E.Dcl. - 5212 - Sessão: 23/06/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de dois embargos de declaração, o primeiro oposto pelo DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL) e o segundo pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, contra o acórdão que, por unanimidade, aprovou com ressalvas as contas do exercício financeiro de 2016 da agremiação, determinando o recolhimento do valor de R$ 18.450,00 ao Tesouro Nacional (fls. 473-481).

Alegou o embargante PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL) dúvida, omissões e obscuridade. Em suas razões recursais, indicou, em itens, os pontos nos quais entende que a decisão embargada merece suprimento, sendo que: 1) afirmou que, em relação às verbas do Fundo Partidário para o pagamento de Paulo Roberto Muzzel de Oliveira, no valor de R$ 9.500,00, e de Walmaro Paz e WP serviços jornalísticos, na quantia de R$ 2.000,00, não foi esclarecido o critério para considerar insuficientes os documentos apresentados, nem especificado os que seriam adequados; 2) aduziu que, quanto ao recebimento de recursos de fontes vedadas no valor de R$ 1.750,00, à época da sessão de julgamento já estava em vigor o art. 55-D da Lei n. 9.096/95, questionando sobre sua aplicação e demandando a atribuição de efeitos infringentes ao recurso; 3) assinalou, quanto aos documentos fiscais entendidos sem validade para comprovar a aplicação de verbas do Fundo Partidário, configurar-se mera impropriedade, decorrente de erro da empresa no momento da emissão da nota fiscal, isso em relação ao pagamento do prestador de serviços Ponto Com Ar Condicionado e Instalação Elétrica (R$ 2.400,00); argumentou não ser possível a substituição por um documento válido, porque a empresa já não mais exerce atividades; 4) defendeu a modificação da decisão quanto ao recebimento de recursos de origem não identificada, em virtude de já ter sido providenciada a devolução do valor de R$ 100,00 e, caso assim não seja entendido, seja esta quantia estornada ao partido. Requer o conhecimento e o provimento do recurso, com o suprimento das omissões, dúvida e obscuridade, postula efeitos infringentes e o prequestionamento das matérias suscitadas (fls. 485-492).

Embargou de declaração também o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, alegando a finalidade de sanar omissões, pedindo efeitos modificativos e prequestionando as matérias suscitadas, e requereu o conhecimento e provimento do recurso. Sustentou que o acórdão foi omisso ao não se manifestar acerca da suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, em razão do reconhecimento da decisão de que a grei teria recebido recursos oriundos de fonte vedada e também de origem não identificada, conforme o art. 47, inc.I, da Resolução TSE n. 23.464/15 e o art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Requereu que a decisão fosse sanada, manifestando-se sobre a determinação de suspensão de repasse das quotas do Fundo Partidário, nos termos das normas precitadas (fls. 495-503v.).

Em contrarrazões, o PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL) discorreu ser inviável o recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral, por ausência dos requisitos legais, defendendo que os aclaratórios interpostos buscam apenas a rediscussão do mérito. Postulou o seu não acolhimento (fls. 511-512).

Por seu turno, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, em contrarrazões, suscitou a preliminar de não conhecimento do item 3 dos embargos de declaração da sigla, relativo aos documentos fiscais sem validade por deficiência de fundamentação. No mérito, apontou inexistirem as alegadas omissões nos pontos que tratam das aplicações do Fundo Partidário, do recebimento de recursos de fontes vedadas e de origem não identificada, uma vez que a decisão embargada expressamente os enfrentou. Por fim, postulou o desprovimento do recurso (fls. 514-517v.).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

Tempestividade

A decisão embargada foi publicada em 22.01.2020 (quarta-feira), nos termos da certidão da fl. 483, e os aclaratórios do PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL) foram opostos no dia 27.01.2020, ou seja, na segunda-feira seguinte (fl. 485). Portanto, restou atendido o tríduo previsto no art. 275, § 1º, do Código Eleitoral.

Em relação aos embargos apresentados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, a contagem do prazo não se dá a partir da publicação do acórdão no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, e sim mediante vista dos autos, considerando-se a prerrogativa de intimação pessoal assegurada pelo art. 180 do CPC.

Dessa forma, a Procuradoria Regional Eleitoral foi intimada em 29.01.2020 (quarta-feira), conforme se observa na fl. 493 dos autos físicos, tendo apresentado os embargos em 03.02.2020 (fl. 495), isto é, na segunda-feira seguinte. Logo, são tempestivos os embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Eleitoral.

Assim, são tempestivos ambos os embargos de declaração.

 

Preliminar

O Ministério Público Eleitoral, em contrarrazões, suscitou a preliminar de não conhecimento do item 3 dos embargos de declaração da grei, relativo aos documentos fiscais sem validade, sustentando a deficiência de fundamentação do recurso, uma vez que o partido deixou de especificar a falha que pretende ver sanada.

Da leitura do item 3 dos aclaratórios opostos pelo Partido Socialismo e Liberdade (fls. 489-490), percebo, de fato, que não houve a indicação do ponto em que o julgado teria sido omisso, contraditório ou obscuro.

Ora, os aclaratórios devem observar os lindes traçados no art. 1.022 do CPC, que estabelece o cabimento de embargos de declaração para esclarecer obscuridade, eliminar contradição ou suprir omissão sobre ponto ou questão acerca da qual devia se pronunciar o juiz.

Assim, no sistema processual existente, a função dos embargos de declaração seria a de instar o órgão judicial, enquanto sujeito da relação jurídico processual, ao atendimento do dever de expressar suas decisões em termos claros e inteligíveis e de adstringi-las aos limites do pedido.

Nesse contexto, deixando o embargante de apontar algum dos vícios de obscuridade, contradição ou omissão na decisão judicial que pretende ver sanada, ausente pressuposto de admissibilidade dos embargos.

Por tais razões, não conheço do item 3 dos embargos de declaração do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), no que tange à alegação relativa aos documentos fiscais sem validade.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço de ambos os recursos.

 

Mérito

Passo à análise individualizada das razões de cada um dos embargantes.

 

I - Dos embargos opostos pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)

O embargante sustenta dúvida, omissões e obscuridade.

Mas adianto que os aclaratórios não merecem ser acolhidos.

Os embargos de declaração destinam-se a sanar os vícios elencados pela legislação, nos termos do art. 1.022 do CPC. Por lógica, tais incorreções devem ser inerentes ao acórdão e necessitam ser enfrentadas pelo mesmo órgão julgador para otimizar sua decisão, o que não se confunde com a revisão do julgado.

Isso porque, se caracterizada a rediscussão do mérito do julgamento, configura-se situação que não suporta a oposição de embargos de declaração.

Nesse sentido, Araken de Assis, ainda sob o diploma processual de 1973, leciona que:

Os embargos de declaração não servem para reiterar o já decidido. É totalmente estranho aos embargos de declaração o escopo de julgar outra vez, repensar os termos do julgamento anterior, percorrer todos os passos que conduziram à formação do ato para chegar a idêntico resultado. Faltariam a tais embargos repristinatórios os defeitos contemplados no art. 535, I e II, que os tornam cabíveis (Manual dos Recursos, 5ªed, 2013, p. 632)

 

No caso em tela, o julgado expressamente fundamentou todos os pretensos vícios inquinados pelo embargante nos aclaratórios. Senão vejamos os termos constantes do acórdão combatido.

Inicio pelo “item 1”, no qual o embargante sinaliza existir omissão na decisão recorrida, afirmando que, “em relação aos recursos do Fundo Partidário para o pagamento de Paulo Roberto Muzzel de Oliveira, no valor de R$ 9.500,00, e de Walmaro Paz e WP serviços jornalísticos, na quantia de R$ 2.000,00, não foi esclarecido o critério para considerar os documentos apresentados insuficientes e não foi especificado quais documentos seriam adequados”.

A fim de analisar a primeira alegação da grei sobre as aplicações do Fundo Partidário, colho da decisão embargada:

Parte dos documentos colacionados pela agremiação foram reputados aptos a comprovar a efetiva execução das contratações, remanescendo indicada como irregular os gastos descritos nos documentos fiscais como “Assessoria”, “Consultoria e representação”, “Organização da juventude do PSOL e panfletagens”, “Produção audiovisual”, “Correção de textos”, “Honorário Performance Cultural”, “Serviços Advocatícios” e “Serviços Jornalísticos”, no total de R$ 114.236,93.

A agremiação traça considerações sobre o trabalho desenvolvido pelos contratados e junta documentos nas fls. 448-452. Tais documentos dizem respeito sobretudo a atividades realizadas por Júlio Câmara, Luciana Genro, Hilton Santos C. Filho e Thiago Lazeri.

Ainda, cumpre esclarecer que a Resolução TSE n. 23.464/15, em seu art. 17, que reflete a redação contida no art. 44 da Lei n. 9.096/95, na redação vigente por ocasião do exercício financeiro, estipulava que:

Art. 17. Constituem gastos partidários todos os custos e despesas utilizadas pelo órgão do partido político para a sua manutenção e consecução de seus objetivos e programas.

§ 1º Os recursos oriundos do Fundo Partidário somente podem ser utilizados para pagamento de gastos relacionados à/ao (Lei nº 9.096/95, art. 44):

I – manutenção das sedes e serviços do partido;

II – propaganda doutrinária e política;

III – alistamento e campanhas eleitorais;

IV – criação e manutenção de fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política;

V – criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

VI – pagamento de mensalidades, anuidades e congêneres devidos a organismos partidários internacionais que se destinem ao apoio à pesquisa, ao estudo e à doutrinação política, aos quais seja o partido político regularmente filiado; e

VII – pagamento de despesas com alimentação, incluindo restaurantes e lanchonetes.

§ 2º Os recursos do Fundo Partidário não podem ser utilizados para a quitação de multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais ou para a quitação de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros.

[…] (Grifo meu)

 

Como se percebe, não é qualquer gasto que pode ser custeado com recursos públicos, mas tão somente os permitidos pela norma.

Ainda, nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, deve ser exigida do prestador das contas, além da prova inequívoca da realização da despesa, a demonstração de sua vinculação com as atividades partidárias (PC n. 228-15/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgada em 26.4.2018, DJe de 6.6.2018).

Fixadas tais premissas, tenho que a contratação de Paulo Roberto Muzzel de Oliveira, economista, que recebeu R$ 9.500,00 por serviços de assessoria, não encontra amparo legal. Os documentos juntados na instrução não são suficientes para demonstrar a efetiva realização de serviços relacionados no § 1º do art. 17 da citada resolução.

Embora o prestador de contas argumente que o trabalho declarado está inserido no programa de governo, como produção textual individual e intelectual, ressalto que, além das alegações, nenhum elemento que comprove a mencionada produção intelectual foi colacionado aos autos.

Ainda, a agremiação não comprovou a efetiva prestação do serviço, violando o disposto no art. 18, § 1º, inc. II, do regulamento.

Da mesma forma, Walmaro Tirzo Zancan Paz e WP Serviços Jornalísticos (de titularidade do primeiro) teriam prestado serviços de correção de textos e redação (fl. 412) no valor de R$ 2.000,00. Não havendo nos autos qualquer comprovação material da realização do serviço, cabe a glosa, com amparo no art. 18, § 1º, inc. II, supramencionado.

Como se percebe, e ficou claramente exposto no trecho acima, foi enfrentada expressamente a alegação, não se tratando de ponto sobre o qual se omitiu o relator.

Assim, não há omissão a ser reconhecida no exame da tese do embargante.

Também foi formulada a proposição de existência de omissão no acórdão quando trata “do recebimento de recursos de fonte vedada”, contida no item 2 dos aclaratórios.

No ponto, como bem aludiu o douto Procurador Regional Eleitoral, constou na decisão vergastada que:

Portanto, o cargo comissionado ocupado pelo doador ao tempo da liberalidade insere-se no conceito de autoridade pública previsto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, com a redação vigente ao tempo dos fatos, conforme regulamentação insculpida no art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15, acima transcritos, e a norma, a época dos fatos, coibia aos partidos o recebimento de doações procedentes de autoridade pública.

Anoto que a Lei nº 13.488/17, que refletiu na Resolução TSE 23.546/17, consagrou a faculdade de os filiados contribuírem para a manutenção dos partidos políticos, mas a aplicação retroativa de suas disposições é obstada em razão de serem as prestações de contas regidas pela lei vigente à época dos fatos – tempus regit actum, em prol, resumidamente, dos princípios da isonomia e da segurança jurídica.

(...)

Na hipótese, a doação realizada no exercício de 2016, antes da edição da Lei n. 13.488/17, deve ser caracterizada como recurso oriundo de autoridade – fonte vedada pela legislação eleitoral. Assim, a nova disposição não cabe ser aplicada à hipótese porque ocorridas antes da sua vigência.

(...)

Ainda que não tenha sido tese invocada nestes autos e considerando que cabe ao julgador a aplicação da lei vigente, anoto que este Regional declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, o que afastou a possibilidade de reconhecimento da anistia, devendo ser determinado o recolhimento de R$ 1.750,00 ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

 

Desse modo, embora o embargante tenha aduzido que, quanto ao recebimento de recursos de fontes vedadas no valor de R$ 1.750,00, à época da sessão de julgamento já estava em vigor o art. 55-D da Lei n. 9.096/95, questionando sobre sua aplicação e demandando a atribuição de efeitos infringentes ao recurso, como se depreende da leitura do excerto, de fato, tendo este Regional declarado incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, não há a possibilidade de reconhecimento da anistia, cabendo a determinação do recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

Na hipótese, considerando que os vícios apontados pelo embargante têm como parâmetro as provas dos autos e decisão da Corte deste Regional, os aclaratórios devem ser rejeitados também nesse ponto.

Desse modo, ausente a alegada omissão no acórdão embargado.

Em sequência, no que concerne à alegação, constante do item 4 dos aclaratórios, de que seria omissa a decisão quanto ao recebimento de recursos de origem não identificada, por já ter sido providenciada a devolução do valor de R$ 100,00 e, caso assim não seja entendido, seja estornado o valor ao partido, o argumento é de inviável acolhida.

Sobre o ponto, trago do acórdão combatido:

A SCI consigna “o ingresso de recursos na conta bancária da agremiação mediante depósitos identificados com o CNPJ do próprio Diretório Estadual do PSOL, no total de R$ 100,00, sem a identificação dos doadores originários”.

A agremiação juntou “GRU paga, com a respectiva devolução do valor não identificado, para que tal ponto fique sanado” (fls. 488-452).

Ocorre que a norma de regência determina que o recebimento de recursos financeiro de origem não identificada “sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito” (art. 14), prazo que não foi respeitado pelo prestador de contas.

Desse modo, deve ser reconhecida a ausência de identificação do depósito de R$ 100,00 e a necessidade de recolhimento de tal montante ao Tesouro Nacional, cabendo, após o trânsito em julgado, a remessa dos autos ao setor técnico para verificação da adequação do documento de fl. 467 para fins de declaração de quitação em relação ao quantum específico.

 

Portanto, sem razão o embargante, pois constou expressamente do acórdão embargado a realização do pagamento extemporâneo e sem identificação e, em decorrência, a inviabilidade do estorno do valor ao partido.

Inexistente a alegada omissão, afasto também a ocorrência de vícios nesse ponto.

À guisa de conclusão, na hipótese dos autos, restou demonstrado o manifesto inconformismo da agremiação embargante com a decisão que lhe foi desfavorável, pois este Tribunal, ao aplicar a lei ao caso concreto, concluiu de forma adversa a seus interesses.

Percebe-se, claramente, que o intento dos presentes embargos reside na busca de uma reanálise probatória para apontar equívoco (error in judicando) no julgado e, deste modo, travar nova discussão para afeiçoá-la ao raciocínio do partido embargante.

Assim, não sendo verificada a existência de qualquer das máculas apontadas pelo embargante Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), decido pelo desprovimento dos aclaratórios da agremiação e passo ao exame dos argumentos do Ministério Público Eleitoral.

 

II – Dos embargos opostos pelo Ministério Público Eleitoral

Por seu turno, no mérito, o Ministério Público Eleitoral sustenta haver omissão no julgado, pois embora a “Corte tenha reconhecido expressamente no acórdão embargado que o diretório estadual recebeu recursos de fontes vedadas (autoridades) e de origem não identificada, deixou de aplicar a sanção de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário, consoante previsto no art. 36, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95, e no art. 47, incs. I e II, da Resolução TSE n. 23.464/15”. Em razão desses fundamentos, pede efeitos modificativos.

Insta registrar que, em regra, os embargos de declaração não são o instrumento apropriado para alcançar efeito infringente ou modificativo da decisão, prevendo o ordenamento jurídico remédio adequado para tal desiderato.

Saliento serem muito judiciosos os argumentos trazidos pelo douto Procurador Regional Eleitoral ao postular a integração do julgado, no intento de modificar a decisão mediante a aplicação da sanção normativa.

De fato, consultando o acórdão embargado, é possível verificar que não foi imposta a sanção prevista no art. 36, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95 e no art. 47, incs. I e II, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Entretanto, tenho que, no mérito, não cabe o acolhimento dos embargos e, diante disso, teço as considerações a seguir.

O suporte normativo para a aplicação da sanção decorrente do irregular recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas e de origem não identificada encontra-se no art. 36 da Lei n. 9.096/95, bem como no art. 47 da Resolução TSE n. 23.464/15, in verbis:

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso o recebimento das quotas do fundo partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral;

II - no caso de recebimento de recursos mencionados no art. 31, fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano;

[...]

Art. 47. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, o órgão partidário fica sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recebimento de recursos das fontes vedadas de que trata o art. 12, sem que tenham sido adotadas as providências de devolução à origem ou recolhimento ao Tesouro Nacional na forma do art. 14, o órgão partidário fica sujeito à suspensão da distribuição ou do repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário pelo período de um ano (Lei nº 9.096/95, art. 36, inc. II); e

II – no caso de não recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada de que trata o art. 13 desta resolução, deve ser suspensa a distribuição ou o repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral (Lei nº 9.096/1995, art. 36, I).

 

Como se vê, a regra legal relativa ao recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas disposta no art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 estabelece como sanção que, “no caso de recebimento de recursos mencionados no art. 31, fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano”.

Apesar do recebimento de recursos oriundos de fonte vedada no valor de R$ 1.750,00, a quantia representa aproximadamente 0,15% das receitas do exercício financeiro (R$ 1.112.677,87 – fl. 370), sendo uma das razões que embasou o juízo de aprovação das contas com ressalvas, a importar no afastamento da sanção de suspensão do Fundo Partidário, na esteira da jurisprudência dessa egrégia Corte Eleitoral, consoante se extrai do julgado que segue:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES PÚBLICAS. IRRETROATIVIDADE DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N. 13.488/17. MANTIDO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADAS A SANÇÃO DE MULTA E A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Desaprovação das contas da agremiação em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, oriundos de contribuições de ocupantes de cargos de chefia demissíveis ad nutum. Escorreita a aplicação, pelo juízo a quo, da legislação vigente à época do exercício financeiro a que se refere a prestação de contas, alinhando-se ao entendimento consolidado por esta Corte e na esteira da jurisprudência do TSE.

2. Irrelevante o argumento de o cargo ocupado por autoridade ser em governo administrado por integrante de partido adversário. Recebida a doação de servidor que se enquadre na categoria de autoridade pública, nos termos da Resolução TSE n. 23.464/2015, aplicável ao exercício em análise, incide o caráter objetivo da norma, sem espaço para eventual análise subjetiva.

3. Valores irregularmente recebidos que representam 2,83% do total de recursos arrecadados pela agremiação no exercício financeiro. Aplicados princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Mantido o recolhimento ao Tesouro Nacional. Afastadas a sanção de multa sobre a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional e a penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário.

4. Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n 5482, ACÓRDÃO de 11.4.2019, Relatora MARILENE BONZANINI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data: 22.4.2019.)

 

Assim, em observância ao caso dos autos e ao quantum da irregularidade de recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas, resta mantida a decisão embargada por correta sobre o afastamento da penalidade da suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário.

De outra sorte, em relação à penalidade contida nos arts. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95 e 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15, que preveem a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário no caso de recebimento de recursos de origem não identificada, a egrégia Corte do TRE/RS tem entendido pelo afastamento da penalidade ao fundamento de que, na análise sistemática da regulamentação das contas partidárias, a suspensão de quotas até o esclarecimento da origem dos recursos somente tem sentido durante a tramitação do feito. Assim, após a prolação da decisão que julga as contas, caberia tão somente a determinação de recolhimento dos recursos de origem não identificada aos cofres públicos.

Ademais, interpretação diversa poderia redundar na imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico brasileiro, sendo certo que, após o julgamento das contas, sequer teria lugar o exame de novos esclarecimentos.

Trago à baila aresto desta Corte sufragando tal posicionamento:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

(…). 5. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas até que a origem do recurso seja informada. A interpretação teleológica do texto do art. 46, inc. II, da Resolução TSE n. 23.432/14 evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito. Reduzido prazo de suspensão do Fundo Partidário para seis meses. Recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia impugnada, oriunda de origem não identificada e de fonte vedada.

6. Parcial provimento.

(TRE; PC 35-92.2016.6.21.0005; Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann; julgado em 01.7.2019, DJE de 23.8.2019.)

 

Portanto, seguindo esse trilhar, na forma da decisão embargada, também correto o julgado ao afastar a penalidade de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário decorrente do recebimento de recursos de origem não identificada.

De qualquer forma, apesar da manutenção do entendimento supramencionado na decisão embargada, deixo consignado que, em recente julgamento, a Corte Eleitoral refletiu mais detidamente sobre o tema, diante de semelhantes subsídios oferecidos pela douta Procuradoria Regional Eleitoral em outros autos, quais sejam, na PC n. 0600301-74.

Assim, em relação à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, no julgamento da PC n. 0600301-74, este Egrégio sinalizou a necessidade de aprofundar a reflexão sobre o tema do dispositivo legal em comento, consoante ementa que transcrevo, com grifo no ponto que interessa:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO ESPONTÂNEO DO MONTANTE IRREGULAR. SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 37, CAPUT, DA LEI N. 9.096/95. DESAPROVAÇÃO.

1. Ocorrência de contribuição com CPF incorreto ou inexistente e detectadas receitas não declaradas, movimentadas em duas contas bancárias igualmente omitidas na contabilidade, as quais foram apuradas por meio de consulta do órgão técnico ao Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) e às instituições bancárias. Irregularidades que configuram a utilização de recursos de origem não identificada, atraindo a incidência do art. 6º da Resolução TSE n. 21.841/04. Montante que representa cerca de 18% do total de receitas declaradas pelo partido, ensejando a desaprovação das contas.

2. O recolhimento integral e espontâneo dos valores irregulares por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) quando preclusas todas as oportunidades para saneamento ou instrução processual pela parte e faltando apenas quatro dias para a data de julgamento, representa mera antecipação das consequências do acórdão, claramente antevistas pela agremiação, não logrando mitigar a relevância das falhas.

3. A sanção pecuniária para o caso de desaprovação de contas somente adveio a partir da Lei n. 13.165/15, que alterou o art. 37 da Lei n. 9.096/95, incidindo, portanto, apenas sobre o exercício financeiro de 2016 e posteriores, com base no princípio do tempus regit actum, o que torna inaplicável a referida penalidade ao caso concreto.

4. Cabível a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de dois meses, com base no art. 37, caput, da Lei n. 9.096/95, consequência advinda da desaprovação da contabilidade.

5. Outrossim, afastada a mesma penalidade, prevista no art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, em decorrência da utilização de recursos de origem não identificada, ao fundamento de que pode ser impossível ao prestador esclarecer a origem dos valores, ou mesmo, de que, após o julgamento das contas, sequer teria lugar o exame de novos esclarecimentos, o que culminaria em penalidade perpétua. Em julgamento recente, ainda em aberto por pedido de vista, esta Corte sinalizou a necessidade de aprofundar a reflexão sobre o tema, de modo que o posicionamento não implique negativa de aplicação de qualquer forma de reprimenda à utilização de recursos de origem não identificada, enquanto inequívoca a vontade legislativa de sancionar em específico a irregularidade, ressalvando-se futura reanálise do tema para os exercícios financeiros de 2019 e posteriores. Ademais, na hipótese, comprovado o pagamento devido ao Tesouro Nacional, não há que se falar em suspensão do Fundo Partidário em decorrência do recebimento de recursos de origem não identificada.

6. Desaprovação.

(TRE; PC 0600301-74.2018.6.21.0000; Relator Des. Eleitoral SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES; julgado em 05.02.2020, DJE de 11.02.2020.)

 

Destarte, trata-se de matéria que vem recebendo análise deste Tribunal, em esforço exegético sobre o alcance da determinação legal de sancionamento à hipótese. Entendimento que, em decorrência de debate processual, pode vir a sofrer a evolução futura de viragem jurisprudencial.

À derradeira, a título de finalização, repiso que, no mérito, decido pelo parcial provimento dos aclaratórios do Ministério Público Eleitoral, tão somente para agregar ao julgado a fundamentação exarada, mas mantendo a decisão embargada quanto ao afastamento da penalidade da suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário em decorrência de recebimento irregular de recursos oriundos de fontes vedadas e de origem não identificada.

Finalmente, dou por prequestionados todos os dispositivos invocados pelas partes, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.

DIANTE DO EXPOSTO, voto por não conhecer, em parte, dos embargos declaratórios do PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL) e, na parte conhecida, rejeitá-los, e por acolher a preliminar arguida pelo Ministério Público Eleitoral e, no mérito de seus embargos, dar parcial provimento, apenas para agregar ao julgado a fundamentação exarada, mantendo a decisão embargada, e, por fim, considerar prequestionada a matéria ventilada pelos embargantes, tudo nos termos da fundamentação.

 

É como voto, Senhor Presidente.