MS - 0600010-06.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/02/2020 às 11:00

VOTO

De acordo com o art. 1° da Lei n. 12.016/09, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, pessoa física ou jurídica sofrer violação, ou houver justo receio de sofrê-la, por parte de autoridade.

Adianto que, pelos fundamentos que passo a delinear, a segurança deve ser concedida.

Conforme já relatado, o impetrante teve indeferida, no momento da revisão mediante coleta de dados biométricos, a sua inscrição eleitoral no município de Torres, pois a magistrada considerou que a moradia do impetrante seria irregular ou ilegal.

Após notificada, a autoridade impetrada informou que “foi expedido um despacho indeferindo o cadastramento com aquele acervo documental e solicitando que o impetrante apresentasse nova documentação com o fim de firmar seu novo endereço.”

Dessa forma, a matéria diz com a legalidade do ato de exigir-se do impetrante a comprovação de residência no município.

A fim de evitar tautologia, reproduzo os fundamentos exarados por este juízo quando do momento do deferimento liminar da segurança pleiteada:

Sob o prisma do direito, entendo que o ponto nevrálgico, ao menos de momento, é indagar se a moradia irregular ou ilegal teria o condão de limitar o exercício dos direitos políticos presentes no catálogo de direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal. Gizo que a Carta Magna exige, para ser votado, tão somente o “domicílio eleitoral na circunscrição” – art. 14, inc. IV, CF.

Penso que não é possível tal limitação.

Note-se que há, nos autos, o Ofício n. 53/2019, Id 5147783, da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado do Rio Grande do Sul, indicando que MANOEL JOSÉ MARINHO reside no Parque Estadual da Guarita. Aquele órgão notifica o impetrante, em 05.08.2019, para que desocupe a Avenida Beira Mar, n. 44, Bairro Guarita (Parque da Itapeva).

No município de Torres, portanto.

Mais: oito anos antes, em 09.05.2011, o impetrante teve autorizada a realização de reforma em sua casa, tendo sido proibidas, por aquela Secretaria de Meio Ambiente, apenas “novas construções”, Id 5147883.

Ainda sob tal contexto, aponto os comprovantes de votação expedidos por esta Justiça Eleitoral (Ids 5148183, 5148233, 5148283, 5148333), de molde que o local de residência do impetrante nunca fora impedimento para obtenção de sua inscrição eleitoral.

E, de fato, não poderia ser obstáculo.

Sob o enfoque legislativo, note-se que, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código Eleitoral:

Art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor.

Parágrafo único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

Infere-se, portanto, que a vedação imposta pelo ato contraria expressamente o parágrafo único e também o caput do art. 42 do Código Eleitoral, com supedâneo em uma exegese ampliativa que cabe ser feita desses dispositivos.

Repriso importante distinção, já pontuada quando da concessão da liminar, id est, a compreensão de que o conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio civil, sendo mais amplo e abrangendo situações de vínculo patrimonial, profissional ou comunitário.

Como assinalou a Procuradoria Regional Eleitoral, assentindo com os argumentos lançados por este juízo, “a precariedade do local onde o eleitor edificou sua morada não afasta a configuração do domicílio, notadamente o eleitoral, cuja compreensão é ampla.” Prossegue:

No caso dos autos, em especial, está claro que o impetrante tem residência e domicílio no município de Torres há 40 anos (reportagem jornalística publicada em 2009 dá conta de que ele e sua esposa aguardavam já há dez anos a ligação de energia elétrica em sua residência), de modo que o fato de ter sido notificado para desocupar a moradia que habita no interior do Parque Estadual Itapeva (evento futuro e incerto) não altera, por si só, seu ânimo de continuar residindo em Torres.

No mesmo sentido é o escólio de Rodrigo Zílio:

Alicerçada na realidade dinâmica do Direito Eleitoral, a jurisprudência tem albergado um conceito amplo de domicílio eleitoral, sopesando, nos casos concretos, diversas circunstâncias flexibilizadoras da caracterização do vínculo do eleitor com o local em que pretende exercer a sua capacidade eleitoral. Desta feita, a conceituação de domicílio eleitoral abarca – segundo interpretação dos tribunais – não apenas a residência ou moradia do eleitor, abrangendo, também, aquela localidade com a qual o eleitor tenha uma vinculação específica, seja na forma de exercício profissional (vínculo profissional), interesse patrimonial (vínculo patrimonial), reconhecida notoriedade no meio social daquela comunidade (vínculo social, político e afetivo).

(ZÍLIO, Rodrigo Lopez. Direito Eleitoral. 4ª. ed. Verbo Jurídico, 2010, p. 159.) (Grifei.)

Dessa forma, incontestável que o local de residência e domicílio de Manuel Marinho é o município de Torres. Assim, seu direito deve ser assegurado para garantir a obtenção da regularidade de sua inscrição eleitoral.

Assim, demonstrada a existência de direito líquido e certo, diante da ilegalidade do ato impetrado, cabe a concessão do mandamus.

ANTE O EXPOSTO, confirmo a liminar para conceder em definitivo a ordem.