé, jurisdicionado pela 55ª Zona Eleitoral, em razão do estabelecido no art. 224 do Código Eleitoral.

(…)

Como se observa, a realização de novas eleições foi determinada por este Tribunal, órgão competente para tal, conforme dispõe o art. 224 do Código Eleitoral, e não convocada pela autoridade tida como coatora, como sustenta o impetrante.

Nesse mesmo sentido, o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÃO 2016. PAROBÉ. PREFEITO E VICE. INDEFERIMENTO DO REGISTRO. CHAPA ELEITA. ACÓRDÃO DO TRE-RS POSTERIORMENTE CONFIRMADO PELO TSE. AFASTAMENTO IMEDIATO DO PREFEITO E DA VICE-PREFEITA. RENOVAÇÃO DA ELEIÇÃO. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

(...)

4. Renovação imediata da eleição, nos termos do § 3º, do art. 324, do CE, cuja expressão “após o trânsito em julgado” foi declarada inconstitucional pelo STF na ADI 5531.

5. O STF, no julgamento da aludida ADI, assentou que: a decisão de última ou única instância da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário, em regra, será executada imediatamente, independentemente do julgamento dos embargos de declaração. Destarte, desnecessário se aguardar o julgamento dos embargos declaratórios opostos pelo agravante contra o acórdão do TSE para que seja afastado do exercício do mandato.

6. Precedentes do TSE (ED-RESPE 139-25, RESPE 24.213 – BA e AI 283-53).

7. Ausência de usurpação da competência do TSE, vez que a renovação imediata da eleição é efeito secundário da decisão daquela Corte Superior que não defere o registro da candidatura.

8. Ausência, igualmente, de usurpação da competência do TRE-RS, pois o juízo impetrado não convocou novas eleições, mas apenas comunicou da decisão de afastamento à Presidência da Corte Regional, que, no uso das suas atribuições regimentais e legais, expediu a Resolução n. 337, de 18 de dezembro de 2019, que “Estabelece normas para a renovação das eleições majoritárias no município de Parobé, a serem realizadas no dia 08 de março de 2020”.

9. Inexistência de ilegalidade ou abuso de poder.

10. Parecer pela denegação da ordem.

(Grifei.)

Logo, inexistindo qualquer ilegalidade ou abuso de poder no ato impugnado, é de ser denegada a ordem.

Diante do exposto, VOTO pela denegação da segurança, nos termos da fundamentação.