PC - 0602017-39.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/03/2020 às 17:00

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

Os embargos de declaração constituem recurso cabível tão somente para sanar os defeitos do ato judicial taxativamente indicados no art. 1.022 do Código de Processo Civil, ou seja, (a) obscuridade, (b) contradição, (c) omissão ou (d) erro material.

Daniel Amorim Assumpção Neves, citando lição de Barbosa Moreira, ensina que

esses vícios compõem de maneira distinta tanto o juízo de admissibilidade como o de mérito, sendo no primeiro caso demandado do julgador uma análise em abstrato do vício, enquanto no segundo caso a análise deverá ser feita em concreto. Significa dizer que a mera alegação do embargante sobre a existência de um dos vícios descritos pela lei já é suficiente para o seu cabimento, sendo a análise da existência concreta de tal vício matéria de mérito. Alegado o vício, o recurso é admissível; existente o vício alegado, o recurso é provido; caso contrário, nega-se provimento ao recurso.

(NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil -Volume único. 9. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 1702.)

Tendo essa lição em conta, anoto que a embargante menciona, no decorrer da peça recursal, a existência de obscuridade, contrariedade, omissão e erro material, o que autoriza que a interposição seja considerada adequada, tempestiva e comporte conhecimento.

No mérito, inviável o reconhecimento da existência concreta de qualquer desses vícios, sendo nítido o propósito da embargante de reapreciação do caso diante da insatisfação com as conclusões do julgado.

A alegação de omissão acerca da análise da boa-fé da candidata e do argumento de ausência de “pessoal técnico qualificado para formalizar e apresentar a documentação exigida pela Justiça Eleitoral” não se sustenta, sobretudo porque a boa-fé da candidata foi presumida durante todo o processo.

Considerada a boa-fé subjetiva, esta não poderia ser parâmetro suficiente para afastar qualquer das irregularidades descritas no regulamento, sob pena de tornar o exame da prestação de contas um processo que investiga tão somente a intenção do prestador, sem qualquer preocupação com a observação objetiva dos preceitos legais.

Ainda, a boa-fé é considerada vetor para a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade quando isso é possível, e não excludente de ilegalidade.

Na mesma trilha, e agora considerada a boa-fé objetiva, principalmente sob o prisma de seus desdobramentos, tem-se que a conduta da prestadora e a alegação formulada em muito se aproximam do princípio da vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) do direito civil. Na hipótese, se a candidata não elegeu profissionais capacitados, tal negligência não pode ser invocada em seu favor.

Os embargos questionam também as negociações com valores em espécie, a responsabilidade pelo cancelamento da nota fiscal, a aquisição de bens, a desconsideração do laudo técnico apresentado, o contrato de locação e a emissão de cheques em nome de terceiros.

Aqui, é perceptível o intuito de obter o reexame da matéria e a reanálise da prova, a fim de que a conclusão seja mais benéfica aos interesses da embargante.

Esta Corte segue o entendimento fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral, segundo o qual não cabem embargos de declaração quando, a pretexto de esclarecer inexistente situação de obscuridade, omissão ou contradição, vêm a ser opostos com o objetivo de infringir o julgado, para viabilizar indevido reexame do caso (AI n. 177.313/MG AgR-ED, ReI. Min. Celso de Mello, j. em 18.6.1996; ED-AgR-Al n. 609-07/MG, Rel. Min. Rosa Weber, j. em 17.5.2018; ED-AgR-REspe n. 148-38/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 19.12.2017; e EDAgR-REspe n. 668-49/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 07.3.2017).

Em vários pontos, os argumentos da recorrente questionam o próprio conteúdo das disposições da Resolução TSE n. 23.553/2017, inoportunamente, visto que já encerrada a instrução, e sem fazê-lo diretamente com fundamento jurídico em ilegalidade ou inconstitucionalidade, mas apenas afirmando tratar-se de ‘formalismo’, enquanto as violações à sua literalidade, constatadas pela análise técnica, constituiriam meros erros materiais.

Dito isso, reforço que a embargante não se desincumbiu de apontar, especificamente, em suas razões, vícios internos na decisão embargada, de forma que os aclaratórios não merecem provimento.

O parâmetro da irresignação não pode ser externo, como, por exemplo, a prova dos autos ou erro de responsabilidade de terceiro, dado que o recurso integrativo não se presta ao reexame da causa, mas tão somente para complementar a decisão recorrida, no sentido de torná-la inteira e precisa.

Assim, na linha dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, devem os embargos ser rejeitados. Para ilustrar o entendimento, destaco:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. ART. 1022 DO CPC/2015. CONTRADIÇÃO. OFENSA NÃO CONFIGURADA. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO PROBATÓRIA. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM ANCORADO NO SUBSTRATO FÁTICO DOS AUTOS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. No tocante ao tema da proporção dos honorários de sucumbência, não cabe falar em ofensa ao art. 1022 do CPC/2015. Isso porque, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a contradição sanável por meio dos embargos de declaração é aquela interna ao julgado embargado - por exemplo, a incompatibilidade entre a fundamentação e o dispositivo da própria decisão. Em outras palavras, o parâmetro da contrariedade não pode ser externo, como outro acórdão, ato normativo ou prova.

2. No caso em exame, o dispositivo do acórdão embargado está em perfeita consonância com a fundamentação que lhe antecede. Portanto, não há contradição interna a ser sanada.

3. Conforme a legislação de regência, cumpre ao magistrado, destinatário da prova, valorar sua necessidade. Assim, tendo em vista o princípio do livre convencimento motivado, não há cerceamento de defesa quando, em decisão fundamentada, o juiz indefere produção de prova, seja ela testemunhal, pericial ou documental.

4. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, tal como colocada nas razões recursais, de modo a se chegar à conclusão de que seria necessária a produção da prova pericial requerida pela parte agravante, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, a teor do óbice previsto na Súmula 7/STJ.

5. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp n. 1224070/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01.10.19, DJe 04.10.19.) (Grifou-se.)

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. EXECUÇÃO. EMBARGOS. ACLARATÓRIOS. NULIDADE. CONTRADIÇÃO INTERNA. INEXISTÊNCIA. VÍCIO SEQUER ALEGADO. MULTA. DECISÃO FUNDAMENTADA. SÚMULA 7/STJ. HONORÁRIOS. CUMULAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. RECONHECIMENTO DE NULIDADE DO PROCEDIMENTO. JULGAMENTO ALHEIO AO PEDIDO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE.

1. Esta Corte inadmite a imposição automática de multa pela oposição de embargos de declaração e afasta o caráter protelatório quando possuem manifesto intuito prequestionador. Entretanto, o fato de serem os primeiros aclaratórios tampouco afasta automaticamente seu caráter protelatório.

2. É inviável reconhecer a natureza estritamente prequestionadora dos aclaratórios quando o recurso é manejado em hipótese absolutamente incabível, sequer indicando qualquer vício passível de ser solucionado pela via. No caso, a instância ordinária reconheceu o caráter protelatório de maneira fundamentada, ante a ausência de qualquer pretensão relacionada às hipóteses de cabimento dos aclaratórios. A reversão das conclusões sobre tema atrai a incidência da Súmula 7/STJ (A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial).

3. A alegação de contradição impõe a demonstração objetiva e efetiva de disparidade entre os fundamentos do julgado e suas conclusões. Os embargos não servem para alegar contradição externa ao julgado.

4. A cumulação de honorários da execução com os de embargos à execução não foi discutida pela instância de origem, que resolveu matéria diversa, relativa ao rito processual adotado. As alegações recursais demandam acolhimento de premissa fática diversa da estabelecida pelo Tribunal local, de que o rito seria adequado, questão que não foi devolvida a esta Corte e, ademais, demandaria exame direto de fatos e provas (Súmula 7/STJ).

5. É possível a análise de ofício, pela instância recursal ordinária, de nulidade pela adoção de rito executório diverso da hipótese dos autos. Inexiste julgamento alheio ao pedido na hipótese de correção de matéria de ordem pública de tal natureza.

6. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt na PET no REsp n. 1261008/PB, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17.9.19, DJe 20.9.19.) (Grifou-se.)

Da mesma forma, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que "a contradição a ser sanada no julgamento dos embargos de declaração é a verificada entre passagens ou teses da própria decisão recorrida (contradição interna)” (AI n. 30829, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, publicado em 05.11.19; ED-AgR-RO n. 0603453-87, Rel. Min. Edson Fachin, publicado em 02.8.19; RE n. 10403, Rel. Min. Luciana Lóssio, publicado em 04.5.17).

Na hipótese, considerando que os vícios invocados pela embargante não têm como parâmetro nenhum elemento interno da decisão recorrida, os aclaratórios devem ser rejeitados.

Na linha do disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou para fins de prequestionamento.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo conhecimento e desprovimento dos embargos de declaração.

É como voto, Senhora Presidente.