E.Dcl. - 62320 - Sessão: 02/03/2020 às 17:00

RELATÓRIO

NELSON ANDRZEJEWSKI opõe embargos de declaração contra acórdão deste Tribunal que, por unanimidade, negou provimento ao recurso que havia interposto com o objetivo de modificar a sentença condenatória de primeiro grau (fls. 1326-1131).

O embargante sustenta que o acórdão (fls. 1305-1322) mostra-se omisso quanto aos motivos sobre a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, nos termos do § 3º do art. 44 do Código Penal. Aduz ter ocorrido omissão quanto às causas que motivaram a não concessão da substituição do regime semiaberto para o regime aberto, forte no teor da Súmula 719 do STF. Articula, ainda, a ausência de fundamentação quanto à diminuição da pena de multa. Requer o recebimento do recurso e o suprimento das omissões, bem como a realização de prequestionamento das matérias suscitadas.

Vieram os autos.

É o breve relatório.

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

Os embargos de declaração são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

Além disso, estão atendidos os demais pressupostos de admissibilidade, de maneira que estão a merecer conhecimento.

À análise.

Em resumo, assevera a embargante que o acórdão foi omisso a respeito dos tópicos relativos aos motivos sobre a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, nos termos do § 3º do art. 44 do Código Penal, bem como entende ausentes as razões para a não concessão da substituição do regime semiaberto para o regime aberto, forte no teor da Súmula 719 do STF. Por fim, alega inexistir fundamento para a não diminuição da pena de multa.

Colho trecho do voto que proferi nestes autos, a fim de contextualizar as alegações:

3. Dosimetria da pena

Passo a analisar os recursos dos recorrentes no que diz respeito à aplicação da pena.

O Juiz Eleitoral a quo estipulou a pena aos réus do seguinte modo:

Passo à dosimetria da pena, na forma do art. 68 do Código Penal.

Amauri Politowski.

(...)

Nelson Andrzejewski. A culpabilidade, assim entendida como o grau de reprovabilidade da conduta, desborda daquela inerente ao tipo penal, tendo em vista que o réu, além de ter prometido e dado vantagem indevida à eleitora para que ela se abstivesse de votar (verbos nucleares do tipo penal), conduziu-a até sua própria residência para que ela entregasse seus documetos pessoais de identificação e o título eleitoral, retendo-os até data posterior à realização do pleito eleitoral. O réu não registra maus antecedentes. Inexistem nos autos elementos para aferição da conduta social e da personalidade do condenado. Os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime são comuns à espécie delitiva. Não há contribuição da vítima a ser sopesada. Considerada a existência de uma circunstância judicial desfavorável, fixo a pena-base em 01 ano e 06 meses de recusão (art. 299 c/c o art. 284, ambos do Código Eleitoral). Na segunda fase da dosimetria, incide a agravante da reincidência (art. 61, inc. I, do CP), a elevar a pena para 2 anos de reclusão. Por fim, ausentes causas de aumento ou de diminuição a incidirem na terceira fase, torno definitiva a reprimenda em 02 anos de reclusão. Fixo a pena de multa em 10 (dez) dias-multa, consideradas as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, à razão de 1/2 salário-mínimo vigente ao tempo do fato, corrigido monetariamente, à vista das condições econômico-financeiras do réu que se colhem dos autos (artigos 49 e 60 do CP). O regime inicial para cumprimento da pena privativa de liberdade será o semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, alínea 'b', do Código Penal, notadamente diante da reincidência do réu. A detração, na forma do art. 387, § 2º, do CPP, não altera o regime inicial para cumprimento da pena, devendo, contudo, ser considerada para calcular-se o tempo de pena que resta a cumprir. Diante da reincidência do réu, inviável a concessão dos benefícios previstos pelos artigos 44 e 77 do Código Penal. Deixo de decretar a prisão preventiva do acusado, porquanto não vislumbro a presença dos requisitos que a autorizam, em especial, porque o crime foi cometido há mais de dois anos e o réu respondeu a maior parte do processo em liberdade. Sem condenação em custas, por tratar-se de feito que tramita na órbita da Justiça Eleitoral.

Do cotejo da pena fixada e da reprovabilidade das condutas dos recorrentes, entendo pelo acerto da sentença, também neste ponto. Portanto, adequado o apenamento fixado aos condenados.

(...)

Com relação à pena de NELSON ANDRZEJEWSKI, também reconheço que a magistrada analisou de modo individualizado todas as circunstâncias para fixação da pena do art. 59 (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias, consequências do crime e comportamento da vítima) e os critérios para o seu cálculo, previstos no art. 68, ambos do Código Penal, restando plenamente atendida a garantia prevista no art. 5º, inc. XLVI, da Constituição Federal, uma vez que o quantum de aumento a ser aplicado em decorrência do reconhecimento de circunstância judicial desfavorável fica adstrito ao prudente arbítrio do juiz. Vejamos:

 

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE E DAS CONSEQUÊNCIAS. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. TERCEIRA FASE DA DOSIMETRIA. MAJORAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. LEGALIDADE. REGIME FECHADO. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. SÚMULAS N. 440 DO STJ E 718 E 719, AMBAS DO STF. OBSERVÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. A individualização da pena, princípio haurido diretamente da Constituição Federal, constitui uma das mais importantes balizas do Direito Sancionador e está prevista, também, no art. 59 do Código Penal, o qual fixa os critérios norteadores da quantidade e da qualidade da sanção estatal a ser aplicada em cada caso concreto.

2. A fixação da pena-base comporta certa discricionariedade por parte do magistrado e não pode ser sindicada pelas instâncias superiores, salvo no caso de teratologia jurídica ou de flagrante ilegalidade. Isso porque tal procedimento envolve profundo exame das circunstâncias fáticas, razão pela qual é vedado, em regra, revê-lo no âmbito de habeas corpus.

3. O Magistrado de primeiro grau - no que foi corroborado pelo Tribunal a quo - aplicou 6 meses para cada circunstância, inferior, portanto, ao coeficiente aceito como razoável e proporcional.

(...)

7. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg no HC 492393 / RS, Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, 6ª Turma, julgamento em 03.09.2019, publicado em 09.09.2019.) (Grifei.)"

 

Na segunda fase, julgo que acertadamente a magistrada reconheceu a incidência da agravante da reincidência, aumentando a pena provisória (fl.1193) em coeficiente que entendo como razoável e proporcional, resultando a soma a qual, por não ter outras causas de aumento e diminuição a incidir, tornou-se a pena definitiva.

De igual modo, julgo correta a fixação da pena de multa, pois obedeceu aos limites fixados em lei, cujo cálculo para o valor do dia-multa segue o índice do salário-mínimo, tendo sido consideradas, para a fixação do valor, as condições econômico-financeiras do recorrente.

Ainda, ao fixar o regime inicial de cumprimento da pena no semi-aberto, a magistrada seguiu o entendimento fixado na Súmula 269 do STJ.

Ademais, diante da presença da reincidência, pelos elementos do caso concreto dos autos, correto o entendimento de não concessão dos benefícios previstos pelos artigos 44 e 77 do Código Penal, frente a ausência dos requisitos.

Considerando que o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu, em 07.11.2019, o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43, 44 e 54, julgando-as procedentes, e, com isso, firmou novo entendimento, no sentido de que a execução penal provisória, antes de findadas as oportunidades para recurso, somente é cabível quando houver sido decretada a prisão preventiva do sentenciado, nos moldes do artigo 312 do CPP, descabe o início do cumprimento imediato da pena, à vista do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43, 44 e 54, nos termos do extrato da sessão de julgamento publicado (disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4986065):

O Tribunal, por maioria, nos termos e limites dos votos proferidos, julgou procedente a ação para assentar a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, vencidos o Ministro Edson Fachin, que julgava improcedente a ação, e os Ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que a julgavam parcialmente procedente para dar interpretação conforme. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 07.11.2019.

Por fim, sem mais razão à manutenção das medidas cautelares fixadas nas fls. 605-606, revogo-as. De outra sorte, mantenho a fiança, uma vez que, em sendo o caso de condenação, nos termos do art. 336 do CPP, a fiança servirá ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa.

Com essas considerações, entendo que os recursos das defesas não comportam provimento e mantenho hígida a sentença recorrida, por seus próprios fundamentos. (Grifei.)

Pois bem. Adianto que o recurso não merece provimento.

Inicialmente, sob o argumento de omissão na decisão embargada, o recorrente aduz que não foram expostos os motivos para a não concessão da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.

Sem razão. Constou expressamente do acórdão embargado que, diante da reincidência, pelos elementos do caso concreto dos autos, estavam ausentes os requisitos para a concessão dos benefícios previstos pelos arts. 44 e 77 do Código Penal.

Não desconheço que há posicionamento jurisprudencial e doutrinário no sentido de que ao réu é possível conceder a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, nos termos do § 3º do art. 44 do Código Penal, que dispõe que, “se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime”.

Ocorre que a legislação penal é expressa ao dispor que, naquelas circunstâncias, o juiz “poderá” – e não que deverá – fazê-lo.

Portanto, nos termos do arcabouço legal, plenamente admissível a negativa da concessão do benefício da substituição de pena, acaso não atendido um dos requisitos legais, ou seja, verificar-se a reincidência ou a medida não se mostrar socialmente recomendável.

A jurisprudência é nesse sentido:

HABEAS CORPUS. FURTO. PRETENSÃO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA COMPROVADA. IMPOSIÇÃO DO ART. 44, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. 1. Consoante entendimento firmado por esta Corte, a reincidência afasta a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade, por expressa imposição legal do artigo 44, parágrafo 3º,do Código Penal. 2. No caso concreto, a reincidência restou demonstrada na sentença e confirmada no acórdão. 3. Ordem denegada.

(STJ - HC n. 114461 SP 2008/0191000-1, Relator: Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), Data de Julgamento: 01.12.2011, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03.02.2012.)

 

REVISÃO CRIMINAL. ACUSADO CONDENADO PELA PRÁTICA DO CRIME DE RECEPTAÇÃO (ART. 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). ARGUIDA CONTRARIEDADE AO TEXTO EXPRESSO DE LEI PENAL (ART. 621, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). ALMEJADA A SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS, NOS TERMO DO ART. 44, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. INVIABILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO DELINEADO NO ART. 44, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. ADEMAIS, MEDIDA SOCIALMENTE NÃO RECOMENDÁVEL. PEDIDO REVISIONAL INDEFERIDO. Embora o art. 44, § 3º, do Código Penal permita, excepcionalmente, a conversão de pena a reincidentes, exige, para tanto, que não haja reincidência específica e que a medida seja socialmente recomendável.

(TJ-SC-RVCR n. 40066603520198240000 Lages 4006660-35.2019.8.24.0000, Relator: Paulo Roberto Sartorato, Data de Julgamento: 27.11.2019, Primeiro Grupo de Direito Criminal.)

Assim, diante das circunstâncias específicas do caso concreto, tenho que a presença da reincidência genérica justifica a adequação da medida pela não concessão da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, embora não haja reincidência específica a ser reconhecida. Não é medida socialmente recomendável.

Desse modo, ausente a alegada omissão no acórdão embargado.

Igualmente infundada a suposta ausência de razões, no acórdão embargado, para não ter sido concedida a substituição do regime semiaberto para o aberto, fundamentada no teor da Súmula 719 do STF.

A reprimenda foi fixada em 02 anos de reclusão, motivadamente, pela presença da reincidência.

Desse modo, o exame para a não concessão da substituição do regime semiaberto para o aberto, na forma ora pleiteada, foi explorado pela decisão embargada, não cabendo, nesse passo, digressões sobre aspectos que não terão, por si sós, aptidão para influir na alteração do decisum.

No caso, plenamente permitida a fixação do regime de cumprimento semiaberto. Assim, não houve imposição de regime mais severo de cumprimento de pena.

Logo, no caso específico dos autos, cabe a leitura da Súmula 719 do STF, a contrario sensu, uma vez que a opção pelo regime menos gravoso, desse modo, constitui mera faculdade legal reconhecida ao magistrado (HC n. 125.589 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª T, j. 19.5.2015,DJE 124 de 26.6.2015.)

Portanto, adequada a imposição do regime de cumprimento semiaberto ao embargante, motivada pela presença da reincidência, que foi circunstância indicada concretamente. Nessa toada, não se vislumbra qualquer omissão no julgado.

Por fim, ainda foi alegada a ausência de fundamentação quanto à diminuição da pena de multa.

Para a fixação da pena de multa assim me manifestei no acórdão: “julgo correta a fixação da pena de multa, pois obedeceu aos limites fixados em lei, cujo cálculo para o valor do dia-multa segue o índice do salário-mínimo, tendo sido consideradas, para a fixação do valor, as condições econômico-financeiras do recorrente".

 Por consequência, a pena de multa não merece ser readequada, porquanto guardou correlação com a pena corpórea, bem como teve seu quantum, ao ser fixada, dentro dos limites necessários para assegurar o caráter punitivo e pedagógico a que a sanção deve corresponder.

Desse modo, o montante cominado a título de multa considerou as circunstâncias pessoais do infrator, por meio dos contornos fático-probatórios dos autos. Portanto, descabe a irresignação relativa à diminuição da pena pecuniária na forma irrogada.

Nessa linha, como já houve manifestação desta Corte sobre o ponto, é caso de evitar-se a repetição do entendimento já consagrado por ocasião do julgado.

Em resumo, entendo que o acórdão não foi omisso a respeito no tópico relativo à fixação do valor da multa, devendo ser considerados como corretos os exatos termos definidos na decisão embargada.

Relativamente ao prequestionamento pugnado pelo embargante, cumpre asseverar que o julgador não é obrigado a citar explicitamente todos os pontos e artigos mencionados pelo recorrente, bastando a resolução das questões de fato e de direito pertinentes à causa, tal como procedido na espécie.

Por derradeiro, ainda quanto ao pedido de prequestionamento, conforme o art. 1025 do CPC, gizo que se consideram “[…] incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento e acolhimento parcial dos embargos de declaração, apenas para integrar ao acórdão embargado a fundamentação acima expendida, considerando prequestionada a matéria ventilada.

É como voto, Senhora Presidente.